Agentes autônomos: Por que é preciso reexaminar as regras destas sociedades
O Brasil possui um sistema bancário desenvolvido, apesar de concentrado em poucos players. Por diversos motivos, especialmente históricos e econômicos, os bancos sempre privilegiaram emprestar e não captar recursos.
E a escolha era plenamente justificável, porque a taxa de juros brasileira costuma ser muito elevada. Em suma, a atenção dos bancos volta-se preponderantemente ao cliente que toma recursos e não àquele que investe.
Esse modelo, porém, vem dando sinais de esgotamento, o que pode ser explicado por diversos fatores, especialmente o avanço do nível de educação financeira do investidor brasileiro. Nesse sentido, e percebendo a lacuna deixada pelas instituições bancárias, que não dedicam os seus melhores esforços na rentabilização dos investimentos dos seus correntistas, as corretoras de valores decidiram ocupar esse espaço.
E, para alcançar tal objetivo, dobraram a aposta no modelo de negócios baseado em agentes autônomos de investimentos (chamados de AAI), que sofreu uma verdadeira revolução após a pandemia.
Se até pouco tempo atrás, o agente autônomo fazia jus ao repasse das comissões derivadas dos clientes por ele atendidos, hoje se fala em “mínimo garantido”, metas por captação, upfront, luvas, partnership e assim por diante. Além disso, muitas sociedades de agentes autônomos encontram-se próximas de esgotar o limite do enquadramento no lucro presumido, o que provocará consequências importantes em termos de gestão e de performance financeira.
Apesar do aquecimento do mercado e da intensa concorrência entre as corretoras e entre as sociedades de agentes autônomos, as regras que disciplinam a profissão do AAI sofreram poucas modificações ao longo dos anos. Resumidamente, o profissional deve estar habilitado na CVM, o que se alcança mediante prévia aprovação em exame específico.
Sociedades de agentes autônomos possuem limitações
Além disso, as regras do regulador do mercado permitem que os AAIS reúnam-se em sociedade. Entretanto, esse tipo societário possui uma série de limitações, tais como: objeto único, não pode ser empresária, somente pode admitir sócio que seja agente autônomo e assim por diante.
O desenho jurídico de uma sociedade de agentes autônomos é muito parecido com aquele concebido para uma sociedade de advogados. Isso porque o exercício da atividade não é prerrogativa da sociedade, mas, sim, do sócio. Diferentemente das sociedades empresárias, a de agentes autônomos não exerce atividade, mas viabiliza o exercício da profissão por parte dos seus sócios.
E tais questões dão origem a uma série de questionamentos — como existência de fundo de comércio, titularidade da carteira de clientes, possibilidade jurídica da inserção de cláusulas com eficácia pós-contratual, dentre elas as de não concorrência, não aliciamento e não solicitação.
Como a legislação é demasiadamente singela, tem-se criado inúmeros instrumentos normativos para suprir essas lacunas. Porém, há muitas dúvidas se tais disposições são compatíveis com a atual natureza jurídica delas.
As sociedades de AAI cresceram rápida e exponencialmente, de modo que o arcabouço normativo atual parece não dar conta das necessidades de mercado. Como diz a célebre frase, os fatos sobem de elevador, e o direito sobe de escada. Recentemente, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou uma normativa que permitirá à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) regulamentar a questão de forma diferente, pois abriu a porta para esse tipo de sociedade se tornar empresária.
Cabe-nos agora aguardar como e quando a CVM se pronunciará a respeito, porque essa decisão é muito importante e trará consequências profundas, independentemente do caminho a ser escolhido. Afinal, mesmo que a escolha seja por reafirmar o desenho jurídico atual, é prudente que o regulador explicite de modo mais detalhado os limites da autonomia privada das partes, porque, do jeito que está, não é recomendável continuar.
Guilherme Bier Barcelos é sócio do RMMG Advogados, onde é o head da área societária. Graduado e Mestre em Direito pela UFRGS, é Doutorando em Direito Comercial na Universidade de São Paulo (USP). Foi pesquisador visitante junto ao Max Planck Institute for Comparative and International Private Law, em Hamburgo (Alemanha) no ano de 2018.
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