Educação

A que(m) servem os rankings universitários?

23 mar 2017, 22:26 - atualizado em 05 nov 2017, 14:06

Por Rafael Barros de Oliveira – Colaborador do Terraço Econômico

universidades

O eterno retorno da resposta-padrão

Entra ano, sai ano, a história se repete: tão logo são divulgados os resultados de algum ranking universitário, a (pequena) cobertura midiática se manifesta na forma-padrão “universidade X sobe/cai Y posições em ranking internacional”. Também na variação: “universidade X tem Y cursos entre os Z melhores, segundo ranking internacional”.[1] Quase nunca outras informações acompanham essas manchetes; quando muito, há a especificação de qual ranking se trata e/ou um cotejo com outros rankings ou uma comparação com outras universidades nacionais, latino-americanas ou com o desempenho de uma mesma instituição com relação a anos anteriores.

De modo geral, a reação da administração universitária segue a mesma toada meramente informativa[2]. Alguns docentes reverberam a notícia, independentemente de compor algum dos cursos melhor avaliados, ecoando o sentimento de (sic.) “orgulho” em fazer parte de uma instituição premiada e reconhecida mundialmente.

Raros os casos em que se vê, de um ou de outro lado, uma reflexão sobre essas listas: seus critérios, suas metodologias e – mais importante – sua pertinência como métrica de qualidade para o ensino superior brasileiro. Esse silêncio implica (ou, ao menos, dá margem para tal) a aceitação tácita da avaliação e da concepção de universidade que ela pressupõe. As exceções merecem ser louvadas, e Sabine Righetti é uma delas. A pesquisadora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e jornalista da Folha de São Paulo – criadora do blog Abecedário, dedicado à educação – deu uma entrevista sobre o assunto, ressaltando a necessidade da própria instituição definir suas prioridades, e não pautar seu planejamento por critérios externos, inclusive os rankings: “Se ela quer se firmar como uma universidade que é muito forte em extensão, que tem uma ação muito forte na sua região, que tem um impacto social, coisas que costumam não aparecer em rankings, que seja[3].

Ranqueando os rankings

Para que tal situação de autonomia crítica seja possível, é necessário, antes de mais nada, compreender como se constituem esses rankings. Focarei nos três principais: o Top Universities da consultoria Quacarelli Symonds (QS), o Times Higher Education, da revista britânica Times (THE) e o Academic Ranking of World Universities, da Universidade de Shanghai, na China (ARWU).[4]

QS compõe sua nota a partir de seis critérios: 1) reputação acadêmica (40% da nota); 2)reputação junto aos empregadores (10%); 3) proporção estudante/docente (20%); 4) citações por docente (20%); 5) proporção de docentes estrangeiros (5%); 6) proporção de estudantes estrangeiros (5%). A universidade ideal para o ranking QS é famosa, especialmente entre os membros da comunidade acadêmica, pequena, o que proporciona uma menor quantidade de alunos por docente e voltada para a pesquisa.

THE, por sua vez,  é composto de treze (!) indicadores, agrupados em cinco grupos: 1) ensino(30% da nota), incluindo reputação, proporção docentes-estudantes, proporção doutorandos-graduandos, doutorados concedidos por docente e renda da instituição; 2) pesquisa (30%), composto por reputação, verba de pesquisa e quantidade de artigos por docente; 3) citações(30%), normalizadas de acordo com o padrão da área de conhecimento a que pertence a pesquisa; 4) internacionalização (7.5%), a saber, proporção de estudantes estrangeiros, proporção de docentes estrangeiros e número de pesquisas em colaboração com o exterior; 5) renda industrial (2.5%), ou seja, receitas recebidas da indústria e parcerias. Na projeção do THE, uma universidade também deve ser famosa, mas deve principalmente ser voltada para a pesquisa de impacto – inclusive pelos critérios envolvendo a proporção de estudantes de doutorado.

Por fim, temos o ARWU, com seus seis critérios, todos voltados para a excelência na pesquisa: 1)número de egressos que ganharam um prêmio Nobel ou uma Medalha Fields (10% da nota); 2)número de docentes que ganharam um prêmio Nobel ou uma Medalha Fields (20%); 3)pesquisadores muito citados – segundo a lista da Thomas Reuters (20%); 4) quantidade de papers nas revistas Nature e Science (20%); 5) número de papers em revistas indexadas (20%); 6) performance per capita (10%), a nota dos indicadores anteriores dividida pelo número de docentes em tempo integral. Ao contrário dos dois rankings anteriores, o ARWU não projeta uma instituição famosa – pelo menos não diretamente; acima de tudo, parece valorizar instituições voltadas para a pesquisa.

E nós com isso?

De maneira sintética, está desenhada a concepção de universidade ideal com base na qual se estruturam esses rankings: são universidades famosas, de porte reduzido e com foco primordial na pesquisa. Além dessas características, há um dado suplementar: trata-se de uma instituição que trabalha em língua inglesa – quer seja nos artigos produzidos (que se tornam acessíveis para mais leitores), quer seja nas aulas ministradas (abrindo espaço para docentes e estudantes estrangeiros integrarem seus quadros). Pois bem, é esta a universidade que queremos para o Brasil? Parece-me que, no geral, a resposta é negativa.

Além do impeditivo linguístico, que por si só prejudica o objetivo de internacionalização, há – em muitas áreas do conhecimento – um impeditivo temático aí envolvido: para publicar nos principais periódicos internacionais – e, com isso, aumentar o impacto dos trabalhos produzidos -, é necessário não só fazê-lo na língua deles (normalmente o inglês), como também falar sobre os assuntos por eles preferidos. Isso faz com que pautemos nossas pesquisas segundo uma agenda que nem sempre segue as preocupações e necessidades mais relevantes no cenário internacional e, não possuindo proximidade e vínculos fortes com alguns temas, nos condenemos à irrelevância ou a um papel secundário na produção internacional de conhecimento[5].

Outro polo de tensão está no foco em proporções de estudantes por docente, o que favorece a)instituições com poucos alunos; ou b) instituições com grande e amplo corpo docente. Dada a atual situação econômica do país, e o lugar subsidiário que a educação superior ocupa na ordem de prioridade das políticas públicas brasileiras, uma ampliação das contratações docentes em instituições consolidadas, visando a melhoria de seu ensino (já relativamente bom, segundo os critérios aqui expostos) e de seu desempenho em rankings parece fora de questão. A alternativa, para atender à pressão dessas listagens, seria reduzir o número de alunos, favorecendo a proporção com relação a professores. No entanto, nada me parece estar mais longe do modelo de universidades que construímos neste país: no estágio histórico que estamos, faz sentido que ainda menos pessoas entrem nas universidades? Ainda que se argumente, como eu já fiz aqui no Terraço Econômico,[6] por certas restrições nas universidades, é patente que o Brasil ainda é deficitário na oferta de vagas.

O saldo? Não se trata simplesmente de menosprezar ou ridicularizar rankings internacionais. Ao contrário, é salutar e positivo se posicionar criticamente perante eles, expondo sua metodologia e seus critérios e explicando por que eles se adequam (ou não se adequam) – e em que medida – à concepção de universidade que construímos e desejamos em nosso país. Retomando Righetti, as universidades precisam reafirmar sua autonomia e seus objetivos perante essas avaliações, sem deixar de considerar a importância de mensurar resultados práticos.

Qual é, então, o modelo universitário que desejamos? Como o governo o concebe? Como as universidades se concebem? Embora haja pistas sobre isso em meus textos anteriores aqui no Terraço, este será o assunto específico de um próximo.

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