Algumas verdades desagradáveis que parte da esquerda não deseja ouvir
Por Caio Reis, discente do curso de Ciências Econômicas FACE/UFMG. Membro do Grupo de Análise da Conjuntura Mineira (UFMG) – Para o Terraço Econômico
Apesar da esquerda – representada por Fernando Haddad no Segundo Turno – ter perdido a eleição, parte dela parece que deseja insistir nos erros que levaram a este resultado, dissociando-se cada vez mais da população. Faço isso, não para criticar as estratégias ou apontar culpados, mas sim por acreditar que mais que nunca os partidos de esquerda têm que se renovar, formando uma oposição que fortaleça a democracia. Abandonando sua arrogância e autoafirmação como baluarte da virtude, que a coloca cada vez mais distante de boa parte da população. Segue algumas verdades desconfortáveis.
O primeiro grande equívoco é continuar usando o discurso do golpe, que não funciona para 70% da população e ainda acaba enfraquecendo as instituições, afinal se já vivêssemos em uma ditadura desde 2016, qual o problema de elegermos pessoas que atacam os ideais democráticos?
Lula livre não é uma bandeira aglutinadora da sociedade, e sua imagem na última eleição mais atrapalhou que ajudou no segundo turno, tanto que Bolsonaro foi quem mais utilizou referências ao ex-presidente Lula. Mesmo sabendo disso, após as eleições o PT já deu sinais que vai intensificar a campanha pela libertação do Lula, contribuindo ainda mais para fragmentação da oposição entre os partidos ligados ao PT e os demais que não compactuam com este discurso, como a REDE, o PSDB, o PDT entre outros.
A esquerda também não é a representante natural da sociedade, ainda mais com o novo perfil desta (mais conservador). Por qual motivo então a esquerda se intitula como tal, rotulando opositores políticos como “inimigos do povo”? Mais do que nunca é preciso ouvir a população e defender ideias que tenham apoio desta, sem decidir a priori o que é ou não de interesse popular.
Além disso, não é possível continuar negando a ideia de restrição orçamentária, adotando o discurso “nenhum direito a menos”, que acabou sendo uma sombrinha para acomodar pautas de setores privilegiados, como parte do funcionalismo público e dos sindicatos.
Questionar à imprensa por anos, negando seu direito de errar ou mesmo de tomar posição, só contribui para a sua fragilização. Muito ingênuo defender a checagem de notícias falsas em canais tradicionais, quando se atacou estes por anos – e ainda se continua atacando.
Fora os ataques à imprensa, ocorreu também ataques à oposição democrática, algo que vem ocorrendo desde a eleições anteriores, vamos lembrar das propagandas agressivas denegrindo a então candidata Marina Silva em 2014, que fez com que todo o campo democrático se enfraquecesse. Esses ataques cruzados, apenas fizeram com que a população criasse aversão à todas as forças políticas tradicionais.
Importante também é destacar que fora Temer não é proposta, nem cria diálogo. Apesar de ser cômodo dado sua impopularidade. Mais do que “boicotar” um governo, se opondo a praticamente tudo que ele propõe, é preciso apresentar propostas e agir de maneira consistente, inclusive apoiando projetos que façam bem ao país (mesmo que colocados por partidos ou governos que não apoiam). A grande questão é que negar a realidade, inventando bodes expiatórios, não contribui em nada.
Neste momento, é colhido os efeitos negativos da judicialização. Vamos lembrar de que nós a incentivamos, e continuamos fazendo isso, no momento em que queremos que o STF ou o STJ legalize o aborto por exemplo. Afinal somos contra toda a judicialização ou só a parte que convém?
Dito isso, espero que parte da esquerda que continua seguindo estes erros evidentes reformule seus planos. Afinal esta divisão entre uma “esquerda pé no chão” e uma “esquerda romântica” que para justificar seus erros no passado e manter suas bases existentes unificadas (afinal existe aceitação entre os militantes sobre pautas como Lula Livre), desestrutura a (já reduzida) oposição como um todo.