Opinião

Bem mais rápido que Bettina: A incrível história de um trader e uma small cap

21 mar 2019, 19:03 - atualizado em 21 mar 2019, 19:20

Por Marink Martins, do MyVOL e autor da newsletter Global Pass

A narrativa a seguir é verídica. O nome do protagonista foi alterado em respeito ao grande trader e amigo que até hoje é grande fonte de inspiração nos mercados.

Estávamos no fim de novembro de 2007 a alguns dias do meu aniversário de 36 anos. Não havia razão alguma para festa. Três semanas antes, no dia em que a Petrobras anunciou a dimensão do poço Tupi, o mercado promoveu um “corner” no mercado de opções que promoveu uma espécie de “strike” em algumas mesas de operações cariocas.

O evento em si foi de tamanha dimensão que a liquidez daquele mercado foi significativamente impactada por meses. Afinal, muitos de seus participantes estavam fora do mercado, gerando liquidez para arcar com tamanho prejuízo ocorrido nos dias 8 e 9 daquele fatídico mês. Alguns vendiam apartamentos, enquanto outros, casas em Angra; os mais abastados, vendiam suas lanchas. Foi certamente um momento muito triste.

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O mercado, entretanto, estava eufórico e preparava-se para entrar no que, a posteriori, provou-se ser a última pernada de um dos maiores “Bull Market” da história do Ibovespa.

Estávamos em uma fase do ciclo onde as principais ações da bolsa já tinham se valorizado bastante e os investidores ainda permaneciam famintos por ganhos. Todos embarcavam na onda de IPOs. Naquele ano, o IPO da própria bolsa de valores garantiu um lucro fácil de R$5.000 para todos que colocaram uma oferta de compra para quantidade máxima de ações disponíveis por CPF.

Confiantes ao extremo, o próximo passo era sair em busca daquelas oportunidades esquecidas – aqueles “pozinhos” que hoje chamam pelo nome sofisticado de “microcap”.

No fim daquele mês de novembro, a visita do dono da corretora a sua filial do Rio trouxe uma dica muito quente. Ou melhor uma dica fria! Havia rumores de que uma empresa localizada no sul do país, especializada em carrocerias especiais refrigeradas, poderia ser adquirida pela então “smallcap” Randon S/A.

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A empresa em questão era a Recrusul que, por incrível que pareça, ainda está viva. Na época a empresa encontrava-se em recuperação judicial. Rumores de que a empresa acharia um comprador para seu enorme terreno e, com isso, conseguiria “oxigênio” para embarcar em um novo ciclo de investimentos eram suficientes para deixar a galera da mesa em polvorosa. A ação que negociava próximo a 50 centavos rapidamente se apreciou para valores próximos a um real.

Claudio Pacheco que havia se machucado bastante no episódio do “corner” das opções descrito acima, aos poucos voltava a operar nos mercados. Trader extremamente rápido, porém muito agressivo, ele conseguiu diminuir um prejuízo estimado em 5 milhões de reais no dia do anúncio do Tupi para algo próximo a 3,5 milhões através da compra agressiva de operações estruturadas conhecidas como “borboleta” que negociavam a uma pechincha na ocasião. Mesmo assim a cifra ainda era grande o suficiente para deixá-lo deprimido.

Contudo, no fim de dezembro, Claudio parecia já ter lambido as feridas e já se preparava para um longo ciclo de recuperação.

Ciente da informação que circulava pela corretora, provou estar de volta ao ritmo usual, ao comprar em uma única boleta, 100 mil ações da RCSL4 pagando aproximadamente um real pra cada uma delas.

Por incrível que pareça, sua opinião era tão respeitada por colegas, fãs e invejosos, que só a notícia de sua compra foi o suficiente para fazer com que outros players menores entrassem naquele papel de baixíssima liquidez e jogassem seu preço para próximo de dois reais.

O natal se aproximava e ninguém pensava em vender tais ações. A piada na mesa era dizer: as minhas eu só vendo para Randon!

O curioso é que ninguém se dava ao trabalho de olhar o balanço da empresa. Em mercados de alta somos tomados por algo – seja isso um viés cognitivo ou pura autoconfiança mesmo – que nos tornamos complacentes. Esquecemos de ser diligentes e embarcamos em sonhos de uma noite verão.

E por incrível que pareça tal sentimento infestou o mercado durante o mês de janeiro de 2008 de forma a produzir a maior alta que já testemunhei em uma ação listada na Bovespa.

Em um período de um pouco mais de dois meses, aquela ação que negociara a 50 centavos, bateria 20 reais!!! Uma apreciação de 40x!!!

Claudio que, mesmo em momentos de adversidade, não hesitava em tirar férias, ao voltar de sua “ski trip” no Lake Tahoe, não conseguia acreditar no que via. Vendeu suas ações assim que voltou – uma metade no preço de R$10 reais e a outra nos R$12.

Gráfico do preço das ações de Recrusul PN. Os preços foram corrigidos para refletir os inúmeros grupamentos subsequentes a bolha ocorrida em janeiro de 2008.

Com os resultados favoráveis obtidos na segunda metade de novembro e durante os meses de dezembro e janeiro — além do milhão ganho com a Recrusul — seu prejuízo, que no pior momento tomara 50% de seu patrimônio, já havia caído para algo próximo a 15% em um período de 3 meses.

Curiosamente, o caso Recrusul, do ponto de vista gráfico, se assemelha aquele descrito no episódio da bolha do Mar do Sul em 1720 – evento que deixou o famoso físico Isaac Newton pobre! A diferença é que enquanto o evento inglês levou 9 meses, o da Recrusul levou somente 3 meses.

Acima o gráfico das ações do Mar do Sul que atraiu o famoso cientista Isaac Newton em 1720.

No caso das ações da Recrusul, uma vez rompido a barreira dos 10 reais, uma legião de zé comprinhas apareceu e repetiam como uns drogados que só venderiam suas ações para a Randon.

Bem, o tão aguardado “take over” não ocorreu!

Após atingir o topo — próximo a 20 reais e iniciar um ciclo de baixa assombroso — alguns investidores começaram a estudar o balanço da empresa e acordar para o fato de que a empresa possuía um patrimônio negativo equivalente a 3 reais por ação.

Não demorou muito para a empresa embarcar em uma onda de aumentos de capital que só fazia diluir a sua base acionária.

Trouxe esta história para vocês para chamar atenção sobre a possibilidade de estarmos embarcando novamente em algo que poderá se provar como uma última pernada de um ciclo de alta – novamente marcado pela busca por microcaps e IPOs.

Tomando emprestado das célebres frases de Vicente Matheus e do famoso técnico de baseball, Yogi Berra, diria que isso talvez seja um caso de Déjà Vu, all over again!