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Angela Bittencourt: Previdência, rombo global de US$ 400 trilhões e desafios de governos e gestores

11 jul 2019, 10:07 - atualizado em 11 jul 2019, 10:07
Colunista analisa cenário nacional e déficits crescentes nas economias (Imagem: Pixabay)

Amizade, felicidade, amor e dor são temas que me interessam. Representam a essência de homens e mulheres aos 10, 20, 40, 60, 80 anos e até mais nesses tempos em que podemos chegar aos 100 e inteiros — com sorte e com a ajuda da moderna medicina, você concorda? Já passei dos 60, já me aposentei, mas penso no futuro e também por isso revisito as “Marguerites”, que li avidamente há mais de três décadas e são exemplos indiscutíveis do tanto que se pode fazer após os fatídicos 60 anos.

Marguerite Yourcenar e Marguerite Duras são escritoras francesas que não nasceram na França e que dedicaram suas vidas aos temas que muito me interessam e antecipei lá em cima: amizade, felicidade, amor e dor. Marguerite Yourcenar nasceu na Bélgica. Marguerite Duras nasceu no Vietnã. A primeira faleceu aos 84 anos; a segunda, aos 82.

Ambas foram reconhecidas por trabalhos que se eternizaram. Yourcenar, nascida Crayencour, publicou seu primeiro romance aos 17 anos, foi a primeira mulher a ocupar um assento na Academia de Letras da França e levou 30 anos para escrever sua obra mais conhecida, “Memórias de Adriano” — uma biografia do imperador romano, escrita na primeira pessoa, que impressiona pela densidade de sentimentos e reconstrução de uma época. Duras, nascida Donnadieu, escreveu mais de 50 livros e foi premiada pelo roteiro de uma obra-prima do cinema francês que nunca saiu de cartaz entre jovens de distintas gerações, “Hiroshima, Meu Amor” — referência à cidade destruída pela bomba atômica, lançada pelos Estados Unidos em agosto de 1945.

As octogenárias “Marguerites” ultrapassaram em quase 30 por cento uma estimativa padrão que prevalece na maioria dos países e considera uma “vida de trabalho” aquela que começa aos 25 anos e termina aos 65.

Eu ainda trabalho, você sabe. Há quatro meses escrevo o Day One às quintas-feiras. É um privilégio. Para alguns colegas de profissão, mais críticos, eu cometo uma injustiça. Estaria ocupando o lugar de outro trabalhador na folha do INSS ou na folha da Empiricus. Não vejo assim. Cumpri todas as exigências legais e estou capacitada para a atual jornada.

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Investing in (and for) Our Future

No estudo “Investing in (and for) Our Future” , publicado pelo Fórum Econômico Mundial, Maha Eltobgy, chefe de investimentos em infraestrutura, e Han Yik, responsável por investidores institucionais, informam que cerca de 40 anos de trabalho dá direito à aposentadoria na maioria dos países.

Veja você que a Nova Previdência, que deve ter seu texto-base aprovado em dois turnos de votação na Câmara até esta sexta-feira, praticamente baliza a aposentadoria no Brasil a parâmetros internacionais. O texto em votação prevê idade mínima para aposentadoria de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres. O tempo de contribuição é de 20 anos para homens e 15 para mulheres. Servidores públicos da União — assim como professores e policiais federais — terão outras regras de transição.

Embora a maioria da população esteja convencida da necessidade da reforma das aposentadorias, há resistência às mudanças. Para o governo, porém, importa a economia de quase 1 trilhão de reais nos próximos dez anos.

Os regimes de previdência são reformados ou atualizados ao longo do tempo por uma razão: as pessoas vivem mais, enquanto as taxas de natalidade recuam. “Pela primeira vez, [no mundo] há mais pessoas com mais de 65 anos do que com menos de cinco. E a expectativa de vida dos idosos nunca foi melhor”, diz o estudo do Fórum Econômico, que trata do déficit previdenciário em constante agravamento, inclusive, “porque muitas pessoas simplesmente não economizam o suficiente para a velhice e os regimes públicos de aposentadorias enfrentam dificuldades sem precedentes para equilibrar a entrada de dinheiro, via contribuições, nos sistemas previdenciários e as saídas em pagamento de benefícios”.

