Ano novo, cenário novo: mercados se ajustam aos juros mais altos por mais tempo
Tradicionalmente, diz-se que o ano novo só começa depois do carnaval. Ao menos no Brasil. Mas essa máxima também é válida para os mercados financeiros.
Afinal, os investidores entram na semana que marca a virada do mês tomando um choque de realidade. Depois de começarem 2023 em um ritmo intenso, a animação perdeu força na reta final de fevereiro, turvando o cenário para os mercados em março.
Aos poucos, o clima foi ficando mais negativo para os ativos de risco, causando espasmos de volatilidade. O período coincidiu com o início da folia por aqui. Os dias que antecederam a pausa local durante o carnaval também foram marcados por um tom mais duro (“hawkish”) dos chamados ‘Fed boys’.
Ou seja, o presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, deixou para os colegas o “trabalho sujo” de admitir uma taxa de juros nos Estados Unidos acima de 5%. Mais que isso, há sinais de que esse nível deve ser mantido por um bom tempo.
Gringos fora da cena local
Essa perspectiva provocou uma debandada dos gringos da bolsa brasileira. Nos últimos dois pregões antes da parada dos negócios na B3 por causa da folia, os investidores estrangeiros venderam mais de R$ 3,5 bilhões em ações. Na volta às operações, ainda de ressaca, os saques continuaram, superando R$ 4 bilhões em retirada de capital externo em apenas três dias.
Mas não foi só isso. Os ruídos políticos seguiram dominando o cenário local. “Além das incertezas sobre a política fiscal, que estão presentes desde a eleição do presidente Lula, a condução da política monetária também se tornou alvo de conturbações políticas”, afirmam o sócio-diretor Evandro Buccini e o economista Luca Mercadante da Rio Bravo Investimentos.
Embora reconheçam que o desempenho do mercado de ações foi prejudicado pelos ruídos vindos de Brasília, contribuindo para a volatilidade dos ativos domésticos, eles afirmam que a causa principal vem do exterior.
Higher for longer
A mudança de apetite pelo risco global é de simples entendimento. “Os mercados tiveram um forte mês de janeiro, após receberem dados de inflação mais brandos, sem que o crescimento desse sinais de uma desaceleração mais forte”, lembra o CIO da TAG Investimentos, Dan Kawa.
Segundo ele, esse cenário alimentou apostas do fim do ciclo de alta dos juros no mundo, em especial por parte do Fed. Mais que isso, o risco de recessão, sobretudo nos EUA, também foi se afastando. “Contudo, essa tese foi fortemente abalada ao longo de fevereiro”, ressalta o gestor.
Primeiro, os dados de emprego nos EUA (payroll) permaneceram fortes. Por outro lado, os índices de preços ainda sinalizaram desafios no campo inflacionário. Além disso, houve evidências de robustez do crescimento econômico.
“Os dados de janeiro que passaram a ser divulgados colocam certa nebulosidade sobre o cenário à frente, podendo fazer com que o otimismo do início do ano perca força”, afirmam os gestores da Rio Bravo.
Tudo isso alimentou a narrativa de “juros mais altos por mais tempo” (higher for longer) nos EUA. “Algo parecido também acontece na Europa”, comentam Buccini e Mercadante.
Na carta mensal obtida com exclusividade pelo Money Times, os gestores da Rio Bravo afirmam que nos dois lados do Atlântico Norte a preocupação com a inflação se mantém no centro do debate.
Com isso, o CIO da TAG Investimentos não descarta a chance de a taxa terminal de juros nos EUA ser de 6% – e não próxima dos 5%, como ainda a visão majoritária. “Se isso for verdade, espere por mais uma rodada de pressão nos ativos de risco nas próximas semanas”, alerta Kawa.
Portanto, antes do fim do novo mês, o mercado deve começar essa discussão. Afinal, já terão se passado três meses desde o início do ano.