Arcabouço Fiscal

Arcabouço fiscal: “Não entendo como é que o mercado teve uma reação positiva”, diz ex-presidente do BC

02 abr 2023, 17:40 - atualizado em 02 abr 2023, 17:40
Juros
Arcabouço fiscal apresentado por Haddad na semana passada recebeu críticas de ex-presidente do Banco Central (Imagem: Marcello Casal Jr/Agência Brasil)

Em entrevista concedida ao jornal “O Estado de S. Paulo”, o ex-presidente do Banco Central (BC), Affonso Celso Pastore, avaliou o arcabouço fiscal apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na semana passada.

Segundo Pastore, para que as novas regrais fiscais dê conta de reduzir a relação entre dívida e Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, o governo precisará aumentar a carga tributária.

“Se o governo aprovar esse arcabouço fiscal, ele obtém uma licença para aumentar gastos. Se ele não aumentar a carga tributária, o superávit primário não vai ser gerado”, disse Pastore, que presidiu a autoridade monetária em um período durante a ditadura militar.

À publicação, Pastore ressaltou que o governo terá de “aumentar a carga tributária e a pergunta que fica para, talvez, o ministro [Haddad] responder é quem ele vai escolher para subir a carga. Essa equação só fecha com aumento brutal de carga tributária”.

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O propósito do arcabouço fiscal

O ex-presidente destacou que o propósito do arcabouço fiscal de chegar a um superávit primário que permita reduzir a relação dívida/PIB não é factível, partindo de uma simulação feita pelos economistas Marcos Lisboa e Marcos Mendes – publicada no Brazil Journal -, em que aponta um aumento do PIB em 5,2 pontos percentuais.

“Esse arcabouço tem uma aritmética impecável, na qual o ministro Haddad conseguiu provar que, se a despesa crescer menos do que a receita, ele gera superávits primários. Mas tem uma economia falha, que não garante o resultado”, comentou Pastore.

Ele acrescenta que objetivo do governo é aumentar gasto. Portanto, esse objetivo deverá ser atingido pelo governo. Entretanto, não deverá atingir o objetivo de reduzir a relação dívida/PIB.

Taxa de juros e a reação do mercado

Para Pastore, o simples fato de existir o arcabouço não leva a redução da taxa de juros. Ainda que o arcabouço fosse bom, o Banco Central não poderia fazer nenhum gesto, diz o ex-presidente da autoridade monetária.

Ele reforça que o BC teria de esperar a inflação cair para conseguir reduzir os juros. “Não espero por parte do Banco Central nenhum sinal nessa direção”, disse o economista ao Estadão.

Por outro lado, Pastore se mostrou surpreso em relação à reação do mercado com as novas regras fiscais, o que levou o dólar e os juros futuros caíram, enquanto o índice Ibovespa avançou.

“Eu só não entendo como é que o mercado financeiro teve uma reação positiva em relação a esse arcabouço. Isso eu não entendo. É uma coisa que nós vamos ver nas próximas semanas”, ponderou.

Na entrevista, Pastore comentou que “não é psicólogo e não consigo interpretar como as pessoas têm a percepção dos eventos econômicos”. Todavia, diz que, “para quem olha para aritmética, pode ter uma reação positiva. Mas quem olha para a economia, a reação tem de ser extremamente negativa”.

Arcabouço fiscal e inflação

O ex-executivo do Banco Central endossou que, caso o governo aprove esse arcabouço fiscal, ele obtém licença para aumentar gastos. Se ele não aumentar a carga tributária, o superávit primário não vai ser gerado. Se o superávit primário não for gerado, ele desenha dois cenários.

“Ou sobe a inflação que aumenta a receita e faz cair a despesa em termos reais ou vira uma desaceleração adicional do crescimento econômico. Porque o Banco Central, mantendo a sua independência, continua com uma política restritiva”, avaliou.

Pastore reforçou que, qualquer cenário é possível. Porém, se o governo conseguir aparelhar o Banco Central e gerar uma maioria de diretoria para executar a política monetária que eles querem que o BC execute, a inflação vai fácil para cima. “Eu não vejo queda neste ano. Eu vou ver queda lá na frente, em 2024”, comentou.

“Não tem crise de crédito. É conversa”

Ainda na entrevista, Pastore disse que “não tem crise de crédito no país. Isso é conversa. Não tem crise de crédito no mundo. Não há crise bancária no mundo. Os Estados Unidos viveram uma corrida bancária”, observou.

Segundo o economista, a corrida bancária se resolve garantindo depósitos, enquanto a inflação se combate com taxa de juros. Ele disse que isso está sendo feito nos Estados Unidos e na Europa. Em contrapartida, no caso brasileiro, não teve nem corrida bancária, ele disse.

“Houve um lamentável episódio de uma fraude gigantesca feita pela Americanas [AMER3]. Isso, no fundo, provocou um aumento de spread bancários na dúvida se esse cenário existe em outras empresas. Eu acho que não existe”, ressaltou, acrescentando que não vê um aperto de crédito maior do que aquele que decorre de uma política monetária restritiva como essa que nós estamos assistindo.

Pastore avaliou ainda que o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) anunciou que deve ter mais uma subida de juros de 0,25 ponto percentual (p.p.). No entanto, a economia americana está aquecida.

“Ou o Fed para com esse 0,25 p.p. ou promove mais uma alta de 0,25 p.p.. Agora, nós vamos assistir a economia americana, ao longo do tempo, desacelerando o crescimento”, finalizou.