Boeing e Embraer: decolagem autorizada ou pouso forçado?
João Gabriel Chebante é CEO e fundador da Chebante Brand Strategy e presta consultoria para diferentes segmentos do mercado financeiro
Como profissional de marketing e serviços financeiros, tenho a sorte de poder viajar bastante, o que aproxima a minha carreira com o fascínio desafiador de fazer o ser humano voar. Soma-se isso ao fato de ser vizinho de Congonhas e pronto, temos o cenário perfeito para ser um curioso sobre o mercado da aviação – o qual aprendemos com Warren Buffet que é um péssimo negócio (ele nunca teve e sempre foi contra papéis de empresas do setor), mas que tem algumas boas oportunidades para quem é menos ortodoxo em suas escolhas de investimentos.
Neste sentido poucas se enquadram como a Embraer. A empresa de São José dos Campos saiu de um projeto mal-sucedido de soberania nacional no setor aéreo e de defesa para uma das protagonistas do mercado mundial e jóia da coroa da pauta de exportações brasileiras ao diluir seu controle após a privatização. A flexibilidade somada a um corpo diretivo espetacular fundado por Ozires Silva a levou de patinho feio a protagonista global do seu segmento, peitando gigantes como Boeing e Airbus.
Não à toa uso na ESPM constantemente a construção da linha E-Jets, conhecida por ser a base do line-up da Azul/Jetblue como caso tanto de uso dos conceitos de Inteligência de Mercado quanto da Curva de Revisão de Valor, do livro “A estratégia do Oceano Azul”, como um dos principais casos em sala de aula. Quer estudar identificação de nicho de mercado e ganho de escala? Uma das principais histórias no mundo está a alguns quilômetros da lousa.
A potencial oferta da Boeing pela Embraer é um prêmio à companhia brasileira por chegar muito perto e ameaçar os gigantes dentro do seu principal território, que é a aviação comercial, bem como um dos segmentos de maior expansão aonde residem as rotas regionais. Em tese é um casamento perfeito: completa o portfólio de opções para ambas, atuando em quase todas as frentes do mercado de aviação. Além disso há grandes sinergias operacionais e no funil de vendas com atuais e potenciais clientes – já imaginaram a barganha com clientes com alta malha de atuação como Azul+TAP ou Latam, que atuam do segmento executivo a rotas transoceânicas? Além disso, tem uma questão de blindagem: a Bombardier hoje tem como acionista majoritário a concorrente direta de ambas Airbus, que fez recentemente este movimento visualizando as mesmas oportunidades.
Tudo seria lindo e perfeito… Se não tivesse a mão bem visível do governo com sua “golden share” e o reflexo político de entregar um suposto patrimônio do país ao capital estrangeiro – algo que fazemos há 500 anos e aceleramos através de privatizações que, inclusive, será pauta do governo ao longo das próximas eleições. Alunos e clientes sempre negligenciam a questão político-legal da análise de seus macroambientes de marketing, mas eis aqui uma prova tácita de quando pode ser empecilho para um grande negócio.
Ou uma oportunidade. Pelos discursos das partes privadas, Embraer e Boeing estão interessadas em fazer o acordo acontecer e gerar um leviatã alado sobre o mercado. É aonde numa análise SWOT entra a Oportunidade de desenvolver um acordo que blinde o governo brasileiro, mais do que perder dinheiro (não vai – a geração de divisas e caixa seria ainda maior numa empresa algumas vezes maior que o porte atual da Embraer), mas de apresentar premissas de comunicação e relacionamento com diferentes stakeholders como colaboradores, sindicatos, fornecedores locais e principalmente a turma do Congresso Nacional e a opinião pública que não se trata de uma aquisição, mas de uma união de forças que fará o país ter protagonismo real num dos principais segmentos da economia global.
Enquanto pessoas como você e eu estamos agendando ou esperando por nossas decolagens e pousos para merecidos (e poucos) dias de descanso, certamente uma boa turma entre São José dos Campos, Chicago (sede da Boeing), São Paulo, Nova Iorque e Brasília terão dias de turbulências pela frente com as potenciais mudanças de rotas nas negociações. E sem máscaras de oxigênio na suas salas de reuniões deste vôo ainda com destino interessante, porém incerto.
OBS: Um ávido leitor apontou que Warren Buffet realiza investimentos em cias. aéreas. O que é um fato (US$ 8 bilhões em diferentes empresas) a partir de 2015, quando contrariou suas premissas históricas de ser um setor “destruidor de valor” a partir de mudanças de macroambiente (preço do petróleo e acesso à novas tecnologias) e macroambiente (fusão de competidores e portfólio de rotas) de marketing.