Ações da Vale se recuperam, mas desafios persistem
Nas semanas seguintes ao rompimento da barragem em Brumadinho, em janeiro de 2019, alguns dos maiores investidores brasileiros aproveitaram para comprar ações da Vale (VALE3), apostando que o papel se recuperaria após sua maior queda já registrada em um único pregão.
Um ano depois, a aposta trouxe frutos, mas ficou uma ressalva: as ações se recuperaram, já a reputação da Vale, não. Enquanto a maior produtora de minério de ferro do mundo — assim como outras mineradoras — já teve que lidar com algumas questões ambientais no passado, não há como negar que as credenciais verdes de uma empresa se tornaram mais importantes do que nunca.
“Com o tema da sustentabilidade ficando cada vez mais relevante para o investidor global, minha maior preocupação é uma questão de prazo um pouco mais longo, se a Vale vai conseguir mudar a sua imagem”, disse Leonardo Rufino, gestor da Pacifico Gestão de Recursos. “Se não conseguir, o risco é a Vale acabar se sendo uma empresa barata para sempre.”
A Pacifico, assim como SPX e Vinland Capital, está entre gestoras que compraram Vale após o desastre que varreu cerca de um quarto do valor de mercado e da produção da empresa. Embora as ações tenham fechado no maior nível desde o acidente nesta terça-feira, o valuation da empresa aponta para uma história diferente. A Vale ainda é negociada a um desconto de pelo menos 20% em relação a pares como BHP e Rio Tinto.
A exposição a ações da Vale e da holding Bradespar do fundo Pacifico Ações subiu de cerca de 8% para cerca de 12% da carteira nas semanas após o rompimento da barragem, de acordo com Rufino. Enquanto o fundo já zerou sua posição em Bradespar, a Vale segue entre as cinco principais posições.
Espaço para subir
Os fundamentos sinalizam que ainda há espaço para apreciação adicional das ações, de acordo com Rufino. A empresa está gerando caixa e analistas de casas como Bradesco BBI, Scotiabank e Goldman Sachs veem boa chance de a companhia voltar a pagar dividendos em algum momento em 2020. Além disso, Rufino vê boa parte dos riscos relacionados a Brumadinho já no preço.
A Vale tomou diversas medidas para reparar sua imagem após o acidente. A empresa trocou seu CEO, comprometeu-se a descomissionar o tipo de barragem que falhou e construiu uma unidade de tratamento para despoluir reservas hídricas afetadas.
Em reuniões com investidores no mês passado, a Vale focou em suas iniciativas relacionadas ao meio ambiente, incluindo projetos para ajudar a companhia a ser uma empresa carbono neutro e o lançamento de um portal com suas iniciativas da área de sustentabilidade.
A Vale não quis comentar.
“A empresa sinaliza que está tomando o máximo de cuidado possível, há muita provisão feita e a prioridade é cuidar de Brumadinho,” disse Rufino. “O desconto para as mineradoras estrangeiras não se justifica.”
Uma observação urgente
Com o mundo cada vez mais sensível a questões ambientais, gestores estão direcionando mais recursos para investimentos que adotam as melhores práticas ambientais, sociais e de governança. No ano passado, a Church of England se desfez das ações da Vale e vetou investimentos na mineradora através de um processo de exclusão ética.
A BlackRock, que aumentou sua fatia na Vale para acima de 5% em dezembro, incluiu uma observação urgente em sua carta anual aos executivos: as mudanças climáticas transformarão as finanças globais mais cedo do que imaginam. O diretor-presidente Larry Fink disse que sua empresa irá tomar medidas para endereçar a questão em centenas das empresas nas quais investe.
No Brasil, a própria reputação do país não está ajudando, com o presidente Jair Bolsonaro questionando a necessidade de ação para combater as mudanças climáticas. Esse pano de fundo pode continuar a limitar quaisquer ganhos adicionais para a mineradora adiante.
“Em algum momento, a gente precisa contar com alguma expansão de múltiplo”, disse Rufino.