Déficits são acumulados mundo afora. No Brasil, o rombo previsto para este ano é de 200 bilhões de reais.

O estudo do Fórum Econômico Mundial é dedicado, especialmente, a formuladores de políticas públicas, patrocinadores de planos de aposentadoria e gestores de ativos. Mas o estudo recomenda que os cidadãos façam suas economias e seus investimentos individuais de olho no futuro em que estarão fora do mercado de trabalho.

EUA e China: uma disputa além das tarifas

Aos gestores dos sistemas de aposentadoria e de seus déficits, o Fórum Econômico recomenda expansão da cobertura para mais indivíduos (que representarão mais contribuintes); uso de tecnologia para tornar a gestão mais eficiente; e otimização de aplicações dos recursos para maximizar o retorno obtido.

O Fórum Econômico explica que planos tradicionais de benefícios definidos vêm dando lugar a planos de contribuição definida. As contribuições em contas individuais devem ser investidas preferencialmente em uma ampla faixa de diferentes ativos — incluídos dinheiro em caixa, títulos, ações. O estudo reconhece que essa gestão impõe desafios e alerta para a necessidade de inovação nos investimentos.

Para o estudo, foram selecionadas oito economias (Índia, China, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Holanda, Reino Unido e Japão) e constatou-se que, em 2015, esse grupo apresentava conjuntamente um rombo de 70 trilhões de dólares nos regimes de aposentadoria. Em 2050, o rombo será de 400 trilhões de dólares. As populações desses oito países reúnem 3,36 bilhões de pessoas — quase a metade da população mundial, de 7,6 bilhões, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU).

Sobre o Brasil, sinto decepcionar, ficamos de fora do estudo…

Do grupo analisado, Estados Unidos e China são os países que apresentavam os maiores déficits em 2015. Em 2050 não será diferente. Nos Estados Unidos, o rombo passará de 28 trilhões de dólares para 137 trilhões de dólares; e, na China, de 11 trilhões de dólares para 119 trilhões de dólares. Esses dois déficits serão equivalentes a 64 por cento do rombo estimado em 400 trilhões de dólares para as oito economias.

Agora vai!

Com o quórum absoluto de 513 deputados eleitos em outubro, a Câmara aprovou ontem a reforma da Previdência no primeiro turno de votação. Por 379 votos a favor e 131 contrários, o projeto do governo passou. A folga de 71 votos acima do mínimo exigido para chancelar uma emenda à Constituição turbina o prestígio do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), desautoriza a avaliação de que o governo é incompetente no quesito articulação e sugere que velhas práticas não foram abandonadas. A liberação de emendas parlamentares trouxe — aos que não tinham — a convicção de que a reforma é essencial para o país andar para a frente, embora não tenha a virtude de bombar o crescimento.

Nesta quinta-feira, serão avaliados os destaques e a votação em segundo turno da proposta, que deve se prolongar até amanhã, sexta-feira. Confirmado o cronograma de Maia, na volta do recesso, em 1º de agosto, a reforma será prioridade no Senado.

Nesta manhã, o Ibovespa abre em alta e supera 107 mil pontos e o dólar declina ao patamar de 3,73 reais. Ontem, o índice chegou a ultrapassar os 106.600 pontos para depois fechar aos 105.817 pontos; o dólar cravou 3,75 reais; os juros desabaram e o CDS de cinco anos caiu a 131 pontos, o menor desde setembro de 2014. Parte desse movimento se deve à euforia que dominou os negócios nas Bolsas americanas, sob forte impacto de declarações de Jerome Powell. O presidente do Fed, o banco central dos Estados Unidos, sinalizou no Congresso que a instituição cortará o juro em 31 de julho.