Economia

Banco Central mantém Selic em 2% e reforça importância de teto de gastos

16 set 2020, 18:26 - atualizado em 16 set 2020, 19:26
Banco Central
No comunicado sobre a decisão, o BC também repetiu a orientação futura já divulgada anteriormente, de que não pretende elevar a taxa básica (Imagem: Reuters/Adriano Machado)

O Banco Central manteve nesta quarta-feira a Selic em sua mínima histórica de 2% ao ano após nove cortes consecutivos, conforme esperado pelo mercado, e, num comunicado sem grandes novidades quanto à política monetária, reconheceu que a inflação deve acelerar no curto prazo.

“Contribuem para esse movimento a alta temporária nos preços dos alimentos e a normalização parcial do preço de alguns serviços em um contexto de recuperação dos índices de mobilidade e do nível de atividade”, disse o BC.

Ao falar sobre seu balanço de riscos para a inflação, o Comitê de Política Monetária (Copom) introduziu uma nova mensagem ao ponderar, quanto à possibilidade da derrocada da economia produzir inflação abaixo do esperado, que a ociosidade está notadamente concentrada no setor de serviços.

De qualquer forma, o BC não mudou a avaliação de que há uma assimetria em seu balanço para o lado altista por duas razões já citadas em comunicado anterior. De um lado, o BC destaca eventual elevação dos prêmios de risco pela frustração com reformas ou por políticas fiscais que deteriorem de forma prolongada as contas públicas.

De outro, a autarquia menciona chance de os programas do governo de estímulo ao crédito e de apoio direto à renda durante a crise do coronavírus impulsionarem a atividade para além do esperado.

A autarquia menciona chance de os programas do governo de estímulo ao crédito e de apoio direto à renda durante a crise do coronavírus (Imagem: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil)

No comunicado, o BC também repetiu a existência de um pequeno espaço, se algum, para cortar os juros à frente. E reiterou a orientação futura, já divulgada anteriormente, de que não pretende elevar a taxa básica “a menos que as expectativas de inflação, assim como as projeções de inflação de seu cenário básico, estejam suficientemente próximas da meta” em seu horizonte relevante, que atualmente inclui 2021 e, em grau menor, 2022.

O BC frisou que o chamado “forward guidance” é condicional à manutenção do atual regime fiscal –o qual prevê obediência à regra do teto de gastos– e à ancoragem das expectativas de inflação de longo prazo.

Em pesquisa Reuters, 37 de 38 analistas consultados haviam previsto que a taxa básica ficaria inalterada, com apenas um deles estimando um corte para 1,75%.

Com a decisão, o BC interrompeu um ciclo de afrouxamento monetário iniciado em agosto do ano passado que contou com nove reduções consecutivas da Selic, resultando numa diminuição total de 4,5 pontos.

Em meio a diversas sinalizações públicas do BC de que agora haveria pouco ou nenhum espaço para cortar os juros e que a análise sobre eventual investida nesse sentido demandaria tempo, a manutenção dos juros básicos no atual patamar não foi uma surpresa. As atenções se voltavam nesta quarta-feira para as mensagens da autoridade monetária, que majoritariamente reforçaram o que já havia sido sinalizado antes.

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Inflação

Com indicadores recentes mostrando uma aceleração na inflação, movimento que tem como pano de fundo uma elevação no preços dos alimentos, o BC ajustou seus cálculos para o IPCA.

Com indicadores recentes mostrando uma aceleração na inflação, o BC ajustou seus cálculos para o IPCA (Imagem; Agência Senado/Geraldo Magela)

A conta da autoridade monetária para a inflação em 2020 agora é de alta de 2,1% pelo cenário híbrido, que considera a trajetória dos juros da pesquisa Focus e a taxa de câmbio constante em 5,30 reais. Em agosto, a autoridade monetária via um IPCA de 1,9% para este ano.

Também pelo mesmo cenário, a perspectiva passou a ser de elevação da inflação de 2,9% em 2021 (3,0% antes) e 3,3% em 2022 (3,4% antes).

No início do mês, o diretor de Política Econômica do BC, Fabio Kanczuk, já havia dito que o BC esperava uma elevação do IPCA nos próximos meses, com a alta recente nos preços das commodities, mas que isso não influenciaria a política monetária diante da avaliação de que o movimento seria passageiro.

Fabio Kanczuk já havia dito que o BC esperava uma elevação do IPCA nos próximos meses (Imagem: Flickr/Banco Central)

A meta de inflação este ano é de 4,0%, caindo a 3,75% em 2021 e a 3,5% em 2022, sempre com margem de tolerância de 1,5 ponto para mais ou para menos. No boletim Focus, as expectativas mais recentes são de inflação de 1,94% em 2020, 3,01% em 2021% e 3,5% em 2022.

Em relação à atividade econômica, o BC seguiu apontando que os indicadores recentes sugerem uma recuperação parcial, acrescentando que essa retomada “é similar à que ocorre em outras economias”.

O BC atualizará suas projeções para o Produto Interno Bruto (PIB) no fim deste mês, em seu relatório trimestral de inflação.

Até aqui, a expectativa era contração de 6,4% este ano, mas com viés de melhora. Nesta semana, o Ministério da Economia reafirmou sua estimativa de queda de 4,7% do PIB, ao passo que agentes de mercado preveem um tombo de 5,11% para a atividade.

Quanto ao cenário externo, o BC ajustou sua visão para um ambiente “relativamente mais favorável”, ante leitura anterior de que ele seguia desafiador para economias emergentes.

O Copom, entretanto, ponderou que “há bastante incerteza sobre a evolução desse cenário, frente a uma possível redução dos estímulos governamentais e à própria evolução da pandemia da Covid-19”.

