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Alimentos e petróleo deveriam fortalecer poder do Brasil, diz expert em geopolítica

04 ago 2022, 15:46 - atualizado em 04 ago 2022, 16:49
Aviação Agronegócio
Voando: agronegócio brasileiro alimenta 1 bilhão de pessoas no mundo, lembra Carmona (Imagem: Divulgação/ Sindag)

A escalada dos preços dos alimentos em todo o mundo deveria ser tratada estrategicamente pelo Itamaraty para fortalecer o poder do Brasil no mundo. Afinal, além dos cerca de 220 milhões de brasileiros, o agronegócio verde-amarelo alimenta 1 bilhão de pessoas em todo o planeta.

“O Brasil não é só um grande produtor; é também um provedor de segurança alimentar para o mundo”, ressalta Ronaldo Carmona, professor de Geopolítica na Escola Superior de Guerra (ESG), onde ministra aulas nos cursos de Altos Estudos em Política e Estratégia, de Estado Maior Conjunto e de Inteligência Estratégica, dentre outros. Ainda na ESG, coordena o Grupo de Pesquisa sobre Guerra.

Carmona também é Sênior Fellow do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais). Para ele, o petróleo também é um trunfo que pode projetar a influência do país, num momento em que as sanções contra a Rússia e o próprio corte russo no fornecimento de gás para a Europa pressionam os preços do barril.

“Nos últimos anos, tivemos um desinvestimento das majors em torno da exploração de combustíveis fósseis para transição de matriz energética”, observa Carmona. “Isso abre uma vantagem para o Brasil, que, além do pré-sal, é um grande player na exploração de combustíveis fósseis e na transição energética”, arremata.

Veja os principais trechos da entrevista concedida por Carmona ao Money Times.

Money Times – Qual postura diplomática o Brasil deveria adotar para conseguir uma considerável redução nos preços dos alimentos e combustíveis?

Ronaldo Carmona – O Brasil é um grande produtor de alimentos e está se aproximando da meta de produzir 300 milhões de toneladas de grãos. Em 2001, este número foi de cerca de 100 milhões de toneladas, de modo que o Brasil não é só um grande produtor; é também um provedor de segurança alimentar para o mundo.

Segundo dados da Embrapa, além da nossa população de 220 a 230 milhões, somos responsáveis pelo abastecimento de 1 bilhão de habitantes no mundo. No que diz respeito aos alimentos, nós, na verdade, contribuímos para a estabilidade no preço, em função do déficit na oferta mundial de alimentos.

No plano interno, a nossa condição de exportador líquido de alimentos nos permite reduzir o preço interno dos alimentos, aumentando a oferta, não dependendo necessariamente do sistema internacional.

Em relação aos combustíveis, é algo parecido, visto que somos grandes produtores energéticos (petróleo e gás). O nosso problema é a capacidade de refino em relação à demanda de combustíveis.

Nos alimentos, a nossa vulnerabilidade são os fertilizantes. Sobre os combustíveis, a vulnerabilidade é escassa capacidade de refino.

A nossa diplomacia deve girar em torno de problemas internos, em vista de mitigar vulnerabilidades. A questão dos alimentos e combustíveis acaba sendo também um fator de poder e força para o nosso país e o bem-estar da nossa população.

MT – O acordo de exportações de grãos entre Rússia e Ucrânia conseguirá se manter?

Carmona – Devemos considerar que aquela é uma região de guerra. Os bloqueios dos portos, em especial o de Odessa, são inerentes a isso. A Rússia busca atingir objetivos militares, principalmente no que diz respeito à conquista de territórios no sul da Ucrânia, na margem norte do Mar Negro.

Assim como a Ucrânia, em uma atitude defensiva, busca espalhar minas marítimas ao longo do Mar Negro, para impedir um domínio russo na região. Considero esse acordo bastante frágil, pois é fruto de um ambiente de guerra.

“Novo pré-sal”: Carmona destaca o potencial da margem esquerda do Brasil (Imagem: Divulgação/ Cebri)

MT – Por que a Opep não aumenta logo a produção de petróleo para preencher o vácuo deixado pela Rússia?

Carmona – Existe um movimento mais estrutural no mercado do petróleo, relacionado ao problema da transição energética. Existe um claro posicionamento dos países, principalmente os desenvolvidos, contra os combustíveis fósseis, o que acaba gerando um ajuste e desinvestimento de grandes empresas na extração desse tipo de combustível, realocando recursos para a transição.

A Guerra da Ucrânia colocou em xeque o abastecimento dos combustíveis fósseis, que garantem a estabilidade energética do mundo. A Opep não consegue aumentar rapidamente sua produção, sendo um problema estrutural.

Nos últimos anos, tivemos um desinvestimento das majors em torno da exploração de combustíveis fósseis para transição de matriz energética.

Isso abre uma vantagem para o Brasil, que, além do pré-sal, é um grande player na exploração de combustíveis fósseis e na transição energética. Incluindo tanto a questão da vantagem comparativa, quanto um cenário de escassez.

Participei de um estudo sobre o gigantesco potencial da margem equatorial, onde existiria um “novo” pré-sal. Isso abriria novas possibilidades para o Brasil

Respondendo objetivamente, a Opep não aumenta rapidamente a sua produção, pois não tem capacidade. Acabou ocorrendo um vácuo de aproximadamente 8 milhões de barris de petróleo/dia, no mercado internacional, que eram produzidos pela Rússia. Atualmente o petróleo russo é vendido principalmente para China e Índia.

MT – A guerra e as sanções à Rússia aumentam a chance de o acordo comercial entre Mercosul e Europa ser aprovado?

Carmona – Vivemos um cenário de muita dificuldade para efetivar o acordo entre União Europeia e Mercosul, pois os europeus têm colocado um conjunto de novas exigências de natureza ambiental, trabalhista e social.

Inclusive, há uma certa politização do acordo. Em tese o objetivo, desse acordo é comercial, mas acaba girando em torno de questões políticas.

O mundo, hoje, é desfavorável a acordos de livre-comércio. A tendência mundial é a regionalização do comércio, atraindo de volta empresas para o próprio território, numa espécie de “desglobalização”. O cenário é bem diferente dos anos 90, cujo contexto era globalização.

Cada país busca uma maior resiliência. Sou bastante pessimista em relação ao acordo, tanto pelo entrave entre ambos os blocos, quanto pela atual tendência de os governos focarem mais em interesses nacionais.

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