Opinião

A paixão do brasileiro por soluções fáceis, rápidas e (quase sempre) ineficientes

02 jun 2018, 17:00 - atualizado em 02 jun 2018, 17:00

Por Caio Augusto, editor do Terraço Econômico

A atual greve dos caminhoneiros traz à tona uma verdade sobre o povo brasileiro: adoramos soluções que, na realidade, não são soluções de fato. Ideias simples e diretas que não nos encaminham a soluções reais, apenas passando a mensagem de que, após colocadas em prática por determinados grupos, seriam capazes de resolver as questões mais difíceis como num passe de mágica.

Acompanhando as reações diversas que presenciamos em resposta a essa greve, pelo menos cinco soluções deste tipo ganharam força nos últimos dias: 1) a política de preços da Petrobras deve acabar; 2) basta cortar a carga tributária sobre os combustíveis para que tudo se resolva; 3) uma intervenção militar resolveria a situação; 4) o fim da corrupção resolveria tudo; e 5) gastos peculiares (como a pensão para filhas de militares) deveriam ser extintos para cobrir um possível subsídio para o combustível.

Em absoluto podemos negar o direito a opinião, qualquer que esta seja. É importante notar que toda e qualquer sugestão é dada objetivando o mesmo fim, ou seja, aquele de procurar uma resolução para as questões. Esse carrossel de informações e sugestões está bem movimentado atualmente, dos maiores analistas políticos do Brasil ao indivíduo que possui o menor nível de conhecimento sobre o cenário atual. A problemática se dá sobre a dificuldade existente de concretizar as mudanças sugeridas.

Vamos às soluções propostas:

“Devemos acabar com a política de preços da Petrobras”. 

Uma empresa de petróleo e gás vive da produção e comercialização destes produtos. Dado que a definição do preço dos combustíveis (ao menos os fósseis) é definida internacionalmente, com base nos preços do barril de petróleo, temos que quando este sobe, o preço dos produtos derivados acaba subindo, assim como quando ele cai o preço doméstico deveria cair. A política de subsídios praticada sobre os preços desses combustíveis distorceu essa lógica: entre 2006 e 2014, independente da alta ou queda do preço do petróleo, ficamos na margem entre R$2,50 e R$3,00 nos preços da gasolina. Bom para o povo? Na verdade, não: a Petrobras acumulou uma dívida imensa no período (dentre outros motivos, pela “função social” de comprar combustível mais caro e vender mais barato internamente graças ao congelamento) e, como empresa parcialmente controlada pelo governo, repassou a conta ao povo brasileiro logo em seguida. A política de preços atualmente em vigor (e sob forte pressão) tem como objetivo, além de acompanhar os preços internacionais, reduzir a dívida da empresa – e o fez brilhantemente até então. Acabar com essa política de preços fará com que a desconfiança em torno do pagamento desta dívida aumente – e, novamente, adivinha quem irá arcar com os custos e consequências, caso a Petrobras quebre?

“É só cortar os impostos”

Nossa carga tributária é altamente regressiva. No Brasil, quem tem menos paga mais, proporcionalmente. Essa triste constatação não é novidade. Sendo assim, o mais prudente seria pegar e cortar pela raiz os tributos estaduais e federais que compõem quase metade do preço da gasolina e um terço dos preços de diesel e etanol, certo? Mais ou menos. A pergunta que não pode ser esquecida é: o que vai cobrir as despesas que estão sendo custeadas com esses impostos ou, caso a redução desejada seja permanente, de onde serão retirados recursos para que essa diminuição ocorra de verdade? Caso contrário, não se surpreenda com o óbvio fato de que alguém arcará com essa reposição de receitas, a partir de novos impostos ou do aumento das alíquotas já existentes. Como o governo não gera receitas (apenas as extrai da sociedade), esse alguém é você, caro leitor.

