A surpresa de Natal de Warren Buffett (e o que isso ensina sobre investimentos)
Ontem, para a minha surpresa, já me deparei com prédios e edifícios sendo preparados para as festas de fim de ano.
Depois de uma certa idade, isso chega a ser preocupante: depois de aproveitar o Reveillon, passar por mais um aniversário, logo chega o Natal. Uma velocidade espantosa.
Na época de criança, parecia que o Natal nunca chegava. A expectativa de ver os presentes debaixo da árvore, deixados pelo Papai Noel, corroía a alma desse pobre escriba.
Hoje, as preocupações são outras. Mas ainda sigo sendo surpreendido pelo bom velhinho — só que não aquele que chegaria de trenó lá em casa.
Na semana passada, a Berkshire Hathaway (B3: BERK34 | NYSE: BRK/B), comandada pelo gênio dos investimentos Warren Buffett, divulgou a sua carteira de ações conforme solicitado pela SEC (a CVM americana). E, surpreendentemente, o mago de Omaha mostrou que a sua holding montou uma posição na Taiwan Semiconductor Manufacturing.
Uma verdadeira gigante desconhecida do grande público, impossível pensar o mundo hoje sem que algum de seus produtos não façam parte de algum eletroeletrônico presente no dia a dia das pessoas.
As vendas globais de semicondutores totalizaram US$555,9 bilhões em 2021, um crescimento de 26,2% na comparação com o ano anterior devido a forte demanda ocasionada pela pandemia da Covid-19.
Segundo a World Semiconductor Trade Statistics, a expectativa é que as vendas cheguem perto dos US$ 625 bilhões (+12%) em 2022; outras associações apontam que o aumento neste ano deve ficar entre 4% e 14%.
Desde 1990, os Estados Unidos têm sido o líder desse mercado, com quase 50% de participação nas vendas. Importante salientar, contudo, que essa liderança se dá principalmente em segmentos como design (a empresa desenvolve o chip mas terceiriza sua fabricação), propriedade intelectual e equipamentos da linha de produção.
Por outro lado, os processos de fabricação propriamente ditos são altamente concentrados na Ásia: 75% da capacidade global de produção, incluindo a fabricação, montagem, testagem e empacotamento de chips de alta tecnologia (7 nanômetros) estão no continente.
E quando falamos especificamente da parte de fundição (‘foundy’, em inglês), responsável em transformar as matérias-primas nos semicondutores propriamente ditos, Taiwan tem uma importância gigantesca nesse segmento.
A ilha, com 36 mil metros quadrados e pouco mais de 23 milhões de habitantes, foi responsável por 64% da receita no mundo em 2021 — quase US$ 70 bilhões. A Coréia do Sul, segundo maior mercado no segmento, representa 18% do total, com a China fechando o pódio com cerca de 7% de participação.
Figura 1. Participação de mercado por país (círculo interior) e por empresa (exterior) no segmento de “foundries” em 2021 e 2022 | Fonte: TrendForce
E, dentre todas as fabricantes globais, a TSM é disparada a maior. Em 2021 a receita da companhia totalizou US$ 56,8 bilhões (+18,5% vs. 2021), o que representa 53% de participação de mercado. Além disso, é uma das poucas empresas do setor que já fabricam semicondutores de 5 nanômetros — por se tratar de algo com muita tecnologia envolvida, são necessários grandes investimentos, algo que poucas conseguem fazer.
Gráficos 1 e 2. Receita líquida (gráfico superior) e fluxo de caixa operacional e investimentos (inferior) anual da Taiwan Semiconductor Manufacturing | Fontes: Bloomberg e Empiricus
O que Buffett viu na TSM, afinal?
E isso acaba gerando um ciclo virtuoso para a empresa: como ela é uma das poucas que conseguem fazer os chips mais avançados do mercado, ela consegue cobrar preços maiores de seus clientes — somado ao fato de ter uma participação de mercado que permite ela ter um poder de barganha relevante junto aos seus clientes.
Com essa força na capacidade de crescer o negócio (representado no crescimento médio de 17,5% nas vendas e de 17,1% desde 1994, o ano de sua listagem na Bolsa), não espanta que a TSM tem investido cada vez mais para se manter relevante no setor: nos últimos cinco anos, a empresa fez investimentos de mais de US$ 80 bilhões, uma média de US$ 16 bilhões por ano.
É verdade que uma possível ação por parte da China ao território de Taiwan fez com que muitos investidores saíssem do papel. Esse ponto, aliás, foi reforçado com a invasão russa na Ucrânia, já que muitos analistas políticos enxergavam na hesitação por parte dos líderes globais em repreender de maneira mais contundente Vladimir Putin uma desculpa para que Xi Jinping sentisse confortável em fazer o mesmo.
