Agro responde por 33 dos 50 maiores doadores de Bolsonaro e alavanca finanças da campanha
O apoio de grande parte do setor agropecuário ao presidente Jair Bolsonaro (PL) se traduziu nesta eleição em doações fundamentais para alavancar sua campanha pela manutenção no cargo, com um modelo de financiamento mais dependente de pessoa física ressaltando a preferência massiva dos agricultores.
Dos 50 maiores doadores da campanha bolsonarista pesquisados pela Reuters, 33 têm ligação com o agronegócio, entre agricultores, pecuaristas e demais executivos do setor, conforme dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No topo do ranking dos doadores ligados ao agronegócio está o empresário Hugo de Carvalho Ribeiro, com 1,2 milhão de reais doados, cunhado do ex-ministro da Agricultura Blairo Maggi e acionista do conglomerado agrícola Amaggi.
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Cada um dos demais 32 nomes analisados pela reportagem fizeram doações de, no mínimo, 200 mil reais ao atual presidente.
As razões para o apoio do agronegócio a Bolsonaro são várias, com fazendeiros valorizando pautas do candidato à reeleição relacionadas ao uso da terra, como direitos de desflorestamento conforme a legislação e apoio a projetos para afrouxar regras ambientais no Congresso, além da incorporação de áreas indígenas para produção e mais facilidade para posse de armas.
Ao mesmo tempo, boa parte do agro refuta a ligação histórica do PT com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que pressiona pela reforma agrária e desapropriação de terras improdutivas.
Há ainda o alinhamento conservador com Bolsonaro, com o público majoritariamente contra o aborto, por exemplo, além de questões econômicas.
No interior do Brasil, onde se concentram as propriedades rurais, o crescimento tem sido acima da média do país em meio à pandemia, algo que favorece a opção pelo candidato do PL.
De acordo com o TSE, Bolsonaro havia recebido até terça-feira 96,5 milhões de reais em receitas destinadas para a campanha eleitoral.
Do total, cerca de 77 milhões foram provenientes da contribuição de pessoas físicas, ou quase 80%, enquanto os recursos transferidos de partidos somam 19,2 milhões de reais e correspondem a 19,9% do montante total.
O concorrente na disputa pela Presidência no segundo turno, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), conta com uma estrutura financeira diferente para a campanha, apoiada nos recursos públicos do partido, que recebeu cerca de 500 milhões do fundo partidário.
O ex-presidente recebeu 126,8 milhões de reais em receitas para a corrida eleitoral deste ano, segundo o TSE, das quais somente 1,33% vem de pessoas físicas e cerca de 1,5% de financiamento coletivo.
A maior parte, ou aproximadamente de 97% dos recursos, é de transferência de partidos relacionadas a recursos dos fundos eleitoral e partidário, com 122,16 milhões do PT.
Nenhum membro do setor agrícola se destaca entre os maiores doadores pessoa física do petista, segundo os dados.
“As candidaturas do PT são muito mais institucionalizadas, vêm mais dos canais de fundo eleitoral partidário. A candidatura Bolsonaro é menos dependente de um partido, é menos institucionalizada”, disse à Reuters o sócio da Tendências Consultoria, Rafael Cortez.
Além disso, o analista afirmou que, no início das eleições de 2022, o PL de Bolsonaro tinha um desafio, pois precisaria lidar financeiramente com muitos candidatos e menos recursos, por ter uma bancada menor no Congresso –o partido para o qual o presidente migrou apenas no ano passado, após ficar dois anos sem sigla, recebeu pouco menos de 290 milhões em fundos públicos.
Cortez também destacou que a candidatura do governo que está tentando a reeleição costuma ter um poder de atração maior para doadores, do que seus oponentes.
“No caso do bolsonarismo, ainda há laços políticos com os doadores e uma parte deles é apoiada ao agronegócio”, disse.
Papel do Agro na doação
O presidente do Instituto Pensar Agro (IPA), Nilson Leitão, afirmou que, sem dúvida, há uma preferência do produtor, do setor rural, para a candidatura de Bolsonaro.
“Há algumas regiões em que produtores se organizam para doar. Está acontecendo isso”, disse ele.
Leitão, que é ex-deputado federal e está na liderança do instituto que presta assistência técnica para a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), acredita que o fato de o Brasil ter proibido doações de pessoas jurídicas contribuiu para que o produtor rural assumisse um papel de maior destaque entre os doadores pessoa física.
As doações de empresas estão vetadas desde a eleição de 2016.
“No Centro-Oeste, a doação de produtores para campanhas sempre aconteceu”, justificou, lembrando que a maioria era destinada a candidatos da direita, em especial aos que prometem oferecer mais segurança para as propriedades rurais, por exemplo.
Um dos campeões de doação como pessoa física neste ano é o empresário Rubens Ometto, do conglomerado Cosan, ainda que não tenha participado da lista dos que colaboraram com as campanhas de Lula e Bolsonaro, segundo os dados do TSE.
Ometto realizou doações de 8,9 milhões de reais, tendo feito as maiores para PSD, que liberou voto na disputa nacional, e Republicanos e PP, da coalizão de Bolsonaro, além de Tarcisio de Freitas, candidato bolsonarista ao governo paulista.
Entre os beneficiados pelas doações do empresário aparecem ainda Carlos Zarattini, deputado federal pelo PT, o ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles (PL) e candidatos de diversos partidos.
E depois?
Na hipótese da vitória de Bolsonaro na eleição presidencial, o setor agrícola deve contar com a afinidade do líder do Executivo e com uma bancada ruralista mais forte no Congresso Nacional, após a reeleição de cerca de 65% dos parlamentares que a compõem.
Caso Lula vença, o petista precisará de mais esforço para construir pontes com o agronegócio, mas “nada que seja visto como um problema grave”, avaliou o sócio da Tendências.
“O governo Lula deve ser bastante plural, abrir diversos espaços para todos os setores econômicos, é um convite à negociação. Vai depender muito da agenda que será defendida por ele”, disse Cortez.
O especialista comentou ainda que serão necessárias muitas barganhas e coalizões partidárias do petista, com um nível de dificuldade maior do que nas gestões anteriores, de 2003 a 2010.
“Antes, o ambiente era menos radicalizado, o legado do governo que o precedeu era mais virtuoso e com maiores dotações orçamentárias. Boa parte do que o Lula construiu (em termos de alianças no Congresso) veio com gastos que agora seriam mais diminutos.”
O cientista político e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) Mathias Alencastro lembrou que o agronegócio tem um componente ideológico “irredutível”, voltado à direita, “mas já viveu lua de mel” com governo do PT, como durante a gestão da ex-ministra da Agricultura Kátia Abreu, “e isso pode ser restaurado”.
Ele disse ainda que o ex-governador Geraldo Alckmin (PSB), vice de Lula, também é uma figura favorável ao agro.
“Além disso, o agro tem que lidar com questões como a climática e a imagem do setor junto à União Europeia. Neste sentido, um governo do PT seria muito mais útil nesse momento.”
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