Anderson Gurgel: Economia Criativa é o oposto da Black Friday – entenda o porquê
Como já se tornou tradição no Brasil, o fim de novembro traz a expectativa de grandes promoções geradas pela Black Friday, que neste ano cai nesta sexta-feira (26), e sua extensão em datas pré e pós ao fatídico dia. Para algum desavisado que ainda não saiba, esse evento promocional é uma data do varejo norte-americano que ganhou o mundo e que marca o período após o Dia de Ação de Graças com uma grande queima de estoque e preços imbatíveis.
Em tempos de vacas gordas, a Black Friday é um espetáculo de gente aglomerada tentando a qualquer custo adquirir produtos com preços imbatíveis, como aqueles que fazem os consumidores sentirem um frenesi e ativarem o modo “compra por compulsão”.
É justamente neste ponto que o evento Black Friday se opõe ao paradigma da economia criativa. Enquanto essa mega promoção motiva o consumidor a entrar num modo até irracional de compra por compulsão, os negócios criativos giram em outra frequência, muito mais conectados com um consumidor preocupado em ser cidadão, em estar sensível às questões de sustentabilidade e que, em geral, vai apreciar a criatividade como valor e não uma etiqueta com redução de preços, muito vezes calcada na espetacularização
Essa oposição tão radical deve-se ao fato de a economia criativa constituir-se como um novo paradigma de fazer negócios que surge na sociedade, pois envolve agentes públicos e privados conectados e vocacionados à busca de programas e iniciativas de desenvolvimento sustentável que vão se calcar na criatividade para inspirar valores culturais em prol do desenvolvimento local, mas como inspiração global.
O ciclo da economia criativa passa por questões centrais da economia, como oferta e produção, mercado e distribuição, demanda e consumo, mas estes são colocados em contato com valores intangíveis (diversidade, valorização do ser humano, sustentabilidade, inclusão etc.). E, com essa mudança de foco, acrescenta-se formação e capacitação à oferta e produção, quem são as pessoas envolvidas nesse processo.
Soluções inovadoras
Discute-se o acesso e a inclusão aos produtos, quando falamos de mercado e distribuição e de liberdade de escolha e promoção da cidadania ao tocar no ponto do consumo. Isso tudo faz com que a lógica do negócio deixe de ser a abordagem “tradicional” e passe a ser mais criativa e sensível ao espírito do tempo.
Esse pensamento criativo movimenta ativa uma cadeia ampla, complexa e extremamente rica de pessoas, valores e ideias. Os setores da criatividade colocam no centro das estratégias esses novos valores, contribuindo também para a promoção de soluções inovadoras. O giro da economia passa, então, a ser movido pela criatividade, que vai ser mais enfatizado nos paradigmas do marketing 3.0 para frente, segundo a ideia de Kotler.
Já na Black Friday a lógica está mais calcada no marketing tradicional, o que Kotler vai chamar de Marketing 2.0 e na estratégia de gerar demanda por redução de preço. Em geral, essas mega promoções estão muito mais vocacionadas a estímulo de um consumo imediato que a construir um consumidor responsável e cidadão. Tanto que não é incomum na ressaca pós-compras algumas pessoas se sentirem arrependidas por suas aquisições. Ou, ainda, incômodas com a obtenção e produtos de que sequer precisavam.
“Não compre esta jaqueta”
Uma ação já histórica de pensamento criativo em tempos de Black Friday foi da rede de roupas esportivas outdoor norte-americana Patagonia que, em 2011, no frenesi das compras pós-Dia de Ação de Graças e pré-Natal divulgou nas mídias a campanha “Não compre esta jaqueta” (“Don´t buy this jacket). A mensagem tentava mostrar ao consumidor que, ao adquirir um produto de qualidade e feito com materiais mais sustentáveis, ele teria um produto por mais tempo e não precisaria buscar promoções ocasionais geradas pelo fast fashion.
A Patagonia já é reconhecida com uma empresa que vem implementando o que há de mais moderno em estratégias de marketing, com um story telling de um criador visionário que, amante de esportes de montanhismo, percebeu a necessidade de gerar produtos com mais qualidade para que as montanhas não fossem deterioradas pela prática do alpinismo.
No Brasil, o caso ainda se torna mais grave, pois muito do que se vende como Black Friday nem chega a ser mesmo uma promoção. São inúmeras, a cada edição da mega promoção, as reclamações de falsas oportunidades de compra, com empresas manipulando preços para criar falsas oportunidades.
É claro que não dá para generalizar, mas em cenários assim, o verdadeiro valor criativo não está nas empresas e suas tentativas de estimular a compra por redução de preço, mas sim nas conexões entre consumidores usando redes sociais e outras formas de comunicação que tentam efetivamente minerar onde estão as verdadeiras oportunidades de aquisição de bens com bons preços. A criatividade sempre encontra seu caminho e quase tem mais a ver com o fator humano que o número exposto na etiqueta.
Andersol Gurgel é jornalista de economia, negócios e marketing, e professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do Centro Universitário Belas Artes, além de pesquisador, consultor e produtor de conteúdo. Conectando todas essas várias frentes de ação estão os negócios criativos, do entretenimento e do esporte, segmentos que o profissional vem se dedicando ao longo dos quase 25 anos de vida profissional. É autor de livros, produtor de eventos e já ganhou alguns prêmios, sendo um destaque a Menção Honrosa em 2019 pela Universidade Presbiteriana Mackenzie pela atuação na área de inovação na educação.