Mas a pandemia da Covid-19 e seus impactos nas cadeias globais de suprimentos fez com que diversos países repensassem as suas linhas de produção, evitando assim ficar a mercê de eventos que estivessem totalmente fora de seu alcance. E com a indústria de semicondutores não foi diferente.
No caso dos Estados Unidos, em agosto o presidente Joe Biden assinou o CHIPS and Science Act, que oferece incentivos e investimentos em pesquisa para fortalecer a indústria americana de semicondutores. E desde então, diversas companhias do setor já anunciaram que planejam novas plantas na Terra do Tio Sam.
Segundo a Semiconductor Industry Association, 46 novos projetos no setor devem ser realizados nos próximos anos, totalizando mais de US$ 180 bilhões em investimentos. Ainda de acordo com a associação, dentre esses projetos estão programados a construção de 15 novas fábricas e expansão de outras 9 em 12 estados americanos.
Figura 2. Plantas produtivas do setor de semicondutores nos Estados Unidos (azul) e novos projetos (roxo) | Fonte: Semiconductor Industry Association
E a TSM já deu início a construção de um complexo no estado do Arizona, avaliado em US$ 12 bilhões e cuja inauguração deve ocorrer em dezembro. A planta teria capacidade para produzir chips de 5 nanômetros, mas já estaria adaptando o projeto para que seja possível a fabricação de semicondutores de 4 nanômetros.
Além desse projeto, a companhia já sinalizou a possibilidade de uma segunda planta na região com capacidade para produzir chips de 3 nanômetros, no qual deve investir o mesmo montante do projeto inicial. Sem falar nas plantas que pretende construir em outros países como Japão, Cingapura e até mesmo na China.
Importante salientar que, apesar do montante não desprezível de tal posição (quase US$ 5 bilhões, a nona maior do portfólio), esse valor não chegar a representar nem 2% dos quase US$ 350 bilhões investidos em ações por Buffett e companhia.
Tabela 1. Top 10 posições de ações da Berkshire Hathaway | Fontes: Berkshire Hathaway e Empiricus
A visão de Buffett sobre o setor de tecnologia
Mas a sinalização, na nossa visão, é importante. Isso porque não podemos esquecer que a maior posição em ações da Berkshire é na Apple (B3: AAPL34 | Nasdaq: AAPL), com mais de US$ 138 bilhões investidos, quase 40% do portfólio. Quando você é um investidor com um percentual relevante do negócio, não fica difícil imaginar que as discussões com os executivos da companhia atinjam um outro nível, diferentemente daquele ao qual os investidores normais tem acesso.
Outro ponto é que, segundo Buffett, o investimento em ações de tecnologia ensejam um grau de risco maior do que ele estaria disposto a ocorrer — por isso é que a carteira da Berkshire ainda é repleta de nomes da velha economia, como Bank of America, Coca-Cola e Chevron.
Mas o próprio investidor já disse que cometeu um erro em não ter investido na Apple antes de 2016, quando a holding divulgou pela primeira vez uma posição na companhia. E não porque ele teria revisto a sua ideia de investimentos em tecnologia, e sim porque estamos falando de uma das maiores empresas de consumo da história, com o iPhone sendo um dos produtos mais bem-sucedidos de todos os tempos.
Ainda que a empresa não abra tal informação, analistas apontam que a companhia fundada por Steve Jobs e atualmente comandada por Tim Cook é o principal cliente da Taiwan Semiconductor — quase 25% da receita da empresa de Taiwan viria da Apple, que utiliza os chips em toda a sua linha de produtos.
Dessa forma é inevitável considerar que esses negócios estão entrelaçados. Até o dia que surja uma outra empresa capaz de oferecer os produtos feitos pela TSM, ou que apareça um novo dispositivo que desbanque o iPhone. Mas esse parece ser um cenário improvável para os próximos anos.
A expectativa da direção é de crescer a receita no intervalo entre 15% a 20% (em dólares) nos próximos cinco anos, mantendo uma margem bruta acima dos 50% e um retorno sobre o patrimônio líquido superior a 25%. Considerando o valuation atual da Taiwan Semiconductor, de 13 vezes seus lucros futuros, dado os “moats” do negócio (algo sempre reforçado por Buffett) e como a empresa se adaptando para sofrer menos com questões geopolíticas nos próximos anos, fortes desvalorizações como a do ano (com queda superior a 30%) parece menos provável agora.
Enzo Pacheco é formado em Administração pela Universidade Federal do Espírito Santo e pós-graduado em Operador de Mercado Financeiro pela FIA. Um entusiasta do assunto “investimentos” — tendo se interessado desde os tempos de universitário —, desde 2017 foca exclusivamente na análise dos mercados internacionais nas séries da Empiricus voltadas a esse propósito (Investidor Internacional e MoneyBets).
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