A jornada das mulheres avançando no mercado de tecnologia
No mês passado, tive a oportunidade de lançar como coautora o livro “Mulheres de TI: Jornadas de aprendizado e inspirações“. O meu segundo livro reúne histórias das mais diversas origens com jornadas não lineares que acabam se encontrando no mesmo ponto de intersecção: a tecnologia. É um convite para mergulhar na trajetória de mulheres talentosas, que desafiaram o status quo.
Compartilho aqui um trecho do capítulo que escrevi, chamado “Empreendendo em tecnologia”, sobre os desafios de ser empreendedora em um mercado majoritariamente masculino como o da tecnologia. Confira:
“Estatísticas do Ministério da Educação e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) mostram rápido avanço das mulheres na educação brasileira, trazendo à luz uma realidade distinta da hegemonia masculina que presenciamos até então. Mesmo assim, os números de mulheres em graduações de disciplinas voltadas à ciência e tecnologia ainda são tímidos. Um exemplo clássico é o curso de engenharia que mantém a média de apenas 20% como estudantes mulheres.
Quando olhamos para o mercado de trabalho, este número não é muito diferente: as mulheres ocupavam apenas 23% dos cargos do setor em 2022 segundo pesquisa feita pela Catho. Por fim, falando do empreendedorismo em tecnologia, de acordo com o report Female Founders da Distrito, em 2021 apenas 9,8% das startups do atual ecossistema brasileiro de inovação foram fundadas por mulheres. Em 2011, este número era de 7,9%., ou seja, cresceu muito pouco em uma década.
Apesar da evolução das pautas de diversidade e representatividade feminina nos últimos anos, quando olhamos os dados, vemos pouco avanço evolução nos últimos anos. Mas porque isso ocorre? Sabemos que existem alguns temas culturais, como por exemplo os próprios estereótipos históricos de gênero, os quais delegam às meninas, desde cedo, tarefas e interesses relacionados à esfera do cuidado e ao âmbito privado (o famoso “bonecas versus computadores”). A figura masculina do geek antissocial da década de 60 que surgiu no Vale do Silício ajudou ao reforçar a imagem masculina no rosto do setor.
Além disso, alguns vieses inconscientes do próprio sistema como por exemplo: “meninos são melhores em matemática do que meninas”, reforçam o conceito e o funcionamento dos processos seletivos das vagas de tecnologia. Assim, meninas escolhendo carreiras mais voltadas à saúde e humanas parecia um caminho natural.
Já temos aí uma série de barreiras orgânicas que diminuem as chances de termos mais candidatas mulheres em tecnologia. Apesar disso, há um número de mulheres com diploma na mão, prontas (em todos os sentidos), a competirem pelas mesmas vagas. Elas dão um grande salto para transpor a barreira da entrevista e acessam o mercado. Vitória! Mas mal chega ao ambiente (no qual, se ela não é única, é esmagadora minoria) e se depara com mundo carregado por gírias e brincadeiras masculinas.
Para ilustrar o que estou comentando, trago dados do cenário de empreendedorismo feminino: o Female Founders Report, report que citei anteriormente, revela que mais de 60% das fundadoras disseram já terem sido questionadas por investidores se “teriam condições” de tocar o negócio, 45,7% se “conheciam termos técnicos básicos” e 14,2% se a empresa “tem um homem no quadro societário”. Além disso, 72,4% que passaram pelo processo de captação afirmaram terem sofrido assédio moral, principalmente relacionado a questões de gênero e maternidade.
Ou seja, durante toda a jornada da mulher, da infância até a própria permanência no mercado, existem questões a serem trabalhadas para conseguirmos indicadores melhores no setor. Apenas uma mudança sistêmica pode transformar cada etapa e para isso, são necessários inúmeros agentes: políticas públicas, as empresas, os movimentos sociais, livros como este. Adicionalmente, insisto em dizer o quanto nós mulheres, dentro do meio de tecnologia, também temos a responsabilidade de atuar de forma transformacional, seja no dia a dia ou por meio das nossas histórias.
(Muitas) Lições aprendidas nos últimos quatro anos
Empreendendo em um meio bastante masculino tive várias lições aprendidas dentro da tecnologia e hoje posso compartilhar as coisas que gostaria de ter escutado:
Altos e baixos são comuns
Algo que demorei a aprender foi que momentos difíceis passam e servem para reconhecer o quanto somos fortes. A jornada do empreendedorismo é feita de inúmeros desafios e apenas algumas vitórias, principalmente no começo. Um cliente que cancelou o contrato ou um contrato que não foi fechado; falta de caixa para pagar as contas, um funcionário chave que pede para sair; são partes do dia a dia da empreendedora. Se você não está passando por isso, sua empresa não está crescendo, pois, os problemas vêm quando há movimento.
Bernardinho sempre fala que não há sucesso sem desconforto: crescimento e conforto não combinam. Se o desconforto veio, se você está tendo que bater mais cabeça, pode ter certeza de que o caminho parece correto.
Você provavelmente escutará mais “nãos” do que “sims”
No jogo de empreender não importa quantos “nãos” você recebe, o que vale são as tentativas. Se você tem uma chance de sucesso de 5% que seja, precisa abrir 40 oportunidades para ter sucesso em 2, certo? Se abrir 60, são 3 eventos de sucesso, ou seja, 50% a mais do que se tivesse parado nas 40 tentativas. É importante entender que para tentar 60 vezes é preciso coragem, resiliência e tempo. Nada vai acontecer do dia para a noite, por isso é essencial começar já preparando mente e corpo para uma jornada de 3 a 5 anos de construção do negócio.
Esteja sempre preparada
Estude antes, se prepare. Seja para aquela reunião com clientes, com investidores, com seus pares, com o time. A busca incessante pelo conhecimento e por entender cada detalhe do modelo de negócio é chave para o sucesso do empreendedor.
Diversidade é fundamental para o nascimento e a sobrevivência de uma startup
Sair da bolha é essencial. E para isso precisamos de humildade para chamar outras pessoas para a mesa em forma de pares, sócios, conselheiros colaboradores. Busque uma mentora o mais cedo possível, escolha alguém de caráter, com um histórico legal com seus funcionários e investidores. No mundo do empreendedorismo você vai se deparar com muita gente que enriqueceu bastante e rápido, nem sempre esse é o empreendedor de sucesso, o espelho que você quer ter.
Walk the talk
Faça o que você prega, na tradução literal. A cultura de uma empresa é reflexo do empreendedora, não tem como ser diferente. E para que a cultura seja algo perene, que encante, precisa sair do papel e permear todo o fluxo, processo ou atitude do time. Não existe melhor forma de enraizar a cultura do que vivendo, de forma genuína, com base em seus valores. Empreender é um exercício solitário, você pode ter mentoras e especialistas te apoiando em quase todos os pontos da jornada, mas especificamente no que tange à maneira e os valores com que gerencia seu negócio, isso sempre será com você!
Marilyn Hahn é cofundadora e CRO do Bankly.