Meio Ambiente

Após queimadas, produtores rurais rejeitam estatuto para proteger Pantanal

30 out 2020, 14:14 - atualizado em 30 out 2020, 14:14
Cruzetta
A demora nas ações de prevenção não pode voltar acontecer (Imagem: Reprodução Tv Senado)

Produtores rurais de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul criticaram nesta sexta-feira (30) a possibilidade de aprovação do estatuto do Pantanal.

Um projeto de lei com novas regras para a proteção do bioma deve ser apresentado em dezembro pelo senador Nelsinho Trad (PSD-MS).

Ele é o relator da comissão externa que acompanha o combate aos focos de incêndio, que destruíram 26,7% da área do Pantanal neste ano.

Os produtores participaram de uma audiência pública interativa da comissão. Para o presidente da Associação Brasileira de Produtores Orgânicos (ABPO), Leonardo Leite de Barros, a criação de gado desenvolvida no Pantanal “é uma das mais sustentáveis do mundo”. Segundo o pecuarista, o estatuto não pode restringir ainda mais a atividade econômica na região.

— Chega de legislação restritiva. Vamos fazer uma lei para bonificar os bons e criar cadeias produtivas sustentáveis. Precisamos de política pública, incentivo fiscal e divulgação de produtos e serviços do Pantanal. A gente só enxerga dessa forma o futuro. Isso é moderno. Isso é o novo — afirmou.

Para o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), Maurício Koji Saito, o debate sobre uma nova legislação ocorre “em um ambiente que não é favorável para se mudar o que já existe”.

— A legislação ambiental brasileira é extremamente rigorosa. Temos que fazer cumprir o que consta no Código Florestal [Lei 12.651, de 2012], construído a diversas mãos e com muita dificuldade.

Uma nova legislação não vai ajudar a resolver o problema, porque a gente começa a perceber que a discussão se mistura. Se entramos com outros tipos de regramento, com tudo o que já foi estabelecido, a insegurança jurídica é causada — disse.

O presidente da Sociedade de Defesa do Pantanal (Sodepan), Marcelo Rondon de Barros, também criticou a aprovação de novas normas para regular a atividade econômica no Pantanal. Para ele, os incêndios deste ano foram provocados por uma situação climática atípica.

— Foi uma das mais severas secas das quais se tem registro. Talvez a mais severa dos últimos 60 anos. Temos o bioma com o maior índice de preservação do Brasil. Aproximadamente 87% da cobertura vegetal do Pantanal é original. Tudo isso está salvaguardado por legislações amplamente discutidas e relativamente recentes.

A legislação vigente deve ser respeitada para garantir o nosso direito de segurança jurídica — afirmou.

O presidente da União dos Pantaneiros da Nhecolândia (Unipan), Eduardo Affonso Santa Lucci Cruzetta, disse que a imprensa deu “uma exposição muito grande” aos focos de queimadas no Pantanal.

Ele lembrou que os incêndios são comuns nos períodos de seca e rebateu acusações de que os produtores rurais seriam responsáveis pelo fogo.

— O incêndio pode ser oriundo de uma queimada ilegal ou de um acidente. Qualquer que seja a causa, ele é extremamente danoso para os produtores rurais.

O que vi na mídia, que foi muito divulgado, muito falado por diversos grupos políticos, é que queriam imputar ao produtor rural essa culpa, uma responsabilidade por isso que aconteceu. A gente não aceita isso — disse.

Para o diretor de Relações Institucionais da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso (Famato), José Luiz Martins Fidelis, os produtores rurais já promovem o uso sustentável do Pantanal e não precisam de uma nova legislação.

— Hoje eu acho que está dentro da sustentabilidade. Vamos tirar a questão dessa tragédia, que foi pontual. O que está acontecendo são acidentes que muitas vezes não são provocados por produtores rurais ou pela ação do homem — afirmou.

O diretor de Política Agrícola e Informações da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Sergio de Zen, também desaconselha a aprovação de novas regras para a proteção do bioma. Segundo ele, imagens de satélite analisadas pelo órgão indicam que todos os focos de incêndio no Pantanal “estão fora das áreas de pastagem e agricultura”.

— Mudanças e novas regras vão gerar insegurança jurídica e afastar o investidor dessa região. Essa questão de novas ferramentas deve ser observada com muito cuidado, porque elas podem ter um efeito negativo. A gente vai criar regras que muitas vezes não tem condição de executar.

O Código Florestal ainda não está na plenitude de aplicação. É muito mais recomendável que façamos o bom e completo uso do Código Florestal antes de pensar em outras regras — disse.

Repercussão

Para a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS), a opinião dos produtores rurais representa “uma insurgência contra o texto do relatório”. Ela avalia que o segmento “já está amarrado” pelo Código Florestal, que resultou de uma discussão “exagerada e cansativa” no Congresso Nacional.

— Sou contra qualquer outro tipo de legislação. Peço que ninguém faça palanque do nosso Pantanal como fazem palanque da Amazônia — disse.

O senador Espiridião Amim (PP-SC) defendeu a inclusão de um “cadastro positivo” do produtor no Estatuto do Pantanal. Para ele, a nova lei deve trazer parâmetros objetivos para medir quem cumpre regras de produção sustentável.

— Criem indicadores de sustentabilidade. Indicadores para saber quem não cumpre, mas principalmente quem cumpre um processo produtivo sustentável. Temos que premiar quem faz o bem. Não só punir, proibir, coibir ou reprimir o erro.

É mais ou menos a história do cadastro positivo. No Estatuto do Pantanal, temos que ter um capítulo sobre boas práticas baseadas em indicadores de sustentabilidade, manejo e respeito ao meio ambiente — afirmou.

Para o presidente da comissão externa, senador Wellington Fagundes (PL-MT), o desastre provocado pelas queimadas deste ano não pode “cair no esquecimento”.

— O cenário de destruição não pode voltar a se registrar na mesma dimensão. O verde que agora volta não pode apagar as cinzas, nem as imagens da vegetação queimada e dos animais mortos.

A demora nas ações de prevenção não pode voltar acontecer, e estaremos atentos. Não temos visto nenhum órgão oficial fazendo um inventário dos estragos causados pelo fogo.

Sabemos que temos organizações não-governamentais fazendo esse trabalho. E é assim que vai ficar? — questionou.

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