Acordo Mercosul-União Europeia: implicações regulatórias para o Brasil e os próximos passos
No último dia 6 de dezembro de 2024, depois de 25 anos de tratativas e negociações, o Mercosul e a União Europeia finalmente anunciaram o fim das negociações quanto ao texto final do acordo que pretende criar o maior bloco econômico/comércio do mundo, envolvendo 718 milhões de pessoas e aproximadamente US$ 22 trilhões.
Entretanto, como observado nas últimas semanas, houve forte protestos por parte de produtores rurais europeus, em especial os franceses, contra a formalização do acordo.
Esses protestos usaram como argumento a suposta “falta de sustentabilidade da produção agropecuária do Mercosul”, gerando concorrência desleal como produtores europeus. Nesse sentido, dentre todo a redação do acordo, o capítulo que mais gerou conflito durante as negociações foi o de sustentabilidade e obrigações ambientais.
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Texto ambiental do acordo Mercosul-UE
Hoje o acordo conta com 18 capítulos, sendo que há um específico para “Comércio e Desenvolvimento Sustentável”. Entretanto, apesar do barulho criado por parte de setores europeus sobre respeito ao meio ambiente, o texto deste capítulo do acordo reafirma basicamente tratados multilaterais de meio ambiente os quais os países do Mercosul já são parte, inclusive os quais o Brasil já atua com grande proatividade.
Especificamente nos artigos 6 e 7 desse capítulo, o texto exige respeito e cumprimento da Convenção Quadro Clima das Nações Unidas (UNFCCC) e seus protocolos, como o Acordo de Paris. Também são reafirmados os princípios elencados na Convenção de Diversidade Biológica e seus Protocolos (Nagoya e Cartagena). Portanto, nesses artigos, o acordo exige que os países foquem nas suas políticas de combate as mudadas climáticas com redução de emissões de gases (como prometido nas Contribuições Nacionalmente Determinadas – NDC); preservação da biodiversidade com acesso e repartição justa de seus benefícios.
Já no artigo 8 há o dever de preservação de florestas e seu uso sustentável, com foco no combate ao desmatamento ilegal. Para isso, prevê que as Partes devem agir de forma conjunta e coordenada. O artigo 11 menciona a criação de cadeias de fornecimento sustentáveis e responsáveis.
Por fim, os artigos 14, 15 e 16 preveem um sistema de monitoramento dessas obrigações, bem como uma forma para resolução de conflitos caso ocorram. Haverá um subcomitê responsável pelo acompanhamento dessas metas, com possibilidade de consultas e, caso necessário, resolução de conflitos. Deve-se destacar que esse tipo de mecanismo é normal no escopo de tratado internacionais – isso ocorre na CDB, UNFCCC e Organização Mundial do Comércio (OMC).
Adicionalmente, devido pressão dos protestos dos produtores europeus e governos nacionais, houve negociação de um adendo ao capítulo “Comércio e Desenvolvimento Sustentável”, com mais cláusulas ambientais.
Apesar de se tratar de um anexo, perecendo aumentar radicalmente as exigências ambientais, esse adendo somente complementa e detalha as obrigações já assumidas no acordo principal. Com relação ao cumprimento da UNFCCC, Acordo de Paris e CDB, o anexo detalha metas dentro desses mesmos tratados, ou seja: cumprimento das NDCs, compromisso com atividades de adaptação e financiamento climático, metas globais de biodiversidade (Kunming-Montreal Framework), repartição justa dos benefícios da biodiversidade, energia limpa e transição energética. Ou seja, o anexo somente explica obrigações já assumidas nesses tratados.
Por fim, o anexo faz conexão com a lei anti-desmatamento da União Europeia (EUDR). O texto enfatiza a importância de documentos e informações que permitam verificar legalidade de produtos agropecuários e madeireiros, ou seja, há menção ao sistema de análise de risco previsto na EUDR, a qual entrará em vigor em janeiro 2026.
Impactos regulatórios no Brasil
Conforme observado, o texto do acordo reafirma tratados ambientais que o Brasil já é parte. Com relação à UNFCCC e Acordo de Paris, o Brasil é um dos poucos países que já possui matriz energética limpa, não precisando de grande transição energética.
