B3 X Wall Street: quem vencerá a briga pelos IPOs das empresas brasileiras?
De tempos em tempos, a especulação em torno de uma nova Bolsa brasileira, concorrente da B3 (B3SA3), é ventilada no mercado. E, como consequência, após burburinhos, logo as ações da empresa caem. Isso aconteceu em junho e foi um dos fatores que levaram os papéis da dona da Bolsa a derreterem 40% só neste ano.
Mas, nesta era de mercados globalizados, poucos lembram que, na prática, a B3 já tem concorrentes de peso: as americanas Nasdaq e NYSE, a famosa Bolsa de Nova York. Para piorar, a Nasdaq vem atraindo diversas ofertas públicas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) de companhias brasileiras.
Segundo levantamento da plataforma de investimentos Stake, desde 2017, quando a mineradora e metalúrgica do Grupo Votorantim Nexa Resources abriu o seu capital na NYSE, pelo menos 11 brasileiras optaram pelos EUA na hora de fazer os seus IPOs (veja na tabela abaixo).
Empresa | Setor |
---|---|
PagSeguro | Pagamentos |
Stone | Pagamentos |
XP Inc | Financeiro |
Vinci Partners | Gestora |
Arco Educação | Educação |
Afya | Educação |
Vasta | Educação |
Vitru | Educação |
Pátria Investimentos | Gestora |
Vtex | Tecnologia |
Isso até o momento. O Nubank, a maior fintech do Brasil, já está com os dois pés em Nova York e escolheu a NYSE para realizar a sua estreia no mercado de capitais. O Inter (BIDI11) também está de malas prontas para se mudar: o banco digital anunciou que deixará a B3 e listará suas ações na Nasdaq. A Locaweb (LWSA3), um dos destaques dessa janela de IPOs, também estuda essa possibilidade.
A lista foi engrossada nesta quarta-feira (3) pela Americanas S.A (AMER3). Ao anunciar uma reestruturação que culminará na incorporação da Lojas Americanas (LAME3; LAME4), a empresa reafirmou seu interesse em listar seus papéis nos EUA.
O que o investidor da B3 se pergunta agora é até que ponto esse movimento provocará mais estragos na já combalida ação da dona da Bolsa brasileira.
Segundo analistas ouvidos pelo Money Times, a migração de empresas, principalmente de tecnologia, pode sim gerar algumas dores de cabeça para a B3, que tem na Nasdaq e na NYSE fortes competidores.
Impactos
Na visão de Phil Soares, chefe de análise de ações na Órama, IPOs lá fora são um componente de preocupação, além de existir também o advento do RLP, mecanismo que aumenta a lucratividade das corretoras em detrimento da lucratividade da Bolsa.
“A B3 tem investido em novos negócios recentemente, o que é mais um sinal de que a gestão da empresa se preocupa com estas novas possibilidades de negociação, que acabam tomando o mercado tradicional da empresa”, diz.
No último mês, a B3 fez a maior compra da sua história ao adquirir a empresa de big data Neoway, por R$ 1,8 bilhão. Analistas avaliaram o movimento como “um passo importante” para acelerar a diversificação da companhia.
Já para Antonio Marcos Samad, gestor da mesa proprietária da Axia Investing, a saída de empresas para o exterior enfraquece o nosso mercado e torna a Bolsa brasileira menos atrativa.
“No cenário ideal, deveríamos aumentar a quantidade de empresas listadas para atrair investidores de todos os tipos e níveis. Com a saída de algumas empresas da B3 para a Nasdaq, temos fatalmente a saída de capital do Brasil para investir nessas empresas lá no exterior”, argumenta.
Ainda segundo ele, o fenômeno, de largada, já pressiona o câmbio, porque os investidores precisam comprar dólares para enviar ao exterior, se quiserem investir nessas empresas. Samad também afirma que isso diminui a receita da B3, pois a companhia receberá menos taxas remuneratórias de serviços públicos (emolumentos) por não participar desses IPOs.
Por outro lado, Flávio Conde, head de renda variável da Levante Investimentos, não acredita que o movimento trará grandes impactos para a B3.
Na visão dele, a companhia não precisa se preocupar, porque a tendência se restringe às companhias de tecnologias. “Não são tantas empresas que vão para lá. As grandes que negociam na B3 não vão sair. É uma preocupação pequena”, completa.
Wall Street, onde o dinheiro nunca dorme
Um dos fatores que explica a “exportação” de techs brasileiras para Wall Street é o grande apetite dos americanos por investimentos.
Como base de comparação, de acordo com dados da Stake, em 2020, dos 1.591 IPOs feitos no mundo, movimentando US$ 331 bilhões, as bolsas dos Estados Unidos contaram com 480 IPOs e US$ 127 bilhões captados, enquanto, no Brasil, esse número ficou em 28 IPOS, o que já foi considerado um recorde histórico.
Mesmo aqui no Brasil, são os estrangeiros que dominam os IPOs, correspondendo entre 40% a 60% da demanda dos papéis.
“Muitas empresas estão buscando fazer seus IPOs no exterior, por encontrarem condições melhores de mercado e de liquidez por lá. A gente vê a NYSE fazendo máximas históricas. As empresas vão em busca desse cenário mais otimista e grande quantidade de capital disponível para se capitalizarem da melhor forma”, aponta Soares, da Órama.
Além disso, o analista diz que outro fator importante que é considerado, na hora dessa escolha, é a maior flexibilidade nos termos, em especial o advento das super voting shares – ações com maior poder de voto.
“Aqui no Brasil, são utilizadas ações preferenciais e units como equivalentes para esse propósito, de vender direitos econômicos mantendo direitos políticos da empresa”, afirma.
Conde, da Levante, também lembra o “valuation” esticado que os americanos costumam dar para as companhias, ou seja, a demanda mais robusta para as ofertas puxa os preços lá para cima. “O investidor tem a expectativa de um múltiplo maior e o processo é menos burocrático. Fica mais fácil”, argumenta.
Mesmo assim, o especialista afirma que realizar IPOs lá fora não é sinônimo de sucesso.
“Isso é uma tendência apenas para empresas que conseguem ser vistas como techs. Além disso, ir para a Nasdaq não apaga o fato de que a empresa opera em um país com vários desafios macroeconômicos. O ambiente brasileiro é muito desafiador e negativo”, completa. Que o diga a XP Inc., holding que controla a XP Investimentos, listada na Nasdaq desde 2019 e que, na semana passada, teve o preço-alvo cortado pelo Credit Suisse justamente por operar no Brasil.