Opinião

André Sacconato: O FED e os cenários para a inflação nos EUA

17 dez 2018, 18:45 - atualizado em 28 mar 2019, 14:47

Por André Luiz Sacconato, doutor em economia pelo IPE-USP, é socio da Integrare Brasil e professor de MBA nos cursos da FIA-USP. Foi coordenador de projetos e responsável por setor externo e fiscal na Tendências Consultoria, economista sênior na áreas de modelagem de mercados na LCA consultores e diretor de pesquisas da BRAiN- Brasil Investimentos e negócios.

As últimas declarações de funcionários do alto escalão do FED mostram que a preocupação com os efeitos de uma economia superaquecida e com potenciais problema nos índices de inflação parecem não estar no radar do Banco Central americano, pelo menos no curto prazo. Em artigos anteriores, abordei questões que mostram que não parece que vai haver um ajuste fiscal tão cedo no país e que o mercado de trabalho continua segurando a pressão nos índices inflacionários, dado que a baixa significativa no desemprego não parece estar refletindo no aumento de salários médios, seja por absorção da mão de obra excedente pós crise, seja pelo aumento de concentração das empresas e consequente aumento do poder de barganha na definição dos salários. Basicamente o resultado é que a população em geral não vem sentindo de firma tão intensa os ganhos do ciclo de alta.

Agora a curiosidade me levou para o lado da composição do índice de preços americanos (CPI). Como estão os componentes da inflação ao consumidor e como estão se comportando? Primeiro vamos analisar o índice cheio de preços ao consumidor, em seguida, o core (preços menos alimentos, bebida e energia, dado que estes dois itens são muito voláteis e o CORE tem objetivo de medir apenas a variação dos itens que não sofrem muito com variações maiores), depois, o índice apenas com alimentos e bebidas e, por fim, o índice que mede o preço médio das importações chinesas nos EUA.

Fonte: OCDE, FED Atlanta

Se lembramos que a meta de inflação naquele país é de 2% podemos concluir que há realmente uma tendência de convergência para a meta nestes índices, que vem desde meados de 2012. Não parece haver nenhum movimento explosivo, mesmo com a diminuição consistente do desemprego. Algumas explicações parecem plausíveis neste momento: o aumento de poder de barganha das empresas e o aumento do déficit comercial com a China que segura o preço dos comercializáveis (tradeables).

Já do lado da energia os riscos são maiores. A volatilidade é maior e o risco de um aumento do petróleo via OPEP pode impactar fortemente nos preços americanos. No próximo gráfico separo apenas os preços de energia e gasolina: os movimentos são muito voláteis e inspiram cuidados dado que o petróleo está numa cotação considerada baixa e pode subir se a OPEP conseguir se coordenar. É um risco que o FED deve incorporar em seu portfólio. Se a economia americana continuar aquecida por mais algum tempo, e se o ajuste do ciclo de alta não vier via mercado (desaquecimento natural) isso pode gerar pressão inflacionária.

Fonte: US Bureau of Labor Statistics

Os itens petróleo e energia são importantes na composição do índice de preços ao consumidor americano. Se olharmos hoje os pesos que compõem a cesta que determina o CPI temos a seguinte tabela:

Peso Itens Pesquisados
1 Food & non-alcoholic beverages 10,3% 24
2 Alcohol & tobacco 4,2% 4
3 Clothing & footwear 7,1% 11
4 Housing & household services 12,0% 4
5 Furniture & household goods 5,9% 10
6 Health 2,8% 3
7 Transport 15,3% 6
8 Communication 3,2% 2
9 Recreation & culture 14,8% 17
10 Education 2,5% 1
11 Restaurants & hotels 12,3% 7
12 Miscellaneous goods & services 9,6% 11

Os sub-itens Petróleo e Energia entram diretamente em dois itens: Housing & Household goodscom o preço da gasolina e Transport, indiretamente, sem contar o efeito indireto diagonal no preço dos fretes. Assim esses itens são muito importantes no cômputo geral do índice.

Assim com essas aberturas podemos citar dois grupos de risco para o futuro do índice e que devem estar no radar do FED. O primeiro, sem dúvida, é a evolução do preço do petróleo. Em um cenário de sucesso em que a OPEP tenha sucesso em cortar a produção de petróleo e consiga um aumento consistentes nos preços, somado à continuidade do crescimento forçado da economia americana, a possibilidade de aumento de preço do petróleo é alto e o impacto seria forte no CPI. O segundo grupo de risco é a guerra comercial com a China, que pode interferir nos preços dos importados e estes que vem ajudando a segurar, como vimos no primeiro gráfico, os bens tradeables.

Nesse cenário, ao fomentar a guerra comercial com o gigante oriental o governo americano pode estar dando um tiro no pé, ajudando a contratar um pouso forçado ou mesmo uma recessão na medida em que pressiona um dos itens do CPI. Esse risco é maior ainda em uma economia em pleno emprego: mudar a matriz de produção da China para os EUA numa situação de desemprego alto poderia ter menos impacto nas subidas de preços na medida que pressionaria menos a massa salarial. Apenas a diferença de salários entre trabalhadores dos dois países já faria diferença, mas o efeito seria menor por conta de um potencial alto desemprego. Mas sabemos que a condição da economia americana hoje passa longe de uma situação de desemprego, está praticamente em pleno emprego, o que intensifica o risco sobre os preços de uma guerra comercial.

Um terceiro risco, que não pode ser negligenciado é o aquecimento do mercado de trabalho numa situação de pleno emprego. Ele pode ser verificado na análise do The Employment Cost Index (ECI), que mede a inflação no mercado de trabalho.

Fonte: US Bureau of Labor Statistics

Neste caso, embora a uma velocidade não tão alta, já existe uma pressão nos dados finais, dado que o aumento na taxa de emprego demora um pouco a ser sentido, portanto essa pressão tenderá a se intensificar nos próximos períodos.

Assim os pronunciamentos mais “dovish” de muitos componentes de alto escalão do Banco Central americano parecem não considerar riscos claros para a inflação, que já está levemente acima da meta. Guerra comercial, petróleo e mercado de trabalho são riscos bastante plausíveis e imediatos e já deveriam estar presentes em qualquer análise de riscos nesses pronunciamentos.

Que a economia americana está chegando no final de um ciclo isso é fato. Como o ciclo vai se acomodar pode dizer muito sobre o padrão inflacionário. Se o próprio mercado perceber que a desaceleração é inexorável e já ajustar gastos e investimentos para um padrão mais razoável a pressão sobre preços e juros deve ser menor. Essa parece ser a melhor saída.

Se, por outro lado, a política fiscal inconsequente do governo Trump induzir o mercado a esticar a corda (continuar na mesma velocidade) isso obrigará aumento de juros e o ajuste será mais custoso. Algo próximo ao que vimos no Brasil nos últimos anos. Esse risco já deveria ser mais explicito nas comunicações da autoridade monetária americana.

André Luiz Sacconato, doutor em economia pela USP, é socio da Integrare Brasil e professor de MBA na FIA-USP. Foi coordenador de projetos e responsável por setor externo e fiscal na Tendências Consultoria, economista sênior na área de modelagem de mercados na LCA consultores e diretor de pesquisas da BRAiN- Brasil Investimentos e negócios.

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