Baqueados por embate do governo com BC, ativos brasileiros desperdiçam exterior oportuno
Os principais ativos domésticos estão a caminho de encerrar a semana com queda, e participantes do mercado alertam que o real e o Ibovespa podem sofrer ainda mais nos próximos dias em meio à possibilidade de que o Banco Central ceda a críticas do governo sobre a conduta da política monetária, perdendo a chance de aproveitar um cenário externo favorável ao Brasil.
Depois de ser negociado pontualmente abaixo de 5 reais pela primeira vez desde junho na quinta-feira da semana passada, o dólar já subiu cerca de 5%, sendo 1,8% apenas esta semana.
O Ibovespa também tem sentido as tensões entre BC e governo, embora em intensidade menor que a observada no mercado de câmbio, e acumula baixa de cerca de 0,66% nesta semana.
Boa parte desses movimentos refletem preocupações dos investidores com o coro crescente de críticas ao BC por parte do presidente Lula e aliados, que reclamam do patamar elevado da taxa Selic e questionam a autonomia da autarquia.
O humor piorou na quinta-feira, depois de notícias de que a equipe econômica do governo estaria estudando antecipar uma revisão das metas de inflação do país e possivelmente elevar o alvo a ser buscado pela autoridade monetária.
A próxima semana trará dois eventos cruciais para o desenvolvimento desse debate: uma entrevista do presidente do BC, Roberto Campos Neto, ao programa Roda Viva na segunda-feira, e a primeira reunião no novo governo do Conselho Monetário Nacional, responsável por definir as metas de inflação, prevista para quinta.
O Citi disse em relatório desta sexta que, ainda que o clima político para mudar a lei de independência do BC no curto prazo pareça tímido, uma revisão da meta de inflação é “muito mais provável”. O banco norte-americano destacou que, embora as metas de inflação oficiais do país sejam comumente definidas na reunião de junho do CMN, nada impede que os objetivos sejam alterados já no encontro da semana que vem.
Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, afirma que o debate sobre a meta de inflação é saudável e deve existir, mas ela pondera que “aumentar a meta nesse momento retira a confiança do mercado na política monetária e encarece seu custo”.
Para alguns participantes do mercado, o que mais preocupa são especulações de que Campos Neto estaria disposto a ceder à pressão de Lula por uma meta de inflação mais elevada e pela redução dos juros, atualmente em 13,75%.
“A visão do Campos Neto tem que ser monetária e com perspectiva mundial”, disse Luciano Feres, economista e CFO da Somus Capital, em meio à expectativa de que o presidente do BC ofereça algum alento aos ativos brasileiros na segunda-feira. “Ele é uma pessoa que tem uma visão muito assertiva em relação à responsabilidade fiscal. Todo mundo vai querer saber o que ele pensa, mas acho que ele vai nessa linha.”
Em seu único comentário recente a respeito do debate em torno da autonomia do BC, Campos Neto afirmou que a independência é importante porque desconecta o ciclo da política monetária do ciclo político. “Quanto mais independente você é, mais eficaz você é”, disse durante evento em Miami na terça-feira.
O BC não respondeu a pedido de comentário da Reuters sobre notícias de que Campos Neto estaria disposto a mudar as metas de inflação. Já o Ministério da Fazenda afirmou que não antecipa pautas nem temas que serão discutidos no Conselho Monetário Nacional.
Sem surfar
Enquanto aguarda alguma conclusão para a “novela” entre BC e governo, o mercado lamenta que os ativos brasileiros tenham perdido a oportunidade de surfar uma onda recente de apetite por risco no exterior, que ganhou força a partir do final do ano passado em meio à reabertura econômica da China e a esperanças agora já reduzidas de que o Federal Reserve esteja próximo de encerrar seu aperto monetário.
O índice do dólar contra uma cesta de moedas fortes, por exemplo, perde mais de 7% desde novembro do ano passado, sinal de melhora no apetite global por risco. No mesmo período, entre altas e baixas, a divisa norte-americana ganha 1,5% frente ao real.
“Você tem a China reabrindo, Estados Unidos com esse problema de inflação, Europa em guerra. Brincamos que, atualmente, o Brasil é o ‘melhor dos piores’. Então o dinheiro deveria correr para o Brasil. Você vê, nos poucos momentos tranquilos que tivemos nesse começo do ano, o dólar já bateu 5,00. Então essa interferência no Banco Central atrapalha bastante”, avaliou Feres.
“Enquanto tivermos esse estresse, esse embate, eu acho que isso gera uma insegurança muito grande para as principais economias investirem e acreditarem no Brasil.”