Bitcoin Cash (BCH) está à altura do Bitcoin (BTC)?
Em maio de 2018, o protocolo Bitcoin Cash (BCH) quadruplicou o tamanho dos blocos de 8 MB para 32 MB. A iniciativa não agradou muitos na comunidade cripto porque a nova capacidade transacional da rede excedia a demanda na época.
Atualmente, tamanhos de bloco no BCH ainda são uma pequena fração do limite de 32 MB. Três anos após a bifurcação drástica (ou “hard fork”) original do Bitcoin (BTC), BCH continua entre as dez principais criptomoedas mas, no argumento BCH vs. BTC, BCH cumpriu com o que se propôs?
Em 1º de agosto de 2017, Bitcoin Cash foi bifurcado do Bitcoin.
Bê-a-bá cripto: qual é a diferença
entre bitcoin (BTC) e bitcoin cash (BCH)?
Quando foi lançado, sua comunidade de desenvolvedores prometeu realizar uma visão para dinheiro digital que eles sentiram que o próprio bitcoin falhou em entregar: um sistema descentralizado e de alto volume de pagamentos com taxas baixas o suficiente para que qualquer pessoa possa usar.
Em novembro de 2018, a pergunta “BCH ou BTC?” se tornou mais complicada quando o próprio BCH foi bifurcado, criando Bitcoin Satoshi Vision (BSV ou BCHSV).
BSV foi direcionada pela oposição a inúmeras atualizações de escalabilidade que seriam implementados ao protocolo e foi liderada por membros da comunidade Craig Wright e Calvin Ayre.
Eles afirmaram que atualizações corrompiam a visão original do BTC como dinheiro digital e, assim, lançaram seu próprio blockchain, BSV, que iria rejeitar as alterações e permitir tamanhos de blocos de 128 MB.
Hoje, ambos os blockchains estão entre os dez principais criptoativos, mas este artigo só irá analisar o desempenho da bifurcação BCH.
Queda no preço do Bitcoin Cash
O preço do BCH atingiu um recorde em 20 de dezembro de 2017 em US$ 3.785. Desde então, seu valor caiu 94% e, atualmente, é negociado a US$ 230.
Porém, todos os criptoativos que fizeram parte da “bull run” de 2017 tiveram quedas parecidas. O que pode ser mais preocupante para investidores é que o valor do BCH, em comparação ao BTC, está baixíssimo: 0,0021 BTC por BCH.
A popularidade da criptomoeda como uma competidora direta com o bitcoin diminuiu drasticamente, mas a capitalização de mercado do BCH ainda está em US$ 4,2 bilhões e possui uma comunidade bem presente de defensores.
Porém, teve problemas no paraíso durante 2020, pois o protocolo enfrenta um novo conjunto de questões de governança que ameaça dividir a comunidade.
Em janeiro de 2020, um grupo de desenvolvedores do BCH sugeriram apresentar uma taxa de 12,5% sobre cada bloco minerado no blockchain BCH como uma forma de financiar o desenvolvimento da comunidade.
O plano dividiu a comunidade e, após semanas de discussão, “a taxa de mineração” ou proposta de financiamento de infraestrutura (ISP) foi descartada.
Porém, segundo a proposta mais recente da Bitcoin ABC — a principal equipe de desenvolvimento do protocolo BCH —, uma atualização de rede em novembro terá as alterações que acrescentam uma taxa de 8% sobre recompensas por bloco.
Parece que uma grande subseção da comunidade é contra a proposta da ABC, incluindo Roger Ver, um dos defensores e investidores mais famosos do BCH.
No dia 1º de setembro, ele tuitou que “desviar parte da recompensa por bloco do Bitcoin Cash para pagar uma única equipe de desenvolvimento é a realização do sonho de um planejador central à la União Soviética. Por favor, pare”.
Parece ter uma certa chance de uma nova moeda ABC ser criada. Enquanto mineradores e grande parte da comunidade pareçam apoiar a versão existente do protocolo BCH, a tendência de governança pela bifurcação drástica indica que existem problemas inerentes com a gestão do protocolo.
Principais diferenças entre BTC e BCH
Para entender o que os números dizem sobre como BCH cresceu ou não, precisamos comparar BTC e BCH em três dimensões:
1) tamanho por bloco: como BCH e BTC encontraram suas próprias soluções para o problema da escalabilidade?
2) volume transacional: o que os atuais volumes transacionais nos ensinam sobre se e como as pessoas estão aderindo ao BCH vs BTC?
3) mineração: como a comunidade distinta de mineradores BTC/BCH influenciam o relacionamento entre BTC e BCH?
Blocos maiores do BCH ainda não importam
Desde maio de 2018, os tamanhos por bloco do BCH foram 32 vezes maiores que os de 1 MB do Bitcoin e a postura do BCH sempre foi a de que o tamanho do bloco importa.
