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B3 X Wall Street: quem vencerá a briga pelos IPOs das empresas brasileiras?

03 nov 2021, 12:24 - atualizado em 03 nov 2021, 13:09
Nasdaq
A B3 já conta com, não um concorrente, mas dois: Nasdaq e NYSE, a Bolsa de Nova Iorque, embora a primeira concentre a maioria dos IPOs  (Imagem: REUTERS/Brendan McDermid)

De tempos em tempos, a especulação em torno de uma nova Bolsa brasileira, concorrente da B3 (B3SA3), é ventilada no mercado. E, como consequência, após burburinhos, logo as ações da empresa caem. Isso aconteceu em junho e foi um dos fatores que levaram os papéis da dona da Bolsa a derreterem 40% só neste ano. 

Mas, nesta era de mercados globalizados, poucos lembram que, na prática, a B3 já tem concorrentes de peso: as americanas Nasdaq e NYSE, a famosa Bolsa de Nova York. Para piorar, a Nasdaq vem atraindo diversas ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) de companhias brasileiras.

Segundo levantamento da plataforma de investimentos Stake, desde 2017, quando a mineradora e metalúrgica do Grupo Votorantim Nexa Resources abriu o seu capital na NYSE, pelo menos 11 brasileiras optaram pelos EUA na hora de fazer os seus IPOs (veja na tabela abaixo).

Empresa Setor
PagSeguro Pagamentos
Stone Pagamentos
XP Inc Financeiro
Vinci Partners Gestora
Arco Educação Educação
Afya Educação
Vasta Educação
Vitru Educação
Pátria Investimentos Gestora
Vtex Tecnologia

Isso até o momento. O Nubank, a maior fintech do Brasil, já está com os dois pés em Nova York e escolheu a NYSE para realizar a sua estreia no mercado de capitais. O Inter (BIDI11) também está de malas prontas para se mudar: o banco digital anunciou que deixará a B3 e listará suas ações na Nasdaq. A Locaweb (LWSA3), um dos destaques dessa janela de IPOs, também estuda essa possibilidade.

A lista foi engrossada nesta quarta-feira (3) pela Americanas S.A (AMER3). Ao anunciar uma reestruturação que culminará na incorporação da Lojas Americanas (LAME3; LAME4), a empresa reafirmou seu interesse em listar seus papéis nos EUA.

O que o investidor da B3 se pergunta agora é até que ponto esse movimento provocará mais estragos na já combalida ação da dona da Bolsa brasileira.  

Segundo analistas ouvidos pelo Money Times, a migração de empresas, principalmente de tecnologia, pode sim gerar algumas dores de cabeça para a B3, que tem na Nasdaq e na NYSE fortes competidores.

Impactos

Na visão de Phil Soares, chefe de análise de ações na Órama,  IPOs lá fora são um componente de preocupação, além de existir também o advento do RLP, mecanismo que aumenta a lucratividade das corretoras em detrimento da lucratividade da Bolsa.

“A B3 tem investido em novos negócios recentemente, o que é mais um sinal de que a gestão da empresa se preocupa com estas novas possibilidades de negociação, que acabam tomando o mercado tradicional da empresa”, diz.

No último mês, a B3 fez a maior compra da sua história ao adquirir a empresa de big data Neoway, por R$ 1,8 bilhão. Analistas avaliaram o movimento como “um passo importante” para acelerar a diversificação da companhia

Já para Antonio Marcos Samad, gestor da mesa proprietária da Axia Investing, a saída de empresas para o exterior enfraquece o nosso mercado e torna a Bolsa brasileira menos atrativa.

“No cenário ideal, deveríamos aumentar a quantidade de empresas listadas para atrair investidores de todos os tipos e níveis. Com a saída de algumas empresas da B3 para a Nasdaq, temos fatalmente a saída de capital do Brasil para investir nessas empresas lá no exterior”, argumenta.

Ainda segundo ele, o fenômeno, de largada, já pressiona o câmbio, porque os investidores precisam comprar dólares para enviar ao exterior, se quiserem investir nessas empresas. Samad também afirma que isso diminui a receita da B3, pois a companhia receberá menos taxas remuneratórias de serviços públicos (emolumentos) por não participar desses IPOs.

Por outro lado, Flávio Conde, head de renda variável da Levante Investimentos, não acredita que o movimento trará grandes impactos para a B3. 

Na visão dele, a companhia não precisa se preocupar, porque a tendência se restringe às companhias de tecnologias. “Não são tantas empresas que vão para lá. As grandes que negociam na B3 não vão sair. É uma preocupação pequena”, completa.

Como base de comparação, de acordo com dados da Stake, em 2020, dos 1591 IPOs feitos no mundo, movimentando US$ 331 bilhões, os Estados Unidos contou com 480 IPOs (Imagem: Unsplash/Aditya Vyas)

Wall Street, onde o dinheiro nunca dorme

Um dos fatores que explica a “exportação” de techs brasileiras para Wall Street é o grande apetite dos americanos por investimentos.  

Como base de comparação, de acordo com dados da Stake, em 2020, dos 1.591 IPOs feitos no mundo, movimentando US$ 331 bilhões, as bolsas dos Estados Unidos contaram com 480 IPOs e US$ 127 bilhões captados, enquanto, no Brasil, esse número ficou em 28 IPOS, o que já foi considerado um recorde histórico. 

Mesmo aqui no Brasil, são os estrangeiros que dominam os IPOs, correspondendo entre 40% a 60% da demanda dos papéis.

“Muitas empresas estão buscando fazer seus IPOs no exterior, por encontrarem condições melhores de mercado e de liquidez por lá. A gente vê a NYSE fazendo máximas históricas. As empresas vão em busca desse cenário mais otimista e grande quantidade de capital disponível para se capitalizarem da melhor forma”, aponta Soares, da Órama.

Além disso, o analista diz que outro fator importante que é considerado, na hora dessa escolha, é a maior flexibilidade nos termos, em especial o advento das super voting shares – ações com maior poder de voto. 

“Aqui no Brasil, são utilizadas ações preferenciais e units como equivalentes para esse propósito, de vender direitos econômicos mantendo direitos políticos da empresa”, afirma.

Conde, da Levante, também lembra o “valuation” esticado que os americanos costumam dar para as companhias, ou seja, a demanda mais robusta para as ofertas puxa os preços lá para cima. “O investidor tem a expectativa de um múltiplo maior e o processo é menos burocrático. Fica mais fácil”, argumenta. 

Mesmo assim, o especialista afirma que realizar IPOs lá fora não é sinônimo de sucesso. 

“Isso é uma tendência apenas para empresas que conseguem ser vistas como techs. Além disso, ir para a Nasdaq não apaga o fato de que a empresa opera em um país com vários desafios macroeconômicos. O ambiente brasileiro é muito desafiador e negativo”, completa. Que o diga a XP Inc., holding que controla a XP Investimentos, listada na Nasdaq desde 2019 e que, na semana passada, teve o preço-alvo cortado pelo Credit Suisse justamente por operar no Brasil.