Aras afirma a senadores que MP cometeu muitos excessos e defende unidade de atuação, diz fonte
Indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para chefiar o Ministério Público Federal, o subprocurador-geral da República Augusto Aras afirmou que “muitos excessos” são cometidos pela instituição e defendeu que órgãos superiores do MP atuem de forma a manter a unidade de atuação para evitar eventuais abusos, segundo relato feito à Reuters de uma conversa recente dele com senadores.
Aras disse que, embora se deva buscar um Ministério Público que não seja tolhido na sua liberdade de expressão e independência, a “melhor solução” para manter a instituição dentro da Constituição e preservar a sua unidade é por meio dos órgãos superiores dela. Segundo Aras, por meio desses órgãos se têm condições de evitar que representantes do MP venham a abusar dos poderes que lhes são conferidos.
De acordo com o relato, o indicado para procurador-geral não detalhou como os órgãos superiores poderiam garantir essa unidade à atuação da categoria. No entanto, o Conselho Superior do MPF –órgão máximo de deliberação da instituição– não tem o poder de impor a procuradores de primeira instância como atuar em um determinado caso e, por isso, qualquer sugestão nesse sentido teria eficácia limitada em razão da independência funcional da carreira, disse à Reuters, sob anonimato, um experiente representante da instituição.
“Haverá uma reação muito grande da classe se ele tentar impor esse tipo de atitude”, reforçou essa fonte, ao lembrar que mudanças no CSMPF e nas Câmaras de Revisão –que também cuidam de temas como corrupção e meio ambiente– precisam ir a voto nesses colegiados.
O maior temor da carreira é que Aras tente como PGR mudar via projeto ao Congresso a lei que rege a carreira para garantir a ele mais poderes desses órgãos superiores sobre toda a categoria.
O subprocurador, que tem evitado dar entrevistas desde a indicação, vem conversando com senadores, individualmente ou em grupo, para expor suas ideias, numa espécie de prévia da sabatina a que será submetido na quarta-feira pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Procurado pela Reuters, não respondeu ao contato.
Responsabilidade
Nessa conversa relatada à Reuters, Aras disse ser preciso maior responsabilidade do MP com a coisa pública, e afirmou ter algumas estratégias para que isso ocorra. Ele sugeriu que, no plano externo, se coloque o MP em diálogo permanente com todas as instituições para evitar que procuradores ajam para suspender obra em curso ou promova punições apenas quando danos já tiverem sido verificados.
O subprocurador defendeu uma atuação preventiva do MP participando de processos decisórios de forma que se possa reduzir em muito o impacto causado pela instituição no plano da administração pública.
Ele afirmou ainda que, internamente, é preciso buscar o que considera “cultura do cumprimento da Constituição”, em que cada procurador ou promotor não pode ser o intérprete político dela, conforme os caprichos pessoais, fraquezas, virtudes e vícios.
Para Aras, a Constituição tem uma racionalidade que o Estado dispõe para si e para a sociedade, e os procuradores têm de voltar a compreender o “sagrado dever” dela e também a atuação deles como fiscais da lei.
Aras lembrou também que a atuação de um procurador-geral não se restringe ao MPF porque ele também preside o Conselho Nacional do Ministério Público, que fiscaliza todos os ramos do MP.
Criminalização da política
O subprocurador disse que o Ministério Público tem de ter “mais sentimento de patriotismo”, o que lembra declarações gerais de Bolsonaro, e sensibilidade humanística.
Num aceno aos senadores, Aras afirmou que muito do que ocorre nos dias de hoje é a “criminalização indevida da política”, o que leva a condução de que ela é “algo indesejável”.
Para Aras, é preciso que a política seja também o lugar dos bons e que para isso ocorra ela não pode ter medo do MP e do sistema de Justiça. Disse, ao citar o fato de ter advogado por muitos anos, que todo defensor quer o respeito a garantias fundamentais do seu cliente.
Segundo o relato, o subprocurador falou ainda que teve uma “linha de doutrinação”, um “viés” na formação de cerca de 600 jovens procuradores na Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) — ele é professor da instituição desde 2002.
Disse que é preciso que se reconduza o MP aos trilhos da Constituição e que a juventude tem de entender não apenas de direito constitucional, mas, por exemplo, de sociologia, filosofia política, análise econômica do direito e economia política. Ressalvando que o Estado é laico, disse que os jovens, se quiserem, devem entender até de rezar.
Num discurso em linha com o de Bolsonaro, Aras defendeu aos senadores que se deve formar cidadãos patriotas, não apenas por uma questão de doutrinação ideológica.
Aprovação fácil
Apesar de algumas críticas de que ele estaria mudando o discurso conforme a plateia, as falas de Aras nas conversas reservadas têm agradado senadores das mais diferentes matizes e deverá garantir uma aprovação fácil do nome dele à chefia do MPF, segundo relatos feitos obtidos pela Reuters. Ele passará por votação secreta na CCJ e no plenário — para ser aprovado, terá de receber ao menos 41 dos 81 votos dos senadores em plenário.
Mesmo sendo oposição ao governo Bolsonaro, o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), disse haver um “razoável nível de concordância” da bancada com as ideias expostas por Aras. Contudo, afirmou, o partido não deverá fechar questão em torno do nome dele e que espera na sabatina posições mais clara dele sobre minorias.
“Não estamos alimentando grandes expectativas (sobre a escolha de Aras). Já indicamos vários procuradores-gerais e não deu certo”, disse o petista.