Economia

Após Guedes citar inflação como justificativa para furar o teto, atenções se voltam à reação do BC

21 out 2021, 15:58 - atualizado em 21 out 2021, 15:58
Banco Central
No balanço de riscos para a inflação do BC, a assimetria altista é dada justamente pelo risco fiscal, com a eventual adoção de medidas que enfraqueçam o teto colocada, desde junho do ano passado (Imagem: Agência Brasil/Divulgação)

O ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que um auxílio mais robusto temporário aos mais pobres é necessário para ampará-los num cenário de inflação em alta no pós-pandemia, mas o aceno ao furo do teto de gastos para viabilizar essa saída na prática ajuda a alimentar a alta de preços na economia, colocando em xeque a responsabilidade fiscal do governo e elevando as expectativas para as ações do Banco Central daqui para frente.

Segundo a Reuters apurou, o clima no BC foi de surpresa negativa com a forma como Guedes teria naturalizado a possibilidade de burlar o teto, que é defendido há muito tempo tanto pela autoridade monetária quanto por autoridades do próprio time do ministro como a única âncora fiscal crível do país.

No balanço de riscos para a inflação do BC, a assimetria altista é dada justamente pelo risco fiscal, com a eventual adoção de medidas que enfraqueçam o teto colocada, desde junho do ano passado, como fator que empurraria a inflação para cima.

Na terça-feira, quando as notícias sobre o Auxílio Brasil de 400 reais ainda não eram oficiais, o diretor de Política Monetária da autarquia, Fabio Kanczuk, já tinha dito que uma política monetária mais apertada seria necessária caso o problema fiscal no Brasil piorasse, mas ressalvando que a autarquia não se movia na velocidade do mercado.

Embora o novo programa Auxílio Brasil não tenha sido formalizado, com ministros apontando que a saída para acomodá-lo no Orçamento de 2022 virá no relatório ainda não apresentado da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios, os holofotes se voltam para como o BC tomará sua próxima decisão de política monetária na quarta-feira da semana que vem após as declarações dadas por Guedes.

Diante da não aprovação da reforma do Imposto de Renda, que mirava a tributação sobre dividendos como fonte permanente de receita para um Bolsa Família maior, Guedes reconheceu na quarta-feira que o governo partiu para uma solução temporária para atender aos mais pobres, se debruçando sobre um pedido de “waiver” ao teto de gastos como alternativa para direcionar pouco mais de 30 bilhões de reais ao programa.

“50% da inflação mundial é hoje comida e energia, justamente o impacto que atinge as classes mais vulneráveis e mais frágeis. Nós então estamos desenhando programas que possam atenuar esse impacto”, disse Guedes, em evento da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc).

“É comida e energia subindo no mundo inteiro. Nós estamos lançando essa fonte transitória até o final do ano que vem que nos ajude então que todas as famílias brasileiras tenham essa proteção dos 400 reais”, complementou ele.

Em outro evento no início da noite de quarta, Guedes frisou que o governo chegava a uma solução transitória para um problema também transitório, em referência à inflação.

“50% da inflação mundial é hoje comida e energia, justamente o impacto que atinge as classes mais vulneráveis e mais frágeis. Nós então estamos desenhando programas que possam atenuar esse impacto”, disse Guedes (Imagem: Flickr/ Edu Andrrade/Ascom/ME)

O ministro também afirmou que outra possibilidade para acomodar a concessão de um benefício mais alto seria antecipar a mudança de indexador da própria regra do teto.

A alternativa também causou estranhamento, uma vez que a emenda constitucional que criou a regra fiscal só previa revisão em seus parâmetros em 2026.

As reações do mercado à fala do ministro jogam luz sobre o desafio à frente.

Após Guedes confirmar que o governo estudava pedir a licença para gastar mais em ano eleitoral, o dólar chegou a alcançar uma máxima de 5,69 reais e as taxas de juros futuros dispararam, com o mercado tendo migrado suas apostas de curto prazo para um aperto superior a 1 ponto na Selic na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom).

Se sustentadas, as mudanças das condições de mercado implicarão pressão inflacionária pelo encarecimento dos importados e aumento da dívida bruta brasileira, com investidores pedindo retorno maior, diante do acirramento nos riscos, para toparem financiar o governo com a compra de títulos emitidos pelo Tesouro.

Ritmo de aperto

Até agora, o BC vinha indicando enxergar como adequada a manutenção do ritmo de alta de 1 ponto na taxa básica de juros dentro do seu agressivo ciclo de aperto para domar a inflação. Desde março, a Selic já foi elevada em 4,25 pontos, ao patamar atual de 6,25% ao ano.

Ao ser questionado sobre a perspectiva de o Bolsa Família ser pago em parte fora do teto, Kanczuk respondeu, na terça-feira, que o BC avaliaria a probabilidade de o cenário com quadro fiscal pior passar a ser dominante sobre o cenário-base.

E a abordagem seria a mesma adotada na última reunião do Copom, acrescentou o diretor: calcular se com elevação de 1 ponto percentual na Selic a convergência da inflação para meta em 2022 seria assegurada ou se seria necessário apertar o passo para uma alta de 1,25 ponto.

O BC tem reiterado que tem como foco levar a inflação do ano que vem à meta central de 3,5%, ante projeção mais recente do seu cenário-base de 3,7% e expectativa do mercado, pelo boletim Focus, de 4,18%.

O JP Morgan, banco que promoveu o seminário no qual Kanczuk falou, elevou nesta quinta-feira a 1,25 ponto sua projeção de aumento da Selic nas próximas duas reuniões do Copom.

Depois de o Supremo Tribunal Federal (STF) ter validado, no fim de agosto, a lei de autonomia formal do BC, a expectativa de muitos agentes é de que a autoridade não irá, em meio à franca deterioração do quadro fiscal, se ater a ponderações políticas para frear uma elevação mais dura nos juros.

Ao encarecer o custo dos empréstimos no país, uma Selic mais alta deve ter repercussão sobre a força da atividade econômica no ano que vem, jogando contra as pretensões de reeleição de Bolsonaro, e também tornando a dívida pública maior.

Segundo cálculos do próprio BC, cada aumento de 1 ponto na taxa básica acarreta, em doze meses, acréscimo de 32,9 bilhões de reais na dívida líquida e de 31,8 bilhões de reais na dívida bruta.

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