A ‘mira’ de Trump para o Brasil: Os impactos das tarifas para cada setor do agro; há impulso para o Brics?

O Brasil foi pego de surpresa no começo da noite de quarta-feira (9) após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar tarifas de 50% para o país. Até o momento, o agronegócio parece um dos setores mais afetados pelas medidas.
Trump, em carta enviada para Lula, citou a “forma como o Brasil tem tratado o ex-presidente Bolsonaro“ como justificativa para a adoção das medidas.
Em resposta, Lula salientou que o Brasil é um país soberano com instituições independentes e “que não aceitará ser tutelado por ninguém”. Ele também salientou que o país adotará a Lei da Reciprocidade Econômica para os EUA.
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O professor e pesquisador do Insper Agro Global, Leandro Gilio, explica que a mensagem de Trump ao Brasil tem um cunho bastante político, sendo as maiores tarifas anunciadas pelo presidente norte-americano a um país desde a semana passada. Os mercados mais afetados, segundo ele, são açúcar, etanol, carnes, suco de laranja e produtos florestais.
“A alegação de que as tarifas acontecem para corrigir um déficit fiscal não se sustenta, dado que somos deficitários nessa relação com os EUA”, pontua.
Tarifas de Trump fortalecem o Brics?
No começo da semana, Trump alegou que iria impor uma tarifa adicional de 10% sobre quaisquer países que se alinhem com as chamadas “políticas antiamericanas” do grupo Brics, de nações em desenvolvimento.
Segundo Gilio, quando as tensões comerciais entre China e EUA tiveram início, o Brasil tomou uma postura “interessante” de não “tensionar a corda”, já que não éramos o foco principal do embate.
“Por outro lado, não tivemos tanto diálogo com os EUA, o que pode ter criado uma certa tensão em meio a esse cenário de tarifas. Com relação ao Brics, há uma tendência de certo reforço ao bloco, até pela perda da hegemonia dos EUA e pela China, principal promotor do bloco, está enfrentando esse embate tarifário com o país, o que traz mais importância para o Brics”.
Apesar disso, por não ser um bloco fechado, o pesquisador comenta que o Brics acaba não tendo grandes forças de união econômica e política.
Os efeitos das tarifas de Donald Trump para o Brasil
Para a Cogo Inteligência em Agronegócio, o argumento de Trump de “déficits comerciais insustentáveis” não condiz com os números.
“Se considerarmos os 25 anos deste século, o Brasil só teve superávit comercial com os norte-americanos nos primeiros oito, entre 2001 e 2008. A partir de então, são 17 anos consecutivos de saldo negativo nas trocas de mercadorias, incluindo o resultado acumulado em 2025 até agora”.
Sendo assim, a consultoria listou os principais reflexos para os diferentes setores do agro brasileiro.
Setor | Tarifa Anterior | Nova Tarifa | Impacto Esperado |
---|---|---|---|
Florestais | Sem tarifa punitiva relevante | Mais 50% sobre valor de importação | Perda de competitividade frente a Canadá, Chile e UE |
Carne Bovina | 26,4% (fora da cota de 65 mil toneladas) | Mais 50% adicional (aplicação ainda indefinida) | Margens comprimidas e possível queda de exportações |
Café | 10% | Mais 50% (aplicação ainda indefinida) | Encarecimento do produto e ameaça à liderança brasileira |
Etanol | Varia por estado e modalidade | Mais 50% (~US$ 200-250 por mil litros) | Produto praticamente não competitivo nos EUA |
Açúcar | Dentro de cotas tarifárias | Mais 50% (mesmo dentro da cota) | Pode inviabilizar exportações para o mercado americano |
Suco de laranja | US$ 723/t (US$ 415 + 10%) | Até US$ 2.260/t (com nova alíquota de 50%) | Queda drástica na competitividade risco à cadeia citrícola |
Florestas
Segundo a consultoria, às tarifas afetam exportações de madeira, celulose e molduras de pinus, com aumento de custos e perda de competitividade no setor de construção civil dos EUA.
Entre as regiões mais afetadas, está o Sul do Brasil, responsável por 86,5% das exportações florestais ao país.
“As empresas exportadoras, especialmente as grandes produtoras de celulose e papel, como Suzano, Klabin e Arauco (com operação no Brasil), podem ter suas margens comprimidas, caso optem por absorver parte do custo extra para manter mercado”.
