Apelo por autossuficiência em trigo morre junto com os fertilizantes. Leva quem pagar
O debate nacionalista sobre a busca pela autossuficiência em fertilizantes e, no mesmo rufar dos tambores de guerra na Ucrânia, que agora se estende ao trigo, tem a primeira resposta no levantamento da StoneX sobre a safra 22/23.
A intenção de plantio pode resultar em 10 milhões de toneladas porque os preços internacionais – e que são praticados internamente – devem compensar. E não tem nenhuma relação com a intenção de garantir abastecimento interno.
O aumento de produção agrícola vai do momento de mercado e não atende a esse tipo de apelo a menos que houvesse garantia de compras governamentais – coisa que não tem mais no Brasil.
Em 2020, o Brasil, autossuficiente em arroz, exportou bastante durante a pandemia, uma vez que os asiáticos saíram do mercado para assegurar o grão internamente. Pergunte para a Camil (CAML3), e outros beneficiadores, se eles pagaram mais barato para terem o produto internamente.
O consumidor também tem a mesma resposta – negativa. A mesma que serve para o milho e para a soja.
Em 2021, encorajados, os arrozeiros gaúchos ampliaram a área, investiram em tecnologia, produziram mais, mas o mercado externo retraiu com a volta da Ásia. A conta deverá ser paga numa área menor em 2022.
Com o trigo, na mesma escala de ressuscitamento dos projetos em fertilizantes, é pode acontecer a mesma coisa.
Autossuficiência não representa nada e tanto se aproveita os melhores preços praticados na venda quanto nas compras, pode-se resumir da avaliação de Marcelo De Baco, da De Baco Corretora de Mercadorias, especializada no cereal mais antigo consumido no mundo.
“O Brasil é autossuficiente em farinha, mas importamos cerca de 1,8 milhão de tonelada”, exemplificando com o movimento contrário. Ou seja, as indústrias aproveitam as janelas de oportunidades também para trazer farinha mais barata.
É do jogo.
Transgênicos
Chegar às 10 milhões/t (pouco mais de 2 milhões/t sobre o último ciclo), se se consolidar o aumento de área acima de 26%, já com as primeiras sementes indo ao solo, e o clima ajudar, certamente encurtará a dependência externa. Mas longe de se esperar preços amigáveis, longe de Chicago.
Embora De Baco acredite que a busca por uma produção consistente do cereal passe pela aprovação da transgenia – “o que as indústrias são contra a aprovação” -, o País até pode insistir em seguir produzindo mais trigo seguindo os passos da soja e do milho.
Apesar de ambos os grãos também terem se aproveitado da produtividade alcançada com as sementes geneticamente modificadas, o crescimento de área e produção se deu porque há demanda externa. Ao contrário do arroz, no qual o apetite global é menor e os asiáticos dão conta suficientemente de atendê-lo.
Combinar com a indústrias moageiras de comprarem aqui, segundo Marcelo De Baco, só funcionaria se houvesse proteção para o trigo nacional. Porém, além de incentivar a ineficiência, afirma ele, o setor industrial não vai aceitar.
“As moageiras esperam que o trigo nacional chegue à indústria valendo 10% a menos que o Argentino”, pontua.
Uma questão vista como qualidade inferior, o que nem sempre é aceito pelos produtores.
Por fim, há todo um complexo envolvendo a cadeia da triticultura que o Brasil não está preparado, impondo uma “dinâmica logística que não existe”, diz o CEO da De Baco Corretora.
O trigo em cerca de 8 dias está na mesa do consumidor – ao contrário dos outros grãos, como o milho, que vai passando por vários estágios produtivos indiretos, como rações -, e entre 55% e 58% viram pão.