Internacional

Armas dos BCs podem estar muito fracas para enfrentar recessão global

11 mar 2019, 18:10 - atualizado em 11 mar 2019, 18:34
Canhões
Os bancos centrais estão com um poder limitado para enfrentar uma próxima recessão global (Imagem: Pixabay)

Os bancos centrais ao redor do mundo atualmente realizam processo de desinchamento de seus balanços de ativos, largamente ampliados após a crise financeira de 2008. Na ocasião, trilhões de dólares foram utilizados para salvar o sistema financeiro de um colapso por completo. Porém, a dieta é barrada por políticas monetárias conservadoras, com o intuito de dizimar qualquer perspectiva de recessão global.

Diante dos indícios de desaceleração econômica nas principais economias do mundo e da alta volatilidade nos mercados financeiros vista durante dezembro passado, as autoridades monetárias (em especial o Fed) foram obrigadas a abandonar possíveis aumentos nas taxas básicas de juro e, em alguns casos, a realizar inclusive movimentos de flexibilização monetária adicionais.

Entretanto, a despeito do cenário de 2008, no qual Greenspan possuía na mesa opções de estímulo aos mercados e à economia, o panorama atual é de liquidamento e enxugamento dos balanços de ativos: não há espaço para atuação. Adicionados a certo esgotamento das ferramentas monetárias, os bancos centrais encontram-se sem soluções tão eficazes quanto a de outrora.

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O processo foi iniciado com o Federal Reserve em outubro último: a autoridade monetária projetava três aumentos adicionais na Fed Funds Rate para atingir a casa de 3,5% ao ano em 2020, finalizando a estabilização de sua política monetária iniciada por Janet Yellen em 2015.

No entanto, a realidade vista foi outra: mudança de postura mais assertiva para viés mais cauteloso, paralisação imediata do ritmo de altas no juro básico e extrema correlação de seus movimentos com indicadores econômicos, norte-americanos em primeira instância e globais como pano de fundo.

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Que a atuação de qualquer banco central serve para estabilizar a economia, isto encontra-se em qualquer manual de introdução a Economia. A novidade agora consiste em dois pontos: a alta dependência, quase vital, dos indicadores econômicos sobre a realização de políticas e, principalmente, o domínio de Wall Street sobre as ações do Federal Reserve.

A dependência é observada no sentido mais real possível: o Federal Reserve está viciado em indicadores econômicos, cuja clínica de reabilitação se configura no otimismo da mídia e do mercado. Antes o Fed ditava o panorama futuro da economia, agora qualquer oscilação nas vendas do varejo torna-se pesadelo para a autoridade monetária norte-americana.

Wall Street atualmente exerce forte influência sobre o Federal Reserve

Mais do que a economia por si só, a união entre Wall Street e Donald Trump para pressionar os movimentos de Jerome Powell ficou evidente em dezembro passado: o presidente norte-americano constantemente via Twitter culpava o Fed por qualquer desaceleração ou recuo na economia, pautando justamente a política monetária, ao defender o não aumento da taxa de juro para manutenção do momentum econômico.

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A pressão sofreu resultado, Powell se viu obrigado a desacelerar o processo de altas na Fed Funds Rate e agora está mais conservador do que nunca. A própria realização de entrevistas coletivas após qualquer decisão monetária e a proliferação de membros do Federal Reserve quase que falando semanalmente sobre a tendência da autarquia ser “paciente”, “leniente”, “dovish”, ou qualquer outro adjetivo que exprima “conservadorismo” na condução da política monetária, mostra claramente a mudança na postura.

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Jan Hatzius, economista-chefe do Goldman Sachs, acredita que a reversão da política pelo Federal Reserve contribuiu para preservar a expansão e a perspectiva de um crescimento econômico continuado.

“O Fed está tentando contrair as condições financeiras gradualmente e conseguiu aperto monetário mais rápido do que o esperado”, afirmou ao WSJ, completando agora que, após atuação do Federal Reserve, projeta uma leve melhora gradual no crescimento econômico dos EUA, ao invés de desaceleração do PIB, como previsto anteriormente. “Poderá ser daqui um ano que descobriremos que esta pausa não alterou significativamente o resultado por completo”, declarou o economista.

Diante da postura do Federal Reserve, outros bancos centrais ao redor do mundo também encontram menor pressão para aumento de taxas. Economistas do J.P. Morgan acreditam que a Selic estará 2 pontos percetuais abaixo do que a última previsão, com cortes de juro básico também pelo RBI (Reserve Bank of India) e no RBA (Reserve Bank of Australia), além de paralisação no aumento de juros pelo BoE (Bank of England) e pleo BoJ (Bank of Japan). “Vemos claramente uma inclinação “dovish” que está se espalhando por todo o mundo”, afirmou Bruce Kasman, economista-chefe do J.P. Morgan.

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Seja do outro lado do Atlântico, ou do outro lado do Pacífico, a cautela permanece: tanto a autoridade monetária da Zona do Euro quanto o BoJ sentem que não há espaço para erros na condução da política monetária. Na última semana, o BCE reduziu suas projeções de inflação e crescimento para 2019, de 1,6% para 1,2% e de 1,7% para 1,1% – respectivamente.

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Cadê as ferramentas? Estado de alerta permanente

Em tempos normais, qualquer banco central cortaria o juro básico para enfrentar quadro de desaceleração inflacionária e arrefecimento do crescimento econômico. No entanto, a taxa de curto prazo de juro básico do BCE já se encontra em território negativo, o que levou ao prolongamento de nova rodada de refinanciamentos de longo prazo aos bancos, com o intuito de injetar liquidez na economia real.

Diante do pouco espaço para erro na condução da política monetária, os bancos centrais agora encontram-se com mindset de “gerenciamento de risco”, com espaço limitado para combater inflação via aumento de juro e poucas ferramentas para promover crescimento.

Em paper apresentado na Brookings Institution de Washington, o ex-secretário do Tesouro dos EUA e conselheiro da Casa Branca Lawrence Summers sugeriu que o desequilíbrio de riscos poderia agora ser uma característica enraizada no panorama econômico.

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A taxa natural de juro, que não estimula a economia e também não a contrai, encontra-se 3 pontos percentuais abaixo do que visto em uma geração anterior, colocando-a próxima a zero. Traduzindo: os bancos centrais podem viver em estado de alerta por muitos anos.

Confira abaixo paper de Lawrence Summers:

Graduado em Ciências Econômicas pela USP, tendo cursado mestrado em Ciências Humanas e em Economia na UFABC, Valter Outeiro acumulou anos de vivência no mercado financeiro através de passagens nas áreas de estratégia de investimentos dentro de private banks, em multinacionais produtoras de índices de ações e em redações de jornalismo econômico.
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Graduado em Ciências Econômicas pela USP, tendo cursado mestrado em Ciências Humanas e em Economia na UFABC, Valter Outeiro acumulou anos de vivência no mercado financeiro através de passagens nas áreas de estratégia de investimentos dentro de private banks, em multinacionais produtoras de índices de ações e em redações de jornalismo econômico.
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