A mulher e o dinheiro: uma relação para a liberdade
Embora o número de mulheres que se tornaram investidoras nos últimos anos seja recorde, essa participação ainda é proporcionalmente baixa em relação ao número de homens investidores. Hoje, elas são mais de 1 milhão na B3 e mais de 5 milhões no Tesouro Direto.
Ainda assim, enquanto na Bolsa de Valores, a participação feminina corresponde a pouco mais de 22% do total de CPFs cadastrados, no Tesouro Direto o percentual de mulheres não é muito diferente: 22,9% do total.
Apesar das mulheres terem conquistado tantas posições ao longo dos últimos anos, ainda há um longo caminho pela frente. E esse desafio é ainda maior quando o assunto é a relação delas com o dinheiro. Mas, afinal, o que isso tem a ver com o futuro e liberdade do gênero feminino?
Mulheres donas do próprio bolso?
Não é difícil de entender a dificuldade que mulheres e homens têm quando se fala em gestão financeira, tendo em vista que não houve acesso à educação financeira nas escolas. Com isso, é comum deparar-se com o desafio de aprender a gerenciar o dinheiro no momento em que se recebe uma quantia pela primeira vez. Não houve, portanto, uma preparação para isso.
Apesar de não ter sido uma disciplina obrigatória na grade curricular, os homens ainda saem em vantagem. Afinal, historicamente falando, eles foram, quase em sua totalidade, provedores e responsáveis pela gestão do dinheiro de suas famílias.
Imagens do acervo do Museu Victoria and Albert em Londres registram o uso de bolsos nas vestes femininas no século XVII que demonstram que não existia a necessidade de tornar fácil o acesso a tal compartimento. Isso porque essa seria uma demanda predominantemente masculina.
Com o passar do tempo, a moda foi sofrendo adaptações de acordo com o movimento que refletia a relação da mulher com o dinheiro. Passando pelo uso de pequenas bolsas de mão, chamadas retículas no século XIX, que de tão pequenas, o dinheiro precisava ser carregado pelos homens.
Aliás, retículas maiores significavam mulheres que não eram providas pelo homem, o que não lhes conferia certo status. Até que no século XX, com o advento das guerras, as mulheres passaram a prover seus lares na ausência de seus maridos.
Com isso, a moda trouxe de volta os bolsos e em calças. Foi uma revolução! (1)
A conta não bate
Ou seja, a relação da mulher com o dinheiro é muito recente. O século XXI está diante (talvez) da primeira geração de mulheres que não só provêm, mas como gerenciam seu próprio dinheiro depois de várias gerações de mulheres dependentes financeiramente.
Considerando-se um recorte a partir de mulheres acima de 35 anos, a grande maioria denota a ausência de referências femininas na família que cuidavam do próprio dinheiro. Logo, sem repertório em casa e nas escolas, as mulheres que hoje acumulam duplas ou triplas jornadas de trabalho se veem dentro de um contexto extremamente desafiador.
Como se não bastasse a herança de dependência financeira recebida da história, existem outros agravantes que impulsionam a grande maioria das mulheres a fecharem suas contas no vermelho todo mês: as arquiteturas do mercado que incentivam o consumismo feminino. Ou seria a dependência financeira com novos trajes?
Além de serem remuneradas 20% a menos que os homens (levantamento da consultoria IDados, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE), as mulheres se deparam com práticas abusivas de mercado que costumam taxar a mais produtos voltados para o público feminino, denominado Pink Tax por remeter à cor rosa predominante nos itens para mulheres.
Rumo à mudança e à independência
Diante um cenário desafiador para a mulher assumir uma relação saudável com suas finanças, cabe uma reflexão neste Dia Internacional da Mulher. É possível esperar a mudança ou elas podem ser esta mudança? Como é possível iniciar a relação positiva com algo que não houve repertório?
Antes de mais nada, um passo importante nessa direção é abraçar a história das gerações anteriores e entender que elas fizeram o melhor que elas podiam com o que tinham. Cabe, portanto, as mulheres de hoje fazer o melhor com o nível de consciência já alcançado.
A partir de então, é preciso toda a dose de protagonismo para iniciar uma transformação financeira. E o autoconhecimento é a chave que abrirá essa porta para a prosperidade feminina.
Fazer uma imersão aos valores individuais – e não apenas femininos – e no que se acredita, até revisitando sonhos de menina, podem ser a resposta para uma relação protagonista com o dinheiro. É quase um nadar contra a maré, mas que vai ao encontro do próprio “eu” e que traz propósito para o fruto do trabalho dela, enquanto pessoa.
Olhar para o futuro também é um ato de amor. O entendimento do que se precisa para essa segurança e para sentir-se bem.
A mensagem para o 8 de Março
Assim, neste 8 de Março fica a mensagem de que buscar o equilíbrio financeiro não quer dizer abdicar de tudo o que traz bem estar no presente. Afinal, essa tarefa não é fácil, já que cada mulher cresce com crenças de que precisa consumir determinados itens para sentir-se aceita (por elas mesmas e pela sociedade). Essa é uma desconstrução progressiva.
Uma vida financeira saudável não pede necessariamente para cortar o cafezinho, mas para garantir o de amanhã ou o de daqui a 20 anos. Ou seja, quando elas estiverem cansadas para trabalhar com a mesma energia de hoje. Inclusive, as ciências comportamentais recomendam que haja essa dose de bem-estar no presente para que um processo de organização financeira tenha eficácia.
Bem-estar financeiro é sobre o equilíbrio entre o nosso eu de hoje e o nosso eu do futuro. Para isso, exige-se saber o que genuinamente pulsa forte dentro de cada uma delas. Afinal, cada mulher carrega em si o que acredita trazer segurança e bem-estar.
Assim, o dinheiro delas precisa ser ressignificado como um meio para a liberdade e realização, levando cada uma delas (de nós) aos maiores sonhos – e não para o aprisionamento de um consumo eterno sem propósito e faturas gigantescas.
(1) Adaptado de A História Complicada e Sexista dos Bolsos Na Moda Feminina • modefica
*Priscilla Mendonça é Educadora Financeira e diretora de Fomento Econômico e Social na Prefeitura Municipal de João Pessoa