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B3 começa junho com fluxo estrangeiro positivo, mas sem razão para otimismo

15 jun 2020, 15:17 - atualizado em 15 jun 2020, 16:38
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Até o último dia 9, as compras por estrangeiros no mercado secundário de ações do país superavam as vendas em 3,4 bilhões de reais no acumulado do mês (Imagem: REUTERS/Nacho Doce)

A bolsa paulista mostra fluxo positivo de capital externo nos primeiros pregões de junho, com a ampla liquidez nos mercados globais prevalecendo sobre diversas incertezas que existem no Brasil em relação aos cenário político e econômico e aos desdobramentos da pandemia do novo coronavírus.

Até o último dia 9, as compras por estrangeiros no mercado secundário de ações do país superavam as vendas em 3,4 bilhões de reais no acumulado do mês, em dados da B3 (B3SA3) que excluem as ofertas de ações. No ano, contudo, esse saldo ainda está negativo em mais de 70 bilhões de reais. A última vez que o saldo ficou positivo em um mês cheio foi em setembro de 2019.

De acordo com Daniel Motta, diretor da área de negociação das Mesas de Renda Fixa e Renda Variável do Goldman Sachs Brasil, há várias razões que estimulam essas alocações recentes, começando com a grande injeção de liquidez nos mercados e na economia real feita pelos bancos centrais do mundo todo.

Além disso, acrescentou, o comprometimento desses mesmos BCs em manter os juros baixos por um longo período de tempo gera uma demanda maior por ações.

“A combinação desses estímulos fiscais e monetários com a reabertura das economias após o período de quarentena acaba impulsionando uma recuperação rápida dos ativos globais, incluindo os de países emergentes”, afirmou Motta.

Governos e BCs de todo o mundo liberaram quantidades sem precedentes de apoio fiscal e monetário para economias que estão sofrendo com a pandemia de Covid-19. Veja aqui o que já foi feito em resposta ao novo coronavírus:

No caso do Brasil, após desabar quase 30% em março, o Ibovespa, referência do mercado acionário brasileiro, acumulou altas de mais de 10% em abril e de 8,5% em maio, e contabiliza uma elevação de cerca de 6% neste mês até o último dia 12.

O Bank of America, que havia cortado em abril sua projeção para o Ibovespa no final do ano a 76 mil pontos, agora espera 100 mil pontos, acrescentando que, “em um salto de fé”, investidores estão dispostos a abstrair a deterioração econômica deste ano e se concentrar nas estimativas para lucros em 2021.

Em relatório na semana passada, David Beker, chefe de economia e estratégia do Bank of America para o Brasil, e equipe ressaltaram que, com a ajuda de estímulos fiscais e monetários, investidores podem olhar para além dos múltiplos elevados –em comparação com os padrões históricos.

“Esse é o caso especialmente do Brasil, onde as ações foram ‘re-rated’ significativamente até 2019”, afirmou a equipe do BofA.

Motta observou que, no Brasil, os juros baixos e a moeda desvalorizada –a qual, apesar de refletir um prêmio de risco maior, também deixa as ações brasileiras mais baratas em dólar– acabam aumentando o interesse por ações das diversas classes de investidores, incluindo os estrangeiros.

No caso do Ibovespa, enquanto a queda acumulada em reais fica ao redor de 20% no ano, o declínio em dólares cresce para cerca de 36%.

“O apetite desses últimos (os estrangeiros), entretanto, ainda está concentrado em ações cíclicas e de alta liquidez, mais fáceis de serem vendidas em caso de uma piora no cenário”, ponderou o diretor do Goldman Sachs.

A equipe da Verde Asset comandada pelo gestor Luis Stuhlberger ressaltou em relatório recente que o otimismo com a reabertura de economias desenvolvidas tem dado o tom dos mercados, em grande parte pela ausência, até aqui, de sinais de uma segunda onda nos países que reabriram primeiro.

A situação no Brasil, contudo, é mais complexa do que em outras nações desenvolvidas, pondera a equipe da Verde, argumentando que ainda não se observou sequer o pico dos números de novos casos. Ainda assim, avaliou que parece haver inflexão nas taxas de crescimento em determinados lugares.

“Mas ainda é muito cedo para otimismo”, acrescentou, citando também uma “boa dose” de volatilidade política.

Na visão do pesquisador sênior do Centro de Estudos Estratégicos Internacionais (CSIS), em Washington, Thiago Aragão, a instabilidade política no país só aumenta a cada semana, sendo o evento mais recente o anúncio da saída do secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida.

“A precificação do risco político é uma variável muito mais importante para o investidor estrangeiro do que para o investidor brasileiro, que já normalizou o risco político”, afirmou, acrescentando que o risco político precisa ser extremo para gerar alguma mudança no comportamento do investidor local.

Para o estrangeiro, explicou, essa variável precisa simplesmente indicar um futuro nebuloso, que sinalize que o governo tenha, por exemplo, que gastar mais tempo em tentativas de manter sua existência do que em esforços para viabilizar cenário favorável ao investimento no Brasil e assegurar que o país seja porto seguro para tal.