Coluna do Anderson Gurgel

Água nos negócios criativos: Por que oferecer a bebida importa?

27 set 2023, 8:12 - atualizado em 27 set 2023, 8:12
negócios
Em muitas cidades do mundo “a água da casa” é oferecida aos clientes e isso está longe de gerar perdas ou prejuízos (Imagem: Getty Images/Canva Pro)

A aprovação de Lei Estadual Paulista para a oferta gratuita de água em bares e restaurantes seguida de liminar na Justiça embargando essa iniciativa mostra que, mesmo em setores que deveriam buscar na criatividade o seu diferencial de negócio, muitas vezes permeia visões pequenas e nada conectadas com os anseios do mundo atual.

Por força de várias contingências pessoais e profissionais, estive um pouco afastado desta coluna. Infelizmente nesse tempo de distanciamento muita coisa aconteceu no cenário dos negócios criativos. Foram vários os temas importantes que deixei de publicar até essa retomada. Brevemente relembro alguns que gostaria muito de ter discutido aqui e que pretendo voltar oportunamente:

Um assunto relevante e com vários aspectos é a expansão da cultura e dos negócios periféricos. Da ExpoFavela a Perifacon, vários são os eventos e negócios que mostram a força da criatividade nas periferias e favelas.

Outro assunto que poderia ter marcado a minha volta a este espaço poderia ter sido a Copa do Mundo de Futebol Feminino, realizada na Austrália e Nova Zelândia. Com esse evento, foram explicitados desafios para o futebol em uma nova era global, em que se discute diversidade e inclusão versus as tensões que cercam um esporte apaixonante, mas que tem redutos de ódio e preconceito que precisam ser vencidos.

Um terceiro assunto extremamente relevante e que teria sido uma ótima retomada deste espaço foi a realização do The Town, megafestival de música realizado pela mesma produtora do Rock In Rio pela primeira vez em São Paulo. O evento movimentou o turismo e vários setores do entretenimento da capital paulista, mas pecou em alguns aspectos de serviço, deixando uma grande responsabilidade para outras edições do evento.

Enfim, vários poderiam ter sido os assuntos para a retomada deste espaço. Mas o assunto que marca a minha volta é algo mais elementar, banal, quase que um inesperado assunto: água.

Na profusão de coisas que acontecem na sociedade acelerada em que vivemos, talvez muitos dos leitores e leitoras desta coluna não tenham se dado conta, mas uma pequena batalha vem sendo travada no Estado de São Paulo e envolve a ideia de se oferecer água gratuitamente em bares e restaurantes.

Em agosto deste ano a Assembleia Legislativa (Alesp) aprovou lei que obriga bares e restaurantes a oferecer água filtrada a clientes nos atendimentos e sem custo. Tão logo foi sancionada pelo governo estadual, uma entidade representando parte do empresariado da área entrou com ação na justiça questionando o projeto e os efeitos legais ficaram suspensos até que um desfecho judicial resolva a questão.

Pondo água nos negócios

E por que este assunto é tão relevante para esta coluna? Caros leitores e leitoras, a rápida organização e predisposição de parte do empresariado para defender os pequenos interesses da venda de água como forma de hidratar as contas dos seus clientes ilustra como, mesmo em áreas conectadas a criatividade, nem sempre as ações coadunam com esse paradigma.

São muitas as cidades do mundo em que “a água da casa” é oferecida aos clientes e isso está longe de gerar perdas ou prejuízos para os empreendedores do ramo de bebidas e alimentação. Mesmo no Brasil, a cidade mais turística do país, o Rio de Janeiro, já tem essa lei e ela já foi normalizada pelo empresariado local, sem qualquer sinal de que isso esteja colocando em risco os negócios locais.

Afinal, é difícil imaginar que clientes escolham lugares para comer ou beber pela intenção de se empanturrar com litros de água. Muito pelo contrário, na cultura do vinho e de jantares mais sofisticado, a hidratação permite uma melhor apreciação de comidas e bebidas.

Para além da sede dos clientes, a polêmica judicial mostra uma desidratação do pensamento de parte dos empreendedores da área que não percebem que não será o acréscimo de alguns reais com a venda de água que vai ativar ou mesmo diferenciar seus negócios.

Muito pelo contrário, se algo tão elementar coloca em risco o empreendimento, algo está muito errado no modelo de negócio adotado por bares e restaurantes que se sentem ameaçados.

O paradigma da economia criativa mostra que é a criatividade conectada a valores que diferencia modelos de negócios e produtos. Belos drinks, cartas de vinho diferenciadas e pratos criativos sempre atraem clientes e geram diferenciação. Não é o líquido mais básico e vital para a vida humana que deve ser o pilar dos negócios.

Além dos mais, em tempos de aquecimento global, hidratar-se fartamente será uma exigência e um dos maiores desafios para o ser humano. O acesso à água deve ser facilitado e, com muita criatividade em produtos serviços, ele pode estimular o consumo de outros itens que, de fato, podem ser carros-chefes de estabelecimentos que buscam seu lugar no competitivo e muito instável mercado de bares e restaurantes.

Torço para que o empresariado contra o acesso gratuito à água hidrate suas ideias e perceba que não é a venda desse precioso líquido que vai expandir seus negócios, mas a pequenez de estratégias, brigando por moedas e pequenos valores em reais, pode sim determinar a aridez para as relações e percepção de marcas do segmento junto a um público mais qualificado numa área de ampla competição.

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