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As limitações e a insegurança jurídica em torno do uso de bioinsumos no Brasil

10 jul 2024, 14:27 - atualizado em 12 jul 2024, 16:44
bioinsumos insegurança jurídica
O país conta apenas com uma norma para bioinsumos, a partir de um decreto de federal de 2020, enquanto 2 PL’s tramitam no parlamento (Imagem: Reprodução/Embrapa)

(***ERRATA: Anteriormente, citamos que a Associação Brasileira de Bioinsumos (ABBINS) e Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS) defendiam uma regulação para produção on farm. Na verdade, as duas instituições defendem a derrubada do veto 65, que liberaria a produção on farm e a aprovação do projeto de lei de bioinsumos).

Os bioinsumos são uma forma de biotecnologia alternativa, em alguns casos, aos insumos, fertilizantes e defensivos agrícolas tradicionais. Ao invés de utilizar uma composição química, utiliza-se compostos biológicos.

Os produtos têm ganhado crescente atenção e relevância no Brasil, com o desenvolvimento de novos produtos de origem biológica se tornando uma tendência cada vez mais forte no mercado nacional.

O país é um dos líderes globais na adoção de bioinsumos na produção agrícola e, com o avanço da produção e incorporação de bioinsumos na agropecuária, o Brasil tende a se beneficiar tanto economicamente quanto ambientalmente.

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Entretanto, hoje, a única norma que o Brasil possui especificamente para Bioinsumos é o Programa Nacional de Bioinsumos (PNB), criado por meio do Decreto Federal nº 10.375/2020.

Programa Nacional de Bioinsumos

Este programa em linhas gerais tem o propósito de fomentar a promoção do uso de bioinsumos, visando à implementação de práticas sustentáveis e valorização da biodiversidade brasileira. O Programa Nacional de Bioinsumos (PNB) foi criado por meio do Decreto Federal nº 10.375/2020.

Este decreto contempla a promoção do uso de bioinsumos, como prática sustentável no campo. Para isso, essa norma contempla que o programa deve firmar parcerias, analisar legislação correlata, instituir no catálogo nacional de bioinsumos, estimular inovações, discutir normas específicas, promover boas práticas etc.

A despeito do Decreto Federal nº 10.375/2020 abordar o tema, não aprofunda, bem como, na hierarquia jurídica se trata de um instrumento mais frágil que uma lei. Dadas as limitações do PNB, atualmente no Congresso Nacional vem se debatendo a aprovação de uma lei para o uso dos bioinsumos no Brasil. Os dois principais Projetos de Lei (PL) em negociação no parlamento são: PL 3668/2021 e PL 658/2021.

O PL 3668/2021 teve origem no Senado Federal, já foi aprovado pela casa e agora encaminhado para a Câmara dos Deputados. Já o PL 658/2021 teve origem na Câmara e ainda tramita pelas suas comissões.

Nesse ponto, com o encaminhamento e recebimento do PL 3668/2021 pela Câmara, houve requerimento que ambos sejam apensados, com elaboração de um texto substitutivo, unificando os dois textos em uma única iniciativa legislativa.

Produção on farm

A despeito dos dois PLs serem apensados em um processo legislativo único, ambos os textos possuem os mesmos pontos críticos, principalmente a questão da produção on farm de bioinsumos. A produção on farm se trata da prerrogativa do produtor rural em fabricar bioinsumos dentro da sua propriedade, para uso individual e próprio.

Nesse ponto, cada PL aborda a questão de forma semelhante, principalmente, sobre o seu controle e registro – ambos os textos não exigem controle, registro ou monitoramento da produção on farm de bioinsumos.

A questão da produção on farm no Brasil tem aspectos políticos e corporativos. Organizações de produtores rurais afirmam que a produção on farm, sem o registro ou sem maior fiscalização, permitiria que o produtor tivesse acesso à tecnologia de bioinsumos, sem ser lesado pela indústria e burocracia – houve posicionamento em 2022 da Federação dos Plantadores de Cana do Brasil (FEPLANA), Grupo Associado de Agricultura Sustentável (GAAS), Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e Associação Brasileiro dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) defendendo a isenção de registro e controle da produção on farm.

