Agenda ESG nas corporações: Ainda há muito o que avançar na Governança e no Social
No último mês de março, muitos dados novos sobre o avanço da agenda ESG nas empresas foram divulgados, por conta das celebrações do Dia e do Mês Internacional da Mulher, além da comemoração do Dia Internacional da Luta pela Eliminação da Discriminação Racial – essa última no dia 21, ambas as datas instituídas pela ONU.
De forma geral, a constatação é de que ainda há muito a ser feito para que a questão da diversidade, de fato, avance na agenda ESG das corporações. E não é apenas sobre equidade de gênero e racial; é preciso dar espaço a todos os grupos minoritários. Mas, para além do Social (o “S” do ESG), também é preciso avançar na Governança (o “G”), estabelecendo metas e prazos para a implementação das políticas de inclusão dentro das companhias, além de comunicá-las de forma transparente e recorrente.
De acordo com a mais recente pesquisa “Mulheres na Liderança”, realizada pela ONG WILL (Women in Leadership in Latin America) com 207 grandes empresas e publicada com exclusividade pelo jornal Valor Econômico em 31/03, a ação inclusiva que mais cresceu foi a adoção de ferramentas de denúncia ao racismo e discriminação, além de gênero e raça, também contra pessoas PCDs, LGBTQIA+ e acima de 50 anos.
Porém, não basta as empresas criarem políticas inclusivas. É preciso que representantes das minorias sejam ouvidos e participem ativamente de processos de aperfeiçoamento dessas iniciativas, que, por sua vez, devem ser continuamente reavaliadas, para verificar se estão sendo, de fato, efetivas.
Ainda segundo a pesquisa da WILL, mais da metade das empresas pesquisadas respondeu que atua com políticas voltadas para mulheres pretas ou pardas como uma de suas principais políticas de inclusão de minorias, que, além das ferramentas de denúncia de racismo (53%), incluem o monitoramento da proporção dessas colaboradoras nas equipes (44%) e metas de contratação (16%).
Presença feminina cresce lentamente
Embora o avanço da agenda ESG entre as grandes empresas seja visível, acontece muito lentamente. Posso afirmar isso com alguma tranquilidade, pois, há muito tempo, nossa associação se preocupa com a participação ainda pequena das mulheres no mercado de capitais, seja como profissionais de investimento, executivas e conselheiras de companhias abertas ou investidoras.
Embora alguns avanços venham ocorrendo desde os anos 1980, os números mostram que a participação ainda fica na faixa dos 10%-25% nesses segmentos. Por exemplo, com base em março de 2023, do total de 1.296 analistas credenciada (o)s, apenas 185 são mulheres, ou seja 12% do segmento. No quadro de associada(o)s, as mulheres são 13%.
No passado, algumas explicações eram aceitas quando se questionava a razão da baixa presença das mulheres em cargos de liderança. Hoje, não mais. A natureza do trabalho presencial, intenso e que requeria constantes viagens a trabalho afastava a mulher da atividade quando chegava a fase da maternidade e do cuidado com familiares idosos – questão que historicamente (e infelizmente) sempre foi delegada quase que totalmente a elas. Também havia menos mulheres com formação em economia, finanças e administração de empresas.
Estamos na segunda década do Século XXI e, no Brasil e no resto do mundo democrático, as mulheres conseguiram aumentar sua presença nas universidades, inclusive nas carreiras consideradas “masculinas”. As famílias ficaram menores e mais diversas e as leis, mais protetoras dos direitos das mulheres, crianças e idosa (o)s.
O avanço tecnológico permite trabalhar a distância. A introdução dos princípios ESG na gestão de companhias e fundos também vem contribuindo para, se não mudar esse quadro imediatamente, chamar a atenção para ele.
ESG e os desafios da inclusão racial
E para aumentar a participação feminina no mercado de trabalho é fundamental que mais mulheres negras, e homens negros também, ingressem nas universidades. Aqui entra o papel fundamental da Lei de Cotas, que completou uma década em 2022 e deve passar por uma revisão. Mas o acesso de negros e pardos às instituições de maior prestígio, justamente as mais procuradas pelas empresas na hora de contratar, ainda está longe do ideal.
Segundo o Censo da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 2021, compilados pela consultoria Plano CDE, pretos e pardos representam 16,1% do quadro discente nas escolas mais procuradas por empresas no Estado de São Paulo, como Fundação Getulio Vargas e Insper. Já nas faculdades menos visadas, representam 31,2%.
Além disso, com a pressão financeira na pandemia, o porcentual de negros ingressantes recuou. O Relatório de Equidade Racial do Movimento pela Equidade Racial (Mover) em parceria com a Plano CDE mostra que, em 2022, houve queda de 52% de pretos e pardos fazendo Enem. Também mostrou uma redução de 33% nos candidatos da Fuvest e de 25% no da Unicamp
Portanto, é importante o esforço de toda a sociedade para termos mais diversidade nas companhias. Mas, não basta incluir esses grupos nas companhias. É necessário criar ambiente interno acolhedor, estabelecer condições justas de ascensão profissional e furar as “bolhas” de relacionamento que acabam por reservar os cargos de alta gestão e conselhos para grupos socialmente privilegiados e pouco diversos.
Acredito que, apesar dos percalços, logo veremos mais mulheres e negros ocupando, com maior frequência, os conselhos de administração por conta da inclusão que as políticas públicas e empresariais estão, aos poucos, proporcionando.
Lucy Sousa é presidente-executiva da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais do Brasil (Apimec Brasil).