Na COP 29, o país apresentou uma atualização robusta da sua NDC com a meta de reduzir em 60% suas emissões até 2030. Recentemente foi sancionada a Lei Federal 15.042/2024 criando o mercado de carbono regulado nacional. Adicionalmente, o governo trabalha no Plano Clima, o qual irá englobar todas as políticas de mitigação e adaptação climática.
Quanto a preservação de biodiversidade e repartição justa de seus benefícios, o Brasil possui desde 2015 a Lei Federal 13.123/2015, estabelecendo de forma clara o acesso e a repartição justa dos benefícios da biodiversidade.
No ponto de preservação florestal e desmatamento, é importante lembrar que o Brasil é um dos poucos países do mundo com um ordenamento nacional (Código Florestal – Lei Federal 12.651/2012) que exige preservação de florestas dentro de imóveis rurais como obrigação legal (i.e., Área de Preservação Permanente e Reserva Legal), sendo que outros países, inclusive europeus, não possuem essa obrigação e o produtor rural pode preservar matas, de forma voluntária, por meio de pagamentos com verba pública.
Em suma, do ponto de vista regulatório, o Brasil possui um vasto ordenamento jurídico, que contempla tanto as obrigações assumidas nos tratados ambientais (e.g., UNFCCC e CDB), como nas cláusulas do acordo UE/Mercosul.
Entretanto, o desafio a ser enfrentado pelo Brasil não é criar leis e políticas ambientais, mas sim implementá-las. É notório que o Brasil tem uma tradição negativa de criar leis somente para deixá-las no papel e isso pode ser negativo não só para o acordo UE/Mercosul, mas para o país no contexto internacional como um todo – não conseguir cumprir metas.
Aqui a principal questão continua e será o combate ao desmatamento ilegal. O combate ao desmatamento ilegal não é algo novo colocado no texto do acordo comercial, mas ponto-chave na própria NDC brasileira no contexto do Acordo de Paris desde 2015. Portanto, devemos tratar a desmatamento ilegal como política de Estado, de forma séria, com monitoramento e punição dos responsáveis.
Outro desafio que vai se apresentando para os próximos anos é a rastreabilidade de produtos agropecuários. Mas, isso já será demandado na EUDR, independente do acordo UE/Mercosul. A EUDR exigirá de todos os países produtores agropecuários a capacidade de ligar a rastreabilidade de produtos com as informações ambientais das fazendas.
Nesse ponto, em comparação com seus concorrentes o Brasil tem vantagem, uma vez que é o único país, até o momento, que não somente consegue ter sistemas de rastreabilidade individual, mas também dados ambientais de fazendas, com o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Outros países concorrentes, como EUA, Canadá, Argentina etc., podem ter sistemas de rastreabilidade, mas não possuem levantamento ambiental dos seus imóveis rurais, como ocorre no Brasil. Entretanto, como sabemos, o CAR sofre de problemas e atrasos de validação há vários anos.
Portanto, todo o capítulo de sustentabilidade do acordo UE/Mercosul não adiciona nenhuma exigência desconhecida/nova. Todos os desafios ambientais a serem enfrentados são velhos conhecidos do Brasil (desmatamento, atraso CAR, etc.), mas que num mundo o qual consumidores estão cada vez mais preocupados com consumo sustentável, ganham destaque.
Próximos passos das negociações
Como próximos passos, partindo do princípio de que o texto não seja alterado novamente, deve haver voto no Parlamento Europeu por maioria simples. Após votação no Parlamento, o Conselho Europeu vota por maioria qualificada – pelo menos, 55% dos membros do Conselho, devendo representar no mínimo, 65% da população desses Estados.
Portanto, a minoria para bloqueio do acordo deve ser composta por, pelo menos, o número mínimo de membros do Conselho que represente mais de 35% da população dos Estados-Membros. Posteriormente, há ratificação pelos Estados-membros (27 países) nos seus Congressos Nacionais.
Importante destacar que mesmo com oposição em Congressos Nacionais, como o francês ou o polonês, o acordo pode entrar em vigor temporariamente no que diz respeito a competência exclusiva da União Europeia, como tarifas e assuntos exclusivamente comerciais.
Assim, a grande questão agora é aprovação do acordo no Parlamento Europeu e, principalmente, no Conselho Europeu, esperando que os países em oposição, como França, Irlanda, Polônia e agora Itália, não consigam a minoria qualificada para bloqueio.