Setor Aéreo

Brasil x EUA no ar: Por que Azul e Gol sofrem mais que pares internacionais? Veja o que dizem os especialistas

20 set 2024, 7:30 - atualizado em 19 set 2024, 19:05

Dizer que o setor aéreo brasileiro vive um momento “turbulento” é um trocadilho tentador quando, do final de 2023 até meados de setembro deste ano, os dois grandes nomes nacionais presentes na Bolsa, Gol (GOLL4) e Azul (AZUL4), acumulam quedas de aproximadamente 85% e 60%, respectivamente, conforme levantamento da Elos Ayta feito a pedido do Money Times.

Neste cenário, a Gol enfrenta um Chapter 11 — recuperação judicial nos Estados Unidos –, enquanto a Azul luta para dissipar as preocupações do mercado de que seguirá pelo mesmo caminho.

Nas últimas semanas, a Azul, inclusive, protagonizou dias consecutivos entre os destaques do Ibovespa (IBOV) — oscilando entre a ponta positiva e negativa, em reação a comunicados, notícias e esclarecimentos sobre seu processo de reestruturação.

Interessante notar que, ainda segundo o levantamento da Elos Ayta, há uma discrepância das aéreas presentes na Bolsa brasileira frente a Latam Airlines (LTM), que opera no Brasil, mas com ações negociadas na Bolsa do Chile, onde acumula alta de 91,85% desde 31 de dezembro de 2022 até 5 de setembro de 2024. Já nos Estados Unidos, a Delta (DAL) e United (UAL) avançam quase 30% e 20% no Nyse no mesmo período, enquanto a American Airlines (AAL) acumula perdas de 15% no Nasdaq.

Na avaliação de Enrico Cozzolino, diretor de análises da Levante, o petróleo é um dos principais desafios para o setor, que sofre com o impacto no preço do querosene de aviação, o que joga para cima os custos com o combustível nos balanços das aéreas.

O analista comenta que, no Brasil, cerca de 40% da receita das aéreas é destinada para cobrir os custos com combustível, frente cerca de 20% de empresas norte-americanas.

No caso do Brasil, existe ainda um extra combinado com este fator: a desvalorização do real.

A flutuação cambial encarece o leasing de aviões, além do combustível e outros custos dolarizados. No ano, o dólar acumula uma alta de 12% frente ao real.



A conta de despesas em dólar e receita em real vem sendo difícil de fechar nos balanços trimestrais das aéreas brasileiras, que entregaram somente prejuízos nos últimos trimestres.

Cozzolino pondera que o problema dos dois grandes nomes presentes no Ibovespa, Gol e Azul, não está em sua gestão e operação, mas sim no impacto dos fatores macro, com as conjunturas que impactam petróleo e dólar.

Como se o peso da moeda e da commodity não fossem suficientes, o analista da Levante acrescenta que os juros elevados e os resquícios do pós-pandemia ainda recaem sobre o desempenho, tendo em vista que a taxa básica de juros (Selic) se encaminha para encerrar o ano num patamar de 11,25%, conforme o Boletim Focus, acima dos 9% esperados no início de 2024. “Isso enquanto a demanda por passagens aéreas ainda luta para voltar aos níveis pré-pandemia”, completa Cozzolino.

Em uma lista que parece não ter fim de aspectos que pressionam as margens, soma-se a sensibilidade a variáveis como problemas logísticos, estrutura dos aeroportos e até mesmo a sobreposição de rotas.

Já do lado das companhias aéreas dos EUA, o cenário de setor aéreo segue carregando aspectos intrínsecos, como as margens apertadas. No entanto, o impacto de despesas e custos dolarizados não são um problema como para o Brasil.

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Por trás do dólar e petróleo

Marcus Quintella, diretor da FGV Transportes, acrescenta que o setor já é naturalmente muito volátil e com margens de lucros pequenas. Neste sentido, ele reforça que, no mundo inteiro, os custos operacionais envolvidos no setor são o primeiro ponto a ser considerado, com destaque para o combustível.

No entanto, no Brasil o impacto é ainda maior. Quintella comenta que, hoje, o querosene de aviação no Brasil representa até 40% do custo da passagem aérea, enquanto nos Estados Unidos e Europa a proporção é de cerca de 23%.

