A história de Nvidia rima com a de Cisco, nos anos 2000?
Desde a pandemia, o mercado tenta prever o próximo “choque de realidade” nas Bolsas americanas. Inúmeros exemplos do passado são trazidos à tona na intenção de comparar o momento atual e justificar os motivos pelos quais a história deveria se repetir. No entanto, até agora todos eles caíram por terra.
Próximo da divulgação dos resultados da Nvidia, nada mais oportuno do que compará-la a um dos exemplos mais proeminentes do período que antecedeu o estouro da bolha da internet: a Cisco. De outubro de 1998 até março de 2000, a empresa do setor de comunicações era vista como um dos bastiões da evolução da internet. A revolução do setor estava apenas engatinhando, mas os investidores tinham motivos claros para apostar que o crescimento da empresa se perpetuaria e que a exagerada “sobreprecificação” das ações seria algo bastante aceitável.
Durante essa fase, a receita anual da companhia cresceu 82% — saiu dos US$ 9 para os US$ 17 bilhões —, enquanto suas ações avançaram nada menos do que 700% das mínimas feitas na crise do LTCM — uma outra história para um outro dia. O múltiplo de vendas (Price-to-Sales) chegou a bater exorbitantes 38 vezes, enquanto o índice preço-lucro (12 meses anteriores) alcançou impressionantes 237 vezes, reforçando o comportamento especulativo dos investidores à época. A falta de escalabilidade do modelo de negócio era clara, já que os meios físicos eram os grandes gargalos para o avanço das comunicações e da internet naquele momento.
Isso ficou claro nos anos seguintes, após a deterioração do cenário macroeconômico e o consequente estouro da bolha em 2000. As vendas da Cisco caíram mais de 21% em 2001, os lucros se tornaram prejuízos e as ações desabaram nada menos do que 86%, retornando para um múltiplo de lucros “aceitável” de 75 vezes. Dali para frente, durante os dez anos seguintes, as ações andaram praticamente de lado, refletindo um modelo de negócio nem tão vencedor assim. A verdade é que a Cisco acabou por sofrer com o avanço da concorrência, que conseguiu alcançar o padrão tecnológico da companhia em um breve espaço de tempo.
O momento atual de Nvidia guarda algumas rimas com essa (e outras) histórias do passado. De outubro de 2022, momento no qual suas ações fizeram as mínimas, até o fechamento da semana passada, o seu valor de mercado avançou 507%. O múltiplo de vendas (Price-to-Sales) está em 42 vezes e o seu índice preço-lucro está em 95 vezes. São marcas que claramente caracterizariam (ao menos) a necessidade de um sinal de alerta para os investidores. Entretanto, ao aprofundarmos na história da tese de investimento, e no momento competitivo da Nvidia, a impressão que dá é de que as rimas do passado destoam um pouco.
A empresa que hoje vale US$ 1,7 trilhão de dólares viu suas receitas avançarem abruptamente no ano passado. No último trimestre fiscal, terminado em outubro de 2023, elas alcançaram a marca dos US$ 18 bilhões, um crescimento de 205% em relação ao ano anterior. O consenso aponta que a companhia deve entregar vendas de US$ 59 bilhões no ano calendário de 2023 (a conferir hoje) e que, neste ano, elas devem atingir a marca dos US$ 94 bilhões. Se tomarmos este número como possível, o múltiplo de vendas projetado da Nvidia cairia para aceitáveis 18 vezes, nível próximo ao praticado no período pré pandemia. O mesmo vale para o índice preço-lucro, cuja projeção para 12 meses está em 36 vezes. O que chama mais atenção entretanto nesta história, e que se