“Se os militares tomarem o poder, tudo será resolvido”

Imaginemos uma tomada de poder pelos militares, nesse exato momento. A questão fiscal deixa magicamente de ser um problema? Teremos realizado a façanha de resolver problemas graves do país (inclusive a questão do preço dos combustíveis)? Qual seria o efeito prático de trocar a liderança do país há poucos meses de distância de eleições gerais, deixando de lado vias democráticas?
Essa solução costuma ser sugerida por pessoas de idade mais avançada, que viveram o período militar no Brasil – e pelos que por estes são mais influenciados diretamente. Como da máxima de que no Brasil se reescreve até o passado, um glorioso caminho do período militar é apresentado como encaminhamento de todo e qualquer problema: educação, saúde, segurança, economia e tudo mais. Mas esquecem-se da instabilidade política que isso causaria no país, ainda mais com a proximidade cada vez maior das eleições. No fundo, de duas uma: ou há um desejo por uma intervenção que “moralize todo o cenário” (seja lá o que isso quer dizer), ou algo passageiro que não muda muito as coisas dado que eleições se aproximam. Em qualquer um dos casos, soa a um “vamos delegar a outrem uma situação que não sabemos como resolver, mas esperamos que eles saibam”.

Basta acabarmos com a corrupçãoa ONU diz que ela tira R$200 bilhões por ano aqui do Brasil

Nosso país, segundo a organização Transparência Internacional, é um dos países com maiores índices de percepção de corrupção por sua população em todo o mundo. Em termos do que temos sido apresentados pela Lava Jato e operações análogas nos últimos anos, a sensação é justamente essa. De fato, temos por aqui muitos incentivos que permitem que a corrupção ocorra (como a dificuldade de punição).
Mas, especificamente sobre esses R$200 bilhões anuais: Sabemos com exatidão onde estão os desvios ocorridos? Como podemos mitigá-los? Criar incentivos para reduzir isso seria benéfico, mas, em termos de valores, quão benéfico? Todos concordamos que a corrupção poderia ser muito menor, mas apenas apresentar este valor como sendo a solução do problema e não explorar os meios pelos quais poderíamos fazer deste montante um poderoso recurso auxiliar não ajuda. Curiosamente, os mesmos grupos que costumam utilizar este dado como salvação da lavoura são contra possibilidades reais de diminuição do gasto público, como a reforma da previdência.

“E aquela pensão das filhas de militares? R$5 bilhões por ano para nada!”

Algo que espanta qualquer pessoa que dá uma olhada nos desembolsos públicos é a quantidade de penduricalhos existentes. Diversos grupos de interesse acabam sendo beneficiados por medidas que, caso perguntados, nem eles saberiam justificar os porquês. Essa famigerada pensão às filhas solteiras de militares é um exemplo disso. Esquisito? Sem dúvidas. Como encerramos com isso? Na verdade, desde 2000 não são concedidos novos benefícios deste tipo, apenas continuam a ser pagos os que já existem em atividade. E por que motivo absurdo simplesmente não deixamos de pagar por isso imediatamente? Porque há rigidez constitucional que impede que isso seja feito àqueles que tiveram o direito concedido (fato inclusive que complica a reforma da previdência, pois alega-se que esta seria capaz de ferir direitos adquiridos).

Possivelmente sua constatação como leitor é que o Brasil simplesmente não tem solução, já que qualquer ideia acaba não resolvendo as coisas. A questão na verdade não é essa: a ótica sob a qual costumamos visualizar estes problemas é que não tem nos permitido soluções. Veja que em todos os casos o peso do Estado é notável: a carga tributária existente e a atuação deste (que tem seus custos repassados a todos) estão presentes em todos os casos.

Não, este não é o momento em que este autor irá pregar que o fim do Estado é a solução. Aliás, este item apenas não aparece na lista apresentada neste artigo apenas por terem um apoio menor, mas é notável que exista apoio pelo fim do Estado ou algo análogo a isso.

O encaminhamento de questões amplas envolve discussões igualmente extensas. Principalmente no tocante ao Estado e em sua atuação. Em um momento de contas públicas apresentando seguidos déficits, a maior verdade que não costuma ser visualizada é que, assim como um cobertor curto, se queremos esticar para uma cobrir outra parte, necessariamente teremos de descobrir outra – a não ser que queiramos reduzir o que está sendo coberto. Essa é a base da Lei de Responsabilidade Fiscal.

A solução, na prática, seria analisar os custos e benefícios dos diferentes programas públicos para apontar o que deveria permanecer e ser aprimorado e o que poderia ser descontinuado. A má notícia: isso envolveria algo tão complexo e demorado quanto um orçamento base zero.

Chegamos a situação atual com muito “jeitinho” e soluções rápidas de curto prazo. Infelizmente, para sairmos com consistência disso, tempo e esforço serão necessários para avaliar as prioridades. Crises como a atual são a maior demonstração disso.

Caio Augusto – Editor do Terraço Econômico

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