Veja o comunicado:

Em sua 233ª reunião, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu, por unanimidade, manter a taxa Selic em 2,00% a.a.

A atualização do cenário básico do Copom pode ser descrita com as seguintes observações:

  • No cenário externo, a retomada da atividade nas principais economias, ainda que desigual entre setores, em conjunção com a moderação na volatilidade dos ativos financeiros, tem resultado em um ambiente relativamente mais favorável para economias emergentes. Contudo, há bastante incerteza sobre a evolução desse cenário, frente a uma possível redução dos estímulos governamentais e à própria evolução da pandemia da Covid-19;
  • Em relação à atividade econômica brasileira, indicadores recentes sugerem uma recuperação parcial, similar à que ocorre em outras economias.  Os setores mais diretamente afetados pelo distanciamento social permanecem deprimidos, apesar da recomposição da renda gerada pelos programas de governo. Prospectivamente, a incerteza sobre o ritmo de crescimento da economia permanece acima da usual, sobretudo para o período a partir do final deste ano, concomitantemente ao esperado arrefecimento dos efeitos dos auxílios emergenciais;
  • O Comitê avalia que a inflação deve se elevar no curto prazo. Contribuem para esse movimento a alta temporária nos preços dos alimentos e a normalização parcial do preço de alguns serviços em um contexto de recuperação dos índices de mobilidade e do nível de atividade;
  • As diversas medidas de inflação subjacente permanecem abaixo dos níveis compatíveis com o cumprimento da meta para a inflação no horizonte relevante para a política monetária;
  • As expectativas de inflação para 2020, 2021 e 2022 apuradas pela pesquisa Focus encontram-se em torno de 1,9%, 3,0% e 3,5%, respectivamente;
  • No cenário híbrido, com trajetória para a taxa de juros extraída da pesquisa Focus e taxa de câmbio constante a R$5,30/US$*, as projeções de inflação do Copom situam-se em torno de 2,1% para 2020, 2,9% para 2021 e 3,3% para 2022. Esse cenário supõe trajetória de juros que encerra 2020 em 2,00% a.a. e se eleva até 2,50% a.a. em 2021 e 4,50% a.a. em 2022; e
  • No cenário com taxa de juros constante a 2,00% a.a. e taxa de câmbio constante a R$5,30/US$*, as projeções de inflação situam-se em torno de 2,1% para 2020, 3,0% para 2021 e 3,8% para 2022.

O Comitê ressalta que, em seu cenário básico para a inflação, permanecem fatores de risco em ambas as direções.

Por um lado, o nível de ociosidade pode produzir trajetória de inflação abaixo do esperado, notadamente quando essa ociosidade está concentrada no setor de serviços. Esse risco se intensifica caso uma reversão mais lenta dos efeitos da pandemia prolongue o ambiente de elevada incerteza e de aumento da poupança precaucional.

Por outro lado, políticas fiscais de resposta à pandemia que piorem a trajetória fiscal do país de forma prolongada, ou frustrações em relação à continuidade das reformas, podem elevar os prêmios de risco. Adicionalmente, os diversos programas de estímulo creditício e de recomposição de renda, implementados no combate à pandemia, podem fazer com que a redução da demanda agregada seja menor do que a estimada, adicionando uma assimetria ao balanço de riscos. Esse conjunto de fatores implica, potencialmente, uma trajetória para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária.

O Copom avalia que perseverar no processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para permitir a recuperação sustentável da economia. O Comitê ressalta, ainda, que questionamentos sobre a continuidade das reformas e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia.

Considerando o cenário básico, o balanço de riscos e o amplo conjunto de informações disponíveis, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a taxa básica de juros em 2,00% a.a. O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para a meta no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário de 2021 e, em grau menor, o de 2022.

O Copom entende que a conjuntura econômica continua a prescrever estímulo monetário extraordinariamente elevado, mas reconhece que, devido a questões prudenciais e de estabilidade financeira, o espaço remanescente para utilização da política monetária, se houver, deve ser pequeno. Consequentemente, eventuais ajustes futuros no atual grau de estímulo ocorreriam com gradualismo adicional e dependerão da percepção sobre a trajetória fiscal, assim como de novas informações que alterem a atual avaliação do Copom sobre a inflação prospectiva.

De forma a prover o estímulo monetário considerado adequado para o cumprimento da meta para a inflação, mas mantendo a cautela necessária por razões prudenciais, o Copom considera apropriado utilizar uma “prescrição futura” (isto é, um “forward guidance“) como um instrumento de política monetária adicional. Nesse sentido, e apesar de uma assimetria em seu balanço de riscos, o Copom não pretende reduzir o grau de estímulo monetário, a menos que as expectativas de inflação, assim como as projeções de inflação de seu cenário básico, estejam suficientemente próximas da meta de inflação para o horizonte relevante de política monetária, que atualmente inclui o ano-calendário de 2021 e, em grau menor, o de 2022. Essa intenção é condicional à manutenção do atual regime fiscal e à ancoragem das expectativas de inflação de longo prazo.

Votaram por essa decisão os seguintes membros do Comitê: Roberto Oliveira Campos Neto (presidente), Bruno Serra Fernandes, Carolina de Assis Barros, Fabio Kanczuk, Fernanda Feitosa Nechio, João Manoel Pinho de Mello, Maurício Costa de Moura, Otávio Ribeiro Damaso e Paulo Sérgio Neves de Souza.

 

*Valor obtido pelo procedimento usual de arredondar a cotação média da taxa de câmbio R$/US$ observada nos cinco dias úteis encerrados no último dia da semana anterior à da reunião do Copom.