Aprenda com os erros do passado, encare os motivos e evite uma próxima crise; saiba como
Por Estevão Seccatto*
Ao furtar-se de entender os reais motivos que levam as empresas a um cenário caótico, empresários, executivos e comerciantes estão negligenciando o importante e fundamental ato de aprender com os próprios erros. Consequentemente, ficam sujeitos a cometê-los novamente, em um futuro talvez não tão distante.
Tal qual um paciente procura um médico, ao sentir sintomas de alguma doença, um empresário busca (ou deveria buscar) ajuda de algum especialista em crise para tratar do seu negócio, imediatamente ao perceber que algo pode não estar indo bem. Quando em uma consulta médica pela primeira vez, o procedimento é sempre o mesmo.
Começa-se pela (i) anamnese, ou a entrevista realizada junto ao doente, objetivando ser ponto de partida no diagnóstico da doença. Depois, vêm os (ii) exames, tendo como finalidade a comprovação do possível problema identificado. Na sequência (iii), é feita uma análise dos resultados dos exames, afim de ratificar o diagnóstico. Daí, então, tem início o (iv) tratamento, em que prescrevem-se medicamentos e mudanças de hábitos ao paciente. Por fim (v), há o acompanhamento, em que novos exames são solicitados afim de monitorar a evolução do tratamento da doença.
Empresa doente
Assim, uma empresa em crise é uma empresa doente. Ou seja, o processo de tratamento é exatamente o mesmo do de um profissional de saúde junto aos seus enfermos.
Acontece que, passado o momento agudo, muitos dos pacientes abandonam os tratamentos e não monitoram de forma constante a evolução do seu quadro geral. Com isso, acabam se tornando doentes crônicos, recorrentemente retornando ao médico, com o mesmo problema.
Pior. Não é raro, pelo constrangimento de não terem seguido as recomendações, que tais pacientes troquem de médico e iniciem a mesma rotina de tratamento com um novo profissional. Assim, esses pacientes tratam os sintomas, mas não as causas dos seus males. Por isso, dificilmente são curados.
Um empresário de uma empresa doente, que não segue as instruções do especialista que ele mesmo contratou para arrumar a sua empresa, age exatamente como o doente crônico. Trata os sintomas, e não a causa dos problemas.
Não é por acaso que se observa empresas entrando e saindo de crises, trocando constantemente de assessores ou consultores. Porém, sem conseguir de fato atingir um patamar sustentável, de longo prazo, para o negócio.
Consequências da doença
Por que isso acontece? Primeiro porque o status quo é mais cômodo, e sair de um estado de inércia requer energia. Ações corretivas e modificações na forma de atuar são necessárias. Dá trabalho e nem todos estão dispostos a isso.
Segundo porque é característica da maior parte dos seres humanos achar que as situações ruins irão passar. Daí, por natureza, opta por esquecer dos momentos de dor. Terceiro, pelo ‘negacionismo’, furtando-se da realidade como maneira de evadir-se de uma verdade desconfortável.
Assim, o verdadeiro processo de entendimento requer a libertação de conceitos pré-estabelecidos e de mitos nocivos (superstições geradas pelo medo do fracasso e aversão ao risco). Observa-se em alguns executivos/empresários o receio de encarar os problemas. Seja devido ao temor de perder o status, o emprego, ou por puro ego. Ao se verem “obrigados” a aceitar que as mudanças são inevitáveis, eles acabam se prendendo a conceitos antigos e realidades ultrapassadas. Tais atitudes devem ser eliminadas imediatamente, na busca da verdade.
Tratamento e cura
Superado esse fator psicológico que freia a compreensão da realidade, faz-se necessária uma revisão profunda – mas rápida – da causa dos problemas enfrentados pela empresa. Somente após ultrapassar esta fase é que se poder entrar na parte técnica da análise.
De qualquer forma, trata-se de uma curva de resistência. Isso porque mais adiante será preciso enfrentar outra etapa, sobre a aceitação da implementação da mudança.
No entanto, a parte técnica da análise das causas das crises deverá ser feita de maneira isenta, realista, sem vieses especulativos e na forma de diagnóstico empresarial. Essa etapa envolve os pontos abaixo relacionados. Sem dúvida, as razões para a crise de uma empresa estão contidas em um ou vários dos pontos abaixo. Confira:
(i) Avaliação estratégica (análise SWOT): deve ser feita para entender o posicionamento da empresa frente ao mercado e concorrentes. Assim, é possível desvendar em que ponto a organização pode estar falhado.
