Proposta de reforma elétrica pode ajudar privatização da Eletrobras e de hidrelétricas
Uma proposta de reforma do setor elétrico apoiada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro pode ajudar a reduzir a percepção de risco por investidores na privatização da Eletrobras, (ELET3) maior elétrica da América Latina, potencialmente aumentando o apetite pelo negócio.
As mudanças, que têm sido defendidas pelo governo como uma modernização do setor e foram aprovadas nesta semana na Comissão de Infraestrutura do Senado, preveem alterações regulatórias que também poderiam facilitar a atração de interessados para hidrelétricas que devem ser desestatizadas pelas elétricas estaduais Cemig, (CMIG4) Copel (CPLE6)e CEEE.
O projeto de lei da reforma, que ainda precisará passar pela Câmara dos Deputados, prevê entre outras medidas que ativos de geração que forem ser privatizados precisarão passar por uma revisão das chamadas “garantias físicas”.
As garantias decorrem de um cálculo aproximado de quanto uma usina pode gerar mesmo em cenários críticos. Quando produzem abaixo da garantia, hidrelétricas precisam comprar energia no mercado para cumprir seus compromissos comerciais, o que gera despesas conhecidas no setor pelo nome de “risco hidrológico”.
Atualmente, no entanto, há um consenso entre especialistas de que a oferta de energia das hidrelétricas foi superestimada na definição das garantias.
O tema ganha importância em meio às discussões sobre a Eletrobras porque usinas hídricas representam a maior parte da capacidade da estatal, que controla cerca de um terço do parque gerador do Brasil.
As hidrelétricas antigas da Eletrobras têm há anos produzido abaixo do que deveriam, mas isso não gera perdas para a estatal porque elas negociam a produção em um modelo conhecido como “regime de cotas”, que prevê tarifas fixas e a exime do risco hidrológico.
A proposta de desestatização da companhia, no entanto, acabaria com as cotas e permitiria a venda da energia a preço de mercado.
Para o presidente da consultoria PSR, Luiz Barroso, a proposta de revisão das garantias é “muito positiva” e “fundamental” para “uma privatização saudável” da Eletrobras e de outros ativos hidrelétricos.
Embora as usinas da Eletrobras devam provavelmente passar por cortes nas garantias nessa revisão, isso levaria a números mais realistas, o que reduziria as chances de a empresa ter que comprar energia no mercado para compensar uma menor produção, quando ela deixar o regime de cotas, disse o consultor Alexandre Viana, diretor da Thymos Energia.
“Você tira um risco. A pior coisa para um investidor é não conseguir precificar algo”, afirmou.
Ele ressaltou, no entanto, que a privatização da estatal deve atrair intenso interesse, principalmente devido à redução das taxas de juros pelo mundo, que aumenta o apetite de investidores por negócios que possam gerar retornos estáveis.
“Você não tem ativos a nível mundial desse tamanho e dessa qualidade, mesmo as usinas que não estão ‘performando’ bem. São ativos muito bons”, afirmou.
Outras hidrelétricas
A medida que prevê a revisão de garantias também atingiria hidrelétricas das estatais estaduais Cemig, Copel e CEEE, que pretendem vender o controle de algumas de suas hidrelétricas para aproveitar um decreto do governo Bolsonaro que permite renovação por 30 anos dos contratos das usinas em caso de desestatização.
De acordo com a proposta da reforma, a revisão para as hidrelétricas privatizadas não teria qualquer limite de variação em relação à garantia física anteriormente vigente.
Pela legislação atual, as garantias não podem ser reduzidas em mais de 5% a cada ciclo de revisão ou 10% ao longo dos contratos de concessão, o que dificulta um ajuste mais preciso dos cálculos.
O presidente da Neoenergia, controlada pelo grupo espanhol Iberdrola, Mario Ruiz-Tagle, disse no mês passado que a empresa não tem priorizado a análise de ativos hidrelétricos devido às dificuldades para estimar riscos relacionados à hidrologia.
“Hoje é muito difícil precificar hidrelétricas… é algo que não estamos conseguindo calcular, e não só nós, estão todos um pouco perdidos com o GSF (nome técnico para o risco hidrológico)”, disse o executivo à Reuters, ao ser questionado sobre um possível interesse nas usinas de Cemig, Copel e CEEE.
Para Barroso, da PSR, o histórico recente negativo de produção das hidrelétricas frente às garantias faz com que muitos investidores simulem um desempenho futuro também ruim, o que eventualmente pode pesar sobre o interesse pelos ativos da fonte.
Assim, as hidrelétricas poderiam sair como “vencedoras” em caso de aprovação da reforma, segundo ele, que defendeu a proposta como um todo.
Os estudos que levaram ao atual projeto para modernização do setor elétrico começaram em 2017, ainda sob o governo do presidente Michel Temer, quando Barroso chefiou a estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE).
“A reforma finalmente coloca o Brasil com um desenho de mercado bastante parecido com o já existente em diversos países que tiveram sucesso com seus mercados”, afirmou.
A proposta prevê também uma gradual liberalização do mercado de energia, o que permitiria que no futuro todos consumidores possam negociar seu suprimento diretamente com geradores e comercializadoras, ao invés de serem atendidos obrigatoriamente pelas empresas de distribuição.
“Ainda temos muitas coisas a acertar, há o desafio da regulamentação, mas é um grande passo rumo à atração de mais investimentos e, sobretudo, à busca pelo preço de energia mais competitivo possível ao consumidor final”, afirmou.