Desde a bifurcação, a diferença drástica entre os blocos 1 MB do BTC e 8 MB do BCH têm sido um diferenciador essencial entre essas redes.
Os tamanhos maiores de bloco do BCH indicam que pode fornecer suporte a bem mais transações do que o Bitcoin no mesmo período de tempo.
Embora, agora, o volume transacional no BCH não seja próximo ao suporte fornecido, o debate sobre o tamanho dos blocos mostra quão diferentes são ambas as redes em relação à escalabilidade.
Escalabilidade é a capacidade de um sistema ou rede se ampliar e fazer a gestão da crescente demanda. Primeira camada é o termo usado para descrever a arquitetura principal e subjacente do blockchain.
Segunda camada é uma estrutura secundária ou um protocolo secundário criados acima de um sistema blockchain existente, em que o objetivo principal é aumentar a velocidade de transações e resolver as dificuldades de escalabilidade enfrentadas por grandes redes cripto.
Embora defensores do BCH gostem de identificar um tamanho maior de blocos com transações mais baratas e rápidas, defensores do BTC consideram soluções de segunda camada como Lightning Network como um método melhor de escalabilidade.
O que é a Lightning Network e como pode ajudar
na escalabilidade do protocolo Bitcoin?
Defensores do BCH acreditam que tamanhos maiores de bloco irão resultar em uma rede em que qualquer um pode transacionar — uma que possa servir como um “PayPal 2.0”.
O tamanho médio de transações para BCH é de 200 bytes, ou seja, cada bloco de 32 MB a cada dez minutos da rede pode fornecer suporte a uma média de 160 mil transações, totalizando 23.040.000 por dia. Em contraste, os blocos de 1 MB do BTC podem suportar apenas cinco mil transações do mesmo tamanho, totalizando 600 mil por dia.
Mesmo que BCH consiga lidar com altos números de transações, só foi responsável por 17 mil transações diárias nas últimas semanas — apenas 0,0007% do volume diário que poderia apoiar com seu bloco de 32 MB.
Então por que a rede quadruplicou o tamanho por bloco, de 8 MB para 32 MB quando existe uma incompatibilidade entre recursos e demanda de transações?
A rede BTC variou em 300 mil transações por dia nas últimas semanas e isso resultou em tamanhos de blocos que estão mais alinhados ao limite de tamanho por bloco de 1 MB.
Segundo a Bitcoin ABC, a atualização do dia 15 de novembro foi criada para continuar melhorando BCH como uma forma de dinheiro.
“Queremos torná-lo mais confiável e escalável, com baixas taxas e pronto para crescimento rápido. Deve ‘apenas funcionar’, sem complicações ou incômodos. Deve estar pronto para adesão global por usuários comuns e fornecer uma base sólida na qual empresas possam confiar.”
Defensores do BTC, por outro lado, apoiam soluções de escalabilidade em segunda camada em vez de soluções de maiores blocos do BCH porque têm receio de que maior não é necessariamente melhor em relação ao tamanho dos blocos, já que blocos muito grandes podem colocar a mineração fora do alcance do armazenamento de pessoas comuns e capacidades de banda larga.
Blocos maiores podem significar que apenas os maiores e mais organizados pools de mineração conseguiriam minerar novos blocos — algo que é antiético ao valor principal de descentralização do Bitcoin.
Protocolos de segunda camada, como Lightning Network, prometem solucionar esse problema ao permitir que haja “entre milhões a bilhões de transações por segundo” (TPS) fora do blockchain principal.
Porém, atualmente, a diferença na abordagem de tamanho de blocos entre BTC e BCH está preparando o terreno para dois tipos de blockchain que serão muito diferentes no futuro: um que apoia inúmeras transações instantâneas e de baixas taxas por si só (BCH) e outro que está investindo em um ecossistema de soluções de escalabilidade fora do blockchain (BTC).
Se você criar, pode ser que eles venham…
Mempool (união das palavras “memory” e “pool”) é o mecanismo de um nó que armazena informações sobre transações ainda não confirmadas, como se fosse uma “sala de espera” para transações que ainda não foram incluídas em um bloco.
O tamanho do mempool, considerando que todo o resto seja igual, é diretamente relacionado ao tamanho das taxas de transação: um pool menor de transações pendentes significa que você não tem que pagar tanto para ter sua transação confirmada por mineradores.
Assim, faz sentido que o mempool do BCH seja relativamente menor, o que resultou em taxas baixíssimas por transação — aproximadamente de US$ 0,006.
BTC, por outro lado, geralmente tem um mempool de cerca de 14 mil transações por dia — bem mais que o do BCH. Esse número atingiu 78 mil no dia 5 de setembro.