(ii) Avaliação sobre quais fatores externos podem estar influenciando o desempenho do negócio. Vale notar que, usualmente, os fatores externos não podem ser controlados pelos gestores. Assim, devem estar preparados para possíveis cenários de mudanças de modo a entender como irão impactar nos resultados.
(iii) Avaliação sobre quais fatores internos podem estar influenciando o desempenho do negócio. Vale notar que os fatores internos são geralmente onde os gestores podem atuar, a fim de mitigar riscos causados pelos fatores externos. Ainda que alguns fatores dependam de condições de mercado, existem diversas possibilidades de ações a serem feitas “dentro de casa”, para evitar crises.
(iv) Avaliação detalhada do desempenho financeiro, a fim de identificar potenciais problemas de cunho financeiro.
(v) Avaliação se os controles e reportes internos refletem corretamente a situação da empresa, ou se a empresa está tomando decisão com base em informações corretas.
(vi) Avaliação detalhada do desempenho operacional, a fim de identificar gaps operacionais que tenham impactado os resultados.
Além disso, existem ainda outras investigações que podem derivar das questões acima. Tudo isso faz parte da “jornada pelo entendimento” das causas da crise atual da empresa. Por isso, esses pontos devem ser realizados conforme demanda específica. Porém, o roteiro acima deve ser suficiente para desvendar a maioria dos problemas.
Empresa saudável
Identificados os problemas, os mesmos devem ser endereçados de forma firme e assertiva. O ponto importante aqui é garantir que os erros do passado não sejam mais cometidos.
Para isso, a comunicação deve ser aberta e clara. Em primeiro lugar, deve-se admitir as causas da crise, com foco na solução e não nos culpados. Afinal, se a postura dos sócios ou da alta gestão for a “caça às bruxas”, provavelmente as pessoas da organização tentarão esconder ou minimizar os erros do passado, enviesando negativamente a busca das causas.
Assim, deve ser criado um ambiente em que as pessoas se sintam confortáveis e seguras em compartilhar informações em prol da saúde da empresa. Não se deve focar em proteger suas próprias posições – o que é até compreensível, mas não é aceitável.
Não adianta, por exemplo, escutar um funcionário que está apontando uma deficiência fabril e expô-lo ao supervisor direto. Afinal, certamente esse funcionário sofrerá retaliações, o que servirá como exemplo negativo, minando a propensão dos demais funcionários em apontar outros problemas.
Em seguida, os gestores devem criar planos de prevenção de crise, disseminando os mesmos para toda a organização. Esses planos devem garantir que os erros identificados no diagnóstico não sejam mais cometidos, e incluir análises preditivas para que novos problemas não ocorram.
Portanto, é fundamental o monitoramento contínuo da estratégia, dos fatores internos e externos que influenciam a empresa. Além disso, também é fundamental as métricas de desempenho financeiro e operacional para que qualquer variação positiva ou negativa seja identificada e imediatamente endereçada.
Por fim, e não menos importante, os gestores precisam garantir o engajamento do time na prevenção de crises. Os membros da equipe que notarem que não foram adequadamente comunicados poderão sentir-se menosprezados e não aderirem aos planos de prevenção, deixando passar os sinais de problemas. Isso pode acontecer ainda mais se perceberem uma gestão não comprometida, bem como se não entenderem os motivos e as vantagens gerados pelas mudanças de atitudes.
Afinal, as pessoas vão mudar seu comportamento se entenderem por que o estado atual é insustentável e quais os benefícios da mudança. Por isso, é preciso trazer as pessoas como parte da solução (do desenho e implementação) de modo que todos contribuam para evitar os erros do passado.
*Estevão Seccatto é professor de Turnaround na FIA Business School, formando mais de 2.200 profissionais na área. Autor do livro “Turnaround 100 Segredos, Guia Prático para Restruturar Empresas em Crise”. Colunista do SBT News, Agência Estado e Money Times. Engenheiro naval (Poli/USP), com extensões em economia (Harvard), finanças e marketing (USP), tecnologia (Singularity), finanças (Duke), mestrando (Liverpool) e MBA em Banking (FIA). Foi head global de M&A da Atento (NYSE), restruturador de empresas pela KPMG e IVIX, diretor da G4S (LSE) e associado de private equity (IPO de 3 empresas). Ao longo de sua carreira, endereçou os desafios de mais de 150 empresas, de diversos setores e portes. www.seccatto.com.