Setor Elétrico

Análise: Emissão de debêntures por elétricas será recorde e já compete com BNDES e BNB

26 ago 2019, 16:38 - atualizado em 26 ago 2019, 16:38
A demanda pelas emissões tem sido ajudada pela criação de fundos de infraestrutura voltados à compra das debêntures (Imagem: REUTERS/Ueslei Marcelino)

Grandes elétricas devem registrar neste ano um recorde no uso de debêntures de infraestrutura para levantar recursos para investimentos, com as emissões já obtendo em algumas ocasiões custos mais competitivos para financiar usinas de geração e linhas de transmissão do que empréstimos de bancos de desenvolvimento, disseram especialistas à Reuters.

Debêntures incentivadas captaram 14,3 bilhões de reais até julho, contra 21,6 bilhões no ano inteiro de 2018. Os projetos de energia responderam pela maior parte, com 11,9 bilhões de reais nos primeiros sete meses, contra 19,3 bilhões nos doze meses do ano passado, segundo boletim do Ministério da Economia.

O Santander Brasil avalia que as emissões como um todo podem chegar à casa dos 30 bilhões de reais até o final de 2019, com os projetos de energia respondendo por cerca de 80% desse volume, o que marcaria um novo recorde para o setor, disse o chefe de project finance do banco, Edson Ogawa.

“Há até uma situação bastante incomum, com alguns projetos sendo financiados integralmente via mercado de capitais, que tem sido competitivo em relação aos bancos de desenvolvimento como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e até o Banco do Nordeste (BNB) em alguns casos”, afirmou.

Ele citou como exemplo operação da empresa de transmissão Tropicália, controlada por fundos de investimento do BTG Pactual, que lançou 407 milhões de reais em debêntures com vencimento em 2043 e quitou antecipadamente empréstimo do BNB.

“Com certeza, esse é um caso que vai servir de referência e tendência, porque é realmente um evento bastante expressivo. Substituir um financiamento do BNB por 100% via mercado de capitais é algo que seis meses atrás, um ano atrás, era impensável”, acrescentou Ogawa.

O aquecimento nas captações ocorre em meio à redução dos juros de longo prazo no Brasil, que obrigou investidores a buscar ativos de maior risco para assegurar retornos maiores, e à mudança nos empréstimos do BNDES, que passaram a ser atrelados à Taxa de Longo Prazo (TLP), cortando subsídios antes presentes nas operações.

Essa situação tem favorecido a atratividade das debêntures de infraestrutura frente a outras alternativas e inclusive possibilitado o alongamento dos prazos.

“As debêntures de infraestrutura tinham prazos de 12 a 14 anos… em transmissão a gente já vê passarem a barreira dos 20 anos. Quem poderia imaginar, há dois, três anos, que a gente teria emissões de mercado com prazo tão longo?” questionou o chefe de project finance do Itaú BBA, Marcelo Girão.

“Se a gente mantiver essa perspectiva de longo prazo, de juros comportados e inflação sob controle, acho que dá sim para prazos longos serem cada vez mais frequentes em setores realmente estáveis. Em geração, acho que dá pra chegar em 18, 20 anos, e transmissão um pouco mais, se mantiver a estabilidade do marco regulatório”, concluiu.

Além da Tropicália, do BTG, a transmissora Taesa, controlada pela estatal mineira Cemig e pela colombiana Isa, levantou em operação concluída em maio 1 bilhão de reais com debêntures, sendo 210 milhões com vencimento em 25 anos.

Já a EDP Brasil obteve 800 milhões de reais neste mês com debêntures que vencerão em 2039 para financiar as obras de um projeto de transmissão arrematado em leilão do governo em 2017.

A demanda pelas emissões tem sido ajudada pela criação de fundos de infraestrutura voltados à compra das debêntures –o número de fundos como esses cresceu 50% no primeiro semestre de 2019 na comparação com o ano de 2018, enquanto os recursos sob gestão tiveram expansão de 100% no período, segundo o Santander.

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Papel do BNDES?

Os bancos de fomento, no entanto, seguem como uma fonte importante de recursos, principalmente para projetos nas regiões Norte e Nordeste, que têm acesso a recursos subsidiados de fundos de desenvolvimento regional.

A Equatorial Energia, por exemplo, assegurou empréstimos do BNDES para dois projetos de transmissão em andamento, enquanto outros quatro empreendimentos da empresa no setor serão financiados com fundos do BNB e debêntures e dois com recursos do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia e debêntures.

“Frente ao pico que houve no passado, a participação do BNDES diminuiu. Hoje isso já se divide com outras fontes, a principal delas o mercado de capitais, mas o BNDES ainda conta com uma parcela importante, assim como os bancos regionais de fomento”, disse Girão, do Itaú BBA.

As operações de projetos de eletricidade e gás contratadas junto ao BNDES somaram 25,6 bilhões de reais em 2018, bem acima dos 15,7 bilhões de reais de 2017 e da mínima de 8,2 bilhões em 2016, mas distantes do recorde de 39,8 bilhões em 2012.

“A tendência de encolhimento é clara, ela vem acontecendo e veio para ficar, mas não está no cenário o BNDES deixar de ter um papel no setor”, disse o pesquisador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Gesel-UFRJ), Roberto Brandão.

Ele lembrou que o próprio BNDES passou a incentivar a emissão de debêntures por projetos apoiados pelo banco, principalmente a partir de 2015, com financiamentos via mercado ganhando força extra recentemente pela queda nas taxas de juros.

“O diferencial de custo já não existe em muitas ocasiões”, disse.

Nesse cenário, o BNDES poderia eventualmente aproveitar para focar a atuação em projetos mais complexos, que poderiam ter maiores dificuldades para obter recursos no mercado, acrescentou Brandão.

O novo presidente do BNDES, Gustavo Montezano, disse ao assumir o cargo em julho que pretende reestruturar a instituição, focando o apoio ao governo em privatizações. Ele afirmou na ocasião, no entanto, que a participação do banco pode ser necessária em concessões de serviços públicos como saneamento e infraestrutura.