Proporcionalmente, as taxas de transação do BTC são bem maiores que a do BCH, com uma taxa média de transações entre US$ 0,50 e US$ 3 nos últimos dois meses e, ainda assim, manteve um volume transacional que excede o do BCH por ordem de magnitude.
BCH ainda precisa se provar como o novo e descentralizado PayPal e não convenceu o amplo mercado de que é mais adequado para essa tarefa do que o BTC. No entanto, isso não significa que não houve movimento nessa direção.
Na época da bifurcação original, BCH tinha meras 0,11 TPS em comparação às 2,42 TPS do BTC. Três anos depois, o volume de transações do BTC cresceu de forma consistente — atualmente, de 3,75 TPS — enquanto o volume do BCH cresceu para 0,13 TPS.
Durante os testes de estresse da rede, realizados em setembro de 2018, TPS na rede BCH atingiram uma alta de 24 durante os testes, indicando que a rede é, de fato, capaz de processar um alto volume transacional.
Nesse caso, o crescimento em transações no BCH pode ser devido ao crescente interesse no comércio baseado em criptoativos ou apenas ser resultado de maior especulação no setor cripto como um todo.
No entanto, o baixo volume transacional do BCH, apesar do tamanho de seu mempool (nunca possui mais do que 900 transações pendentes) e baixas taxas de transação, mostra que o público continua indiferente à sua proposta de ser uma “alternativa ao dinheiro em espécie”.
Parece que, durante os primeiros anos de sua existência, o mercado reconheceu certo valor distinto no BCH.
Sua capitalização de mercado aumentou quase 67% desde a bifurcação em comparação ao crescimento de 200% da rede BTC. Em termos gerais de capitalização mercado, enquanto a do BTC subiu 10% nos últimos meses, a do BCH caiu 25%.
Mineração: BCH vs BTC
Tanto o BTC como o BCH usam o mesmo algoritmo de hashing, SHA-256. Por conta disso, mineradores podem mirar ambas as criptomoedas. Principalmente nos primeiros meses de existência do BCH, houve grande variação na rentabilidade de minerar BTC vs BCH.
Isso fez com que mineradores oscilassem entre as duas redes, resultando em uma variação proporcional na taxa de hashes do BTC e do BCH. Percebemos que a rentabilidade de minerar BTC e BCH agora estão bem mais próximas uma da outra do que anteriormente.
Taxa de hashes apresentam um panorama diferente à rentabilidade de mineração. A taxa de hashes do BTC cresceu consistentemente desde o segundo semestre de 2019 e atingiu novas altas em setembro de 2020.
Em contraste, a taxa de hashes do BCH manteve uma taxa mais lenta de crescimento e, atualmente, está bem abaixo das altas recordes estabelecidas em setembro de 2017.
Desde o início do ano, a média diária da taxa de hashes da rede BCH caiu 2% em comparação ao aumento de 36% da rede BTC.
No dia 8 de abril, o blockchain BCH foi o primeiro entre as principais redes SHA-256 para diminuir, pela metade, suas recompensas por bloco (processo também conhecido como “halving”) de 12,5 BCH para 6,25 BCH. A rede BTC passou por seu terceiro halving em 11 de maio.
Desde seus respectivos halvings, a taxa de hashes da rede BTC se recuperou de forma bem mais forte do que a da BCH. Sugeriu-se que alguns mineradores SHA-256 iriam migrar da rede BCH à BTC, pois as recompensas por bloco disponíveis na rede ainda eram de 12,5 BTC.
Outros fatores que contribuem a essa diferença na taxa de hashes podem ser os atuais desafios de governança da rede BCH e, em comparação, o baixo desempenho de preço.
A certo ponto, tanto para BTC como BTC, mais da metade dos novos blocos eram criados pelos mesmos seis pools de mineração: BTC.top, ViaBTC, AntPool, BTC.com, Bitcoin.com e F2Pool.
Porém, recentemente, os pools de mineração operados por corretoras de criptoativos surgiram como os principais produtores de blocos no BCH.
Na semana passada, por exemplo, o pool de mineração da Binance produziu 24,7% dos blocos do BCH — mais do que qualquer outro pool da rede.
Outros pools de mineração, operados pela Huobi e OKEx, também se tornaram os principais produtores de blocos e são o 6º e o 7º maiores mineradores de blocos no BCH.
Pensando no futuro: Bitcoin Cash pode coexistir com o Bitcoin?
BTC e BCH têm objetivos a longo prazo bem distintos e as diferenças em como já estão lidando com volume transacional e tamanho por bloco refletem esses objetivos.
No futuro, BTC e BCH podem ser capazes de coexistir pacificamente com diferentes objetivos, em que BTC atua como ouro e BCH atua como PayPal — mas BCH terá de crescer significativamente antes dessa possibilidade ser realizada, um cenário que não pode ser auxiliado por inúmeras bifurcações.