Por outro lado, a indústria afirma que algum controle deve ser realizado, uma vez que a manipulação caseira de compostos biológicos pode impactar a própria eficácia e segurança do produto.

Tanto o PL 3668/2021 e PL 658/2021 deixam clara a diferença entre a produção de bioinsumos para fins industriais e comerciais da produção individual, sem fins comerciais, feitas pelo produtor rural dentro do seu imóvel. O único controle proposto pelo PL 3668/2021 à produção on farm de bioinsumos por biofábricas seria uma autodeclaração.

Um ponto que pode gerar dúvidas se dá com a produção de bioinsumos por parte de cooperativas, para seus cooperados. Conforme o texto, cooperativas poderiam produzir bioinsumos de forma on farm para seus cooperados. Entretanto, esse tipo de produção não seria individual, podendo ganhar caráter de grande escala, se caracterizando na prática como produção de fins comerciais – ou seja, uma possível brecha legal.

Com relação ao PL 658/2021, o controle da produção on farm de bioinsumos é menor ao do PL 3668/2021. Este PL não somente propõe a isenção de registro para produção on farm de bioinsumos sem fins comerciais, mas também não demanda autodeclaração por parte do produtor. O PL somente contempla a exigência de que seja seguido o Manual de Boas Práticas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. .

Na ausência do Manual, o produtor pode realizar a fabricação somente com o acompanhamento de um profissional, sendo que o produtor pode ser o responsável técnico – desde que comprovado curso de capacitação.

No direito comparado, Argentina, Colômbia, Equador e Uruguai possuem estrutura regulatória de bioinsumos, contemplando desenvolvimento, fortalecimento desta tecnologia, produção e comercialização.

Em suma, exigem controle de segurança fitossanitária na produção de bioinsumos na totalidade – não há a figura da produção on farm como no Brasil, somente existe a produção comercial de bioinsumos devidamente regulada. Esses países mencionam apenas assegurar disponibilidade e acesso dos produtores a este tipo de tecnologia – não há isenção de obrigatoriedade de registro.

Insegurança jurídica

A pressão neste tema no escopo da tramitação dos PL no Congresso irá aumentar até o final do ano. A Lei Federal nº 14.785/2023 (Nova Lei dos Agrotóxicos), deixa de permitir a possibilidade de produção on farm de componentes biológicos por parte do produtor.

Ou seja, segundo o prazo da lei (i.e., 360 dias da sua publicação), a partir de janeiro de 2025 o agricultor que produz bioinsumo para uso próprio, hoje sem regulação específica, será obrigado a solicitar registro ou pedir autorização ao poder público como uma indústria.

Esta lei de agrotóxico trata de forma igual todas as tecnologias de controle de pragas aplicáveis ao campo, independente de serem químicas, físicas ou biológicas (naturais ou eventos transgênicos). Porém, hoje o Decreto Federal 10.833/2021, permite a isenção de registro para produção de bioinsumos on farm, assim, havendo grave assincronia do decreto com a nova lei de agrotóxicos.

Adicionalmente, na aprovação da Lei de Autocontrole de Defesa Agropecuária (Lei Federal 14.515/2022), houve o veto 65 por parte da Presidência da República, vetando a isenção de registro dos insumos agropecuários produzidos ou fabricados pelo produtor rural para uso próprio, por consequência gerando ainda mais confusão.

Dessa forma, um cenário de insegurança jurídica para os bioinsumos já existe e deve aumentar com a tramitação dos PL 3668/2021 e PL 658/2021. Com isso, é importante que os agentes do processo legislativo tratem do assunto com seriedade, tendo base no bom senso e ciência, e não somente nos seus próprios interesses.

Um ponto de equilíbrio precisa ser encontrado, que permita alinhamento de todas essas normas – presentes e futuras. Caso contrário, tanto indústria, como produtores e o desenvolvimento dos bioinsumos, serão prejudicados.

Advogado e pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
leonardo.munhoz@autor.moneytimes.com.br
Advogado e pesquisador do Observatório de Bioeconomia da Fundação Getulio Vargas. Doutor e Master of Laws em Direito Ambiental pela Pace University School of Law, Mestre em Direito dos Negócios na Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGVLaw).
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