Agronegócio

Após pandemia, algodão do Brasil deve perder espaço para soja e milho em 20/21

03 jun 2020, 15:26 - atualizado em 03 jun 2020, 15:26
A tendência é que parte das lavouras cultivadas com algodão em Mato Grosso dê lugar ao milho safrinha (Imagem: Pixabay)

Uma das culturas mais prejudicadas pelos efeitos do novo coronavírus, o algodão registra quedas significativas no consumo, desaceleração nas vendas e recuo nos preços, que devem desencadear uma retração de 10% a 20% na área plantada na próxima safra, de 2020/21, segundo representantes do setor.

A tendência é que parte das lavouras cultivadas com algodão em Mato Grosso, maior produtor do país, dê lugar ao milho safrinha, enquanto cotonicultores da Bahia, segundo Estado no ranking, migrarão para a soja.

A redução de área seria um revés para o setor do Brasil, que vem apresentando seguidas safras recordes, o que permitiu ao país superar a Índia como segundo exportador global, atrás dos Estados Unidos.

“Nossa grande preocupação é o preço da safra nova… uma redução de área haverá sim, e algo entre 10% e 20% já está sacramentado, o que é uma pena porque a atividade do algodão tem maior valor agregado, emprega mais pessoas”, disse o diretor executivo da Associação Matogrossense dos Produtores de Algodão (Ampa), Décio Tocantins.

Segundo ele, atualmente, o milho tem trazido boa rentabilidade para o produtor rural e o algodão “trabalha no limite” –no Estado, o cereal pode tomar área da pluma na segunda safra.

Os preços da pluma estão próximos de 60 centavos de dólar por libra-peso na bolsa de Nova York, após terem se recuperado de mínimas abaixo de 50 centavos registradas no início de abril, mas ainda acumulam queda de mais de 10% no acumulado do ano.

Os preços da pluma estão próximos de 60 centavos de dólar por libra-peso na bolsa de Nova York (Imagem: Unsplash/@tgdwinos)

Para Tocantins, que lidera a associação do Estado que responde por cerca de 70% da produção brasileira, os preços atualmente estão próximos do “breakeven”, “mas há situações em que ficam abaixo dos custos de produção”.

Na Bahia, onde a colheita da safra 2019/20 começa neste mês, o presidente da Associação Baiana dos Produtores de Algodão (Abapa), Júlio Cézar Busato, disse que o custo é de 60 centavos de dólar e os produtores têm conseguido comercializar o produto somente a 57 centavos.

“Estamos no vermelho. Ano passado nós estávamos vendendo a 78 centavo de dólar por libra-peso. Vínhamos de anos consecutivos em que o consumo estava se superando”, afirmou Busato. “O preço caiu porque o consumo esfriou.”

De acordo com o Indicador do Algodão em pluma Cepea/Esalq (base São Paulo), o produto saiu de 73 centavos de dólar por libra-peso em 3 de junho de 2019 para 52 centavos no fechamento de terça-feira, uma queda de 28,7%.

Na temporada passada, além dos preços estarem em patamares melhores para o algodão, a guerra comercial entre Estados Unidos e China contribuiu para que os chineses, principais consumidores deste mercado, deixassem de adquirir a pluma norte-americana e intensificassem as importações do Brasil.

Em 2019, o Brasil exportou 1,61 milhão de toneladas da pluma, volume 65% superior ao do ano anterior e um recorde, conforme dados do governo federal. O faturamento subiu 56%, para 2,64 bilhões.

Busato conta que, após o surto da Covid-19 no mundo, compradores solicitaram atraso nas entregas e a comercialização arrefeceu. “Felizmente o algodão é um produto que podemos guardar… (mas) esse atraso vai gerar um problema meio sério para o fluxo de caixa nesse momento”.

Na Bahia, ele estimou que 70% do algodão 2019/20 está comercializado e os 30% restantes, embora sejam a minoria, representam um volume significativo para o caixa dos produtores.

Na Bahia, ele estimou que 70% do algodão 2019/20 está comercializado e os 30% restantes (Imagem: REUTERS/Ricardo Moraes)

Para a safra 2020/21, as vendas antecipadas da pluma baiana não chegaram a 20%. Nesta época do ano passado, a média de comercialização estava entre 40% e 45%.

Em Mato Grosso, o executivo da Ampa afirmou que o cenário é similar. O Estado vendeu 70% a 75% da safra atual e a comercialização antecipada de 2020/21 está em 30%, também com atraso em relação à temporada anterior.

Neste cenário, o analista da consultoria Safras & Mercado Elcio Bento disse que a única saída para a cultura, que evitaria a queda de 10% a 20% na área plantada da próxima safra, seria a retomada do consumo após a pandemia e um aquecimento nas exportações. No entanto, há incerteza sobre qual será o comportamento do mercado depois do surto da doença.

Em maio, por exemplo, dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) indicam queda de 16% nos embarques de algodão em relação ao mesmo período do ano passado, para 69,5 mil toneladas. O preço baixou 12%.

“Com este recuo na demanda, entramos no ano comercial de 2020/21, iniciado em junho, com 703 mil toneladas em estoque. A média dos últimos 10 anos para o período era de estoques em torno de 300 mil toneladas”, disse Bento, o que dificulta a recuperação das cotações.

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Colheita

A produção da pluma no Brasil está estimada em 2,88 milhões de toneladas na safra 2019/20 pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), alta de 3,6% ante a temporada passada. A área cresceu 3,3%, para 1,67 milhão de hectares, e a produtividade média deve ficar quase estável, com leve aumento de 0,3%.

Na Bahia, a safra ocupa uma área total de 313.566 hectares e a perspectiva é de atingir a produtividade média de 300 arrobas por hectare, segundo Busato. “Tivemos um recuo na área, mas o clima e a tecnologia nos ajudaram a manter o nível de produtividade”, disse. A produção da pluma está estimada em 563 mil toneladas, queda de 5,7%, segundo a Conab.

“O recuo na área baiana já é de produtores que migraram para a soja, porque a demanda da China para esse produto realmente tem se mostrado impressionante.”

Em Mato Grosso, o executivo da Ampa acredita que o Estado terá uma boa produtividade aliada à boa qualidade da pluma. Os primeiros trabalho de colheita começam em junho, mas o “grosso” acontece entre julho e agosto. A produção deve alcançar 2 milhões de toneladas, alta de 7,4% na variação anual.