Arena do Pavini

Bitcoin deveria ser regulado como ativo financeiro, diz advogado; projeto prevê criminalização

12 jan 2018, 21:10 - atualizado em 12 jan 2018, 21:10

Por Angelo Pavini, da Arena do Pavini

Bitcoin e outras moedas virtuais estão no centro das atenções de investidores, gestores e autoridades reguladoras do mundo inteiro. Na Coreia do Sul, país em que uma febre pela moeda virtual provocou um ágio de 30% nos preços do Bitcoin em relação ao mercado internacional, o governo ameaça proibir sua utilização e fechar as bolsas do país, o que fez o preço da moeda despencar para US$ 12.800 ontem, depois de ter atingido R$ 19.800 no fim de dezembro.

No Brasil, Banco Central (BC)  e Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgaram alertas sobre os riscos com a especulação em torno da nova moeda e sobre a falta de segurança do seu mercado. Hoje, a CVM reforçou esses alertas com um ofício deixando claro que o Bitcoin não pode ser alvo de investimentos de fundos pois não é considerado um ativo financeiro que pode ser adquirido por essas carteiras pela Instrução Normativa 555.

No Congresso, o projeto de lei 2.303/2015 do deputado Áureo (SD-RJ) pretende regulamentar o uso das moedas virtuais no Brasil, juntamente com os pontos de programas de milhagem. O texto está em uma comissão especial da Câmara presidida pelo próprio Áureo e que tem como relator o deputado Expedito Netto (PSD-RO).

Parecer quer proibir Bitcoin

Em seu parecer, apresentado em 14 de dezembro, Expedito Netto propôs, porém, que a negociação, emissão e intermediação de criptomoedas seja proibida no país, a não ser que esteja regulamentada por lei, o que causou preocupação entre especialistas. “Dizem que o Bitcoin vai financiar a quarta revolução industrial do mundo e nós vamos proibi-lo no Brasil?”, questiona o advogado Marcelo Godke, do escritório Godke, Silva e Rocha Advogados, especialista em moedas virtuais, e que foi a Brasília participar da discussão com os parlamentares.

O parecer causou surpresa na própria comissão pois o projeto original de Áureo previa apenas que a regulamentação das moedas virtuais caberia ao Banco Central. Outro proposta, do advogado Evandro Pontes, especialista em direito bancário, prevê a criação de outro órgão regulador apenas para as moedas. O problema seria a falta de orçamento para criar o novo órgão e o fato de dois reguladores poderem criar conflitos na regulação, como aconteceu com o mercado de derivativos dos EUA.

Ninguém compra com Bitcoin, só investe

Godke defende que as criptomoedas como o Bitcoin sejam regulamentadas como ativos financeiros, não como moeda para transações de compra e venda. Ele explica que apenas 0,36% das transações feitas com Bitcoins são como meio de pagamento, ou seja, para comprar produtos ou serviços. O restante são compras de investidores especulando com a criptomoeda. “Na prática, os Bitcoins são ativos usados como investimento e aí entra numa seara diferente da tradicional”, explica. Uma proposta diferente da original do Bitcoin, que era usar a tecnologia do blockchain para criar uma moeda alternativa sem um governo por trás e que substituiria as atuais moedas de curso forçado, como dólar, euro ou real.

O advogado lembra que as pessoas que compram euro, dólar, iene como investimento fazem isso analisando a economia desses países, para saber se elas vão se valorizar ou não. Mas na maioria das vezes, a compra é para fazer pagamentos, usar numa viagem ou na compra de um bem. “A pessoa compra dólar para ir para Miami ou euro para ir para a Europa, mas no Bitcoin, a função de moeda está deixando de existir e as pessoas veem apenas como investimento”, diz.

Isso dispara outro alerta, afirma Godke. “Talvez não se deva olhar o Bitcoin como uma moeda mas como um ativo financeiro, e um ativo de investimento, e classifica-lo como valor mobiliário, como uma ação, uma debênture ou um derivativo”, diz. Isso faz sentido porque as pessoas compram o Bitcoin não para usá-lo, mas esperando ele valer mais.

Arranjos de pagamento

O projeto de lei 2.203 no Congresso quer incluir as moedas virtuais na regulamentação dos arranjos de pagamento, assim como as milhagens de cartões e programas de fidelidade, que também podem ser negociadas ou trocadas por bens e serviços, diz Godke. Arranjos de pagamento são contratos que regulam as relações entre as partes nos negócios sem o uso da moeda oficial. É o caso do cartão de crédito.

O cliente tem um contrato com a administradora do cartão e, quando faz um pagamento em uma loja, o comerciante passa a ter um crédito a receber da administradora. Ao mesmo tempo, o cliente tem o contrato com a administradora de pagar a fatura. Mas a compra já foi paga. “Essas regras formam o arranjo de pagamentos”, explica Godke.

Oscilação impede uso como moeda

O problema é que as moedas virtuais não são usadas como arranjos de pagamento, mas como ativos financeiros. “Se menos de 1% das transações cursadas são efetivamente usadas para pagar bens e serviços, ela virou um investimento”, diz. Além disso, a própria oscilação do Bitcoin, que vai de US$ 19 mil para US$ 12 mil em poucos dias, impede seu uso como moeda pois ele não serve como reserva de valor. “Uma moeda que oscila tanto não serve para ser usada nos pagamentos normais pois não se sabe quanto se está pagando ou recebendo pelo bem”, diz.

Regulamentação da CVM

Nesse caso, o ideal seria que a lei definisse que as criptomoedas ficariam sob a alçada do Banco Central enquanto meio de pagamento, mas que houvesse uma regulamentação como ativo financeiro por parte da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para criar uma estrutura mínima de mercado para proteger os investidores. “Não seria o caso de a CVM regulamentar as criptomoedas como investimento, exigindo estrutura mínima dos agentes de mercado que vão atuar com ela?”, sugere Godke. Seria possível assim organizar ofertas públicas, corretoras, bolsas e custodiantes dos Bitcoins, reduzindo os riscos de golpes, fraudes e roubos de ativos. “A saída não é barrar, mas dar segurança ao mercado e aos investidores”, reforça.

Especulação não é problema

Godke não se diz preocupado com uma eventual bolha dos Bitcoins, apesar de reconhecer que todo mundo hoje quer saber da moeda virtual. “Especulação é normal no mercado financeiro”, afirma. “Qual o valor real do Bitcoin, US$ 19 mil, US$ 12 mil, US$ 1 mil, ninguém sabe”, diz. “O que preocupa é a pessoa perder dinheiro por fraude, não por especulação.” Ele questiona também quem é contra qualquer regulamentação para as criptomoedas, afirmando que isso impediria o desenvolvimento tecnológico. “É preciso evitar fraudes, se não as pessoas vão se afastar da moeda”, alerta.

Sobre o uso do Bitcoin para operações ilegais, Godke diz que os exemplos no exterior mostram que quem tentou usar a criptomoeda para crimes acabou sendo identificado. “As operações com Bitcoin deixam um rastro enorme que pode ser seguido, enquanto o mesmo não pode ser feito se o crime usar uma nota de US$ 100.”

O próprio advogado diz ter uma grande frustração na vida, de ter recusado a proposta de um amigo que lhe ofereceu alguns Bitcoins alguns anos atrás. “Ele me ofereceu 7 mil Bitcoins por US$ 0,17 e eu recusei, e hoje tenho esse arrependimento profundo”, admite. Hoje, esses Bitcoins valeriam US$ 120 milhões, ou quase R$ 400 milhões de reais.

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