Ele pontua ainda que os custos operacionais são impactados por uma tributação pesada, diferindo o setor aéreo brasileiro de outros países, como os Estados Unidos.

Na avaliação de Quintella, outros fatores, para além da flutuação cambial e petróleo, entram na conta trimestral do setor aéreo brasileiro, como a complexa parte trabalhista, instabilidade econômica e política, insegurança jurídica, regulamentação e precificação de risco.

Já no cenário internacional, companhias aéreas dos EUA sofrem mais com o contexto geopolítico, como guerras, além de questões climáticas que interferem nos voos.

“O setor aqui no Brasil, e no mundo inteiro, é altamente dolarizado. O câmbio alto impacta fortemente, porque cerca de 60% dos custos da passagem aérea são dolarizados. Além do QAV, você tem ali o leasing das aeronaves, o arrendamento e outros custos, como lubrificantes, às vezes alguma parte da mão de obra. Então quer dizer, você tem uma forma de dolarização”.

Há espaço para outras companhias aéreas entrarem no Brasil?

Em um cenário de juros elevados, carga tributária e regulamentação complexas, alta judicialização, forte impacto da variação cambial e interferências políticas na política de preços, quais são os atrativos para companhias aéreas adentrarem no Brasil?

Essa foi a reflexão levantada por Quintella, que destaca a existência de demanda, tendo em vista a dominância do mercado brasileiro por poucas companhias aéreas. No entanto, a atratividade de um setor naturalmente desafiador, em meio a conjunturas que potencializam o desafio, dificulta a entrada de novos nomes.

“Assusta o investidor, dificulta a entrada de empresas aéreas. Existe a burocracia, a necessidade de licenças, a regulamentação é difícil de ser entendida, porque ela oscila”, pondera o diretor da FGV Transportes.

Céu azul no horizonte das aéreas, mas é preciso cautela

Enrico Cozzolino vê um céu azul no horizonte, ao avaliar que o preço de tela não reflete de fato o fundamento e o potencial de valorização tanto para a Gol quanto para a Azul.

Ele avalia positivamente a gestão das companhias e pondera que a receita de passageiro por quilômetro vem melhorando. Como gatilhos para maior melhora, a inflação controlada e perspectiva de cortes nos juros desanuviam o atual cenário.

O analista, contudo, critica a comunicação das companhias, com destaque para a Azul, avaliando que seria positivo maior transparência na divulgação das informações sobre negociação das dívidas, evitando ruído.

Cozzolino conclui com a orientação de cautela. “O investidor tem que ter bastante cautela. Não é porque pode subir 100%, se a gente olhar o fundamento, que ele vai desconsiderar o risco envolvido nessa alta”.

Azul e a alta de 54,2% em três dias

Ao falar de aéreas, não é possível ignorar o atual momento da Azul, que vem pregão após pregão protagonizando momentos de destaque na Bolsa.

Levantamento da Elos Ayta mostra que AZUL4 registrou uma valorização de 54,2%, entre os pregões de 12 e 17 de setembro, após atingir seu menor preço histórico. No período, esse foi o melhor desempenho entre as ações que compõem o Ibovespa.

O valor de mercado da companhia passou a R$ 2,16 bilhões no fechamento de 17 de setembro, um incremento de R$ 761 milhões em relação ao valor registrado em 12 de setembro, mostra o levantamento.

Apesar da recuperação vista nos últimos dias, AZUL4 continua 90% abaixo do seu pico histórico de 28 de janeiro de 2020, quando atingiu o valor de R$ 62,41. Ainda, no acumulado do ano, as ações recuam 64,9%.



Vale lembrar que, nas últimas semanas, as ações da aérea reagem às notícias acerca das dívidas da companhia e negociações com arrendadores.

Na segunda-feira (16), a Azul confirmou que está em negociações com arrendadores de aeronaves para otimizar a estrutura de capital acordada no plano de otimização de capital firmado no ano passado.

Entre os termos, está sendo discutida uma substituição da dívida de US$ 580 milhões por participação societária na companhia aérea. Em reação, as ações chegaram a disparar 15% no dia.

Repórter
Formada em jornalismo pela Universidade Nove de Julho. Ingressou no Money Times em 2022 e cobre empresas.
lorena.matos@moneytimes.com.br
Formada em jornalismo pela Universidade Nove de Julho. Ingressou no Money Times em 2022 e cobre empresas.