Carne bovina
Neste segmento, o impacto é bem mais significativo, já que torna as exportações praticamente inviáveis, com custo extra de US$ 2.866/t. Como consequência, isso deve gerar um excedente no mercado doméstico e derrubar os preços.
O setor precisará buscar rapidamente novos destinos de exportação, como mercados na Ásia, Oriente Médio e América Latina, o que pode exigir adaptações logísticas e sanitárias no curto prazo.
Café
No café, as tarifas tornam as vendas inviáveis para os EUA, maior mercado consumidor de café do mundo, com 24 milhões de sacas anuais, e que tem o Brasil como seu principal fornecedor, respondendo por mais de 30% do volume importado.
O Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) manifestou preocupação com a decisão dos Estados Unidos de elevar para 50% a tarifa de importação sobre o café brasileiro, destacando impactos negativos para consumidores norte-americanos e para a própria economia dos EUA. Entre janeiro e maio, os EUA foram o principal destino do café brasileiro, com 17,1% das exportações.
“O Cecafé intensificará articulações com a National Coffee Association (NCA) e outros parceiros nos EUA para tentar reverter a decisão, destacando a importância do setor para a economia americana: o café movimenta US$ 343 bilhões por ano, representa 1,2% do PIB dos EUA e gera 2,2 milhões de empregos. A expectativa é de que o ‘bom senso prevaleça’ e que as tarifas sejam revistas em favor de uma relação comercial mais equilibrada”.
Açúcar e etanol
Segundo a Cogo Inteligência em Agronegócio, as tarifas ampliam a disparidade comercial para o açúcar bruto e etanol de cana. Fora isso, o açúcar pode se tornar inviável fora das cotas, com a região Nordeste sendo a mais afetada.
O Brasil representa 75% das importações norte-americanas de etanol. Os EUA são um dos principais destinos do etanol brasileiro, sobretudo em momentos de déficits locais ou em busca de combustíveis mais sustentáveis (como nos estados da Califórnia e Oregon, que têm programas de baixo carbono).
Em anos recentes, o Brasil exportou entre 1,5 e 2,1 bilhões de litros de etanol por ano, com os EUA sendo destino regular, especialmente via cotas tarifárias ou vendas spot para a Califórnia. A tarifa de 50% pode representar um acréscimo de US$ 200 a US$ 250 por mil litros, tornando o etanol brasileiro praticamente não competitivo no mercado americano.
O acréscimo de 50% sobre o preço do açúcar brasileiro tornará o produto significativamente mais caro para os importadores e consumidores americanos. Isso prejudica a competitividade do açúcar brasileiro frente a outros fornecedores, como México, Guatemala, União Europeia e Tailândia, que poderão ampliar sua participação no mercado americano.
O mercado americano opera com cotas tarifárias para importação de açúcar, baseadas em acordos internacionais (OMC e acordos bilaterais). A tarifa elevada pode inviabilizar a entrada do açúcar brasileiro mesmo dentro dessas cotas, reduzindo o volume exportado e trazendo incertezas para o planejamento das empresas brasileiras.
Suco de laranja
O setor da laranja, um dos primeiros a se manifestar sobre os impactos, deve ter um prejuízo estimado de R$ 1,1 bilhão por ano, com impacto para exportações de suco concentrado e congelado.
Segundo a CitrusBR, a nova taxação agrava significativamente os custos de exportação. Atualmente, já se aplica uma tarifa fixa de US$ 415 por tonelada e uma alíquota adicional de 10% (cerca de US$ 308 por tonelada).
Com a nova tarifa, o custo pode subir para até US$ 2.260 por tonelada, dependendo da forma de aplicação da alíquota. Em 2024, o Brasil exportou 1,326 milhão de toneladas de sucos para os EUA, gerando US$ 1,193 bilhão, sendo o suco de laranja o principal item.
O setor teme que a medida afete não apenas os exportadores brasileiros, mas também a indústria de sucos dos próprios Estados Unidos, que depende do Brasil como principal fornecedor e emprega milhares de pessoas.
O segmento de sucos ocupa o quarto lugar entre os produtos agropecuários mais exportados pelo Brasil aos EUA, atrás apenas de produtos florestais, café e carnes, reforçando a relevância estratégica da cadeia citrícola nas relações comerciais bilaterais.