A surpreendente reviravolta dos juros americanos contada em 7 dias
Os dados da inflação americana, divulgados hoje mais cedo, devem ser suficientes para consolidar uma reviravolta tida como improvável na trilha do Federal Reserve em relação aos juros.
Ao crescer 0,4% em fevereiro, puxado principalmente por moradia, o índice de preços ao consumidor (CPI, na sigla em inglês) anotou uma desaceleração da inflação dos últimos 12 meses ao patamar de 6%, o menor desde setembro de 2021.
Os mercados reagem muito positivamente à leitura do CPI, ao entender que ela avaliza um aumento mais suave dos juros na reunião do Fomc, que ocorre na próxima semana. Dow Jones, S&P 500 e Nasdaq operam em fortes altas de 1,24%, 1,86% e 2,31%, respectivamente — e puxam consigo até o Ibovespa, que ganha 0,41%.
Até uma semana atrás, essa desaceleração do CPI pareceria pouco para convencer o Fed a pisar menos o pé no freio da economia, afinal dados do mercado de trabalho e outros indicadores macroeconômicos davam o recado claro de uma atividade ainda muito aquecida e inflacionária.
Hoje, no entanto, a leitura parece suficiente. A maioria das apostas do Fed Funds (81%) já entende que a reunião de março do BC norte-americano trará um aumento de 0,25 ponto-percentual (pp.) na taxa de juros; há quem ache (19%) até que a taxa permanecerá inalterada no mesmo patamar.
Para todos os efeitos, o aumento de 0,50 pp. discutido ao largo na semana passada subiu realmente no telhado, onde deve ficar, ao menos, até maio.
Fantasma de 2008 mudou cenário
Já parece distante, mas Jerome Powell advogava diante de um Capitólio impaciente um combate duro contra a inflação, acenando até mesmo para um aperto mais abrangente do que o projetado no final de 2022.
Na prática, o discurso de Powell não só levou a crer que o Fed faria um aumento maior em março, como também fez soar os alarmes quase apocalípticos de um juros final a 6%, patamar sem paralelo no século XXI.
Mas eis que tudo mudou em questão de dias, com o colapso de dois dos principais bancos regionais dos EUA. Em um intervalo de quase 72 horas, SVB e Signature Bank decretaram falências e foram entregues a interventores federais após uma corrida bancária ter zerado a liquidez das instituições.
A falência tem por base a crise de liquidez envolvendo os próprios clientes desses bancos, representados por starturps de tecnologia endividadas e pressionadas pelos juros altos. Para se ter ideia do tamanho da pressão de resgates, cerca de 50% de todas as startups de venture capital dos EUA tinham contas no SVB.
A falência logo enviou ondas de choque pelos mercados, acendendo centelhas de uma possível crise de confiança sobre o setor bancário, em um efeito cascata que poderia evoluir para uma crise financeira sistêmica, nos moldes de 2008.
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Susto com SVB deve amansar novas altas do Fed
A ação rápida das autoridades (um esforço que uniu o Tesouro, Fed e o FIDC), garantindo o resgate de depositantes segurados ou não, e propondo um programa de ajuda financeira às instituições com baixa liquidez, permitiu a contenção da crise.
Na avaliação do estrategista-chefe da Guide Investimentos Alex Lima, todos os indicadores de risco sistêmico acompanhados pelo Federal Reserve registram melhora nesta terça-feira (14) ao apontar para uma diminuição dos spreads de liquidez, sugerindo uma posição menos estressada dos mercados.
Com o episódio envolvendo a falência do SVB e do Signature Bank, a avaliação que ganha força é que se tornou muito mais difícil para os representantes do Federal Reserve continuar bancando o discurso dos juros mais altos por mais tempo diante de uma possível ‘quebradeira’ do setor financeiro.
Economistas e agentes do mercado voltaram, inclusive, a precificar um corte de juros ainda em 2023 como parte desse ‘recálculo’ de rota da autoridade monetária, pressionada a reconhecer o efeito de estresse que as altas, aqui acumuladas, podem exercer sobre o já fraturado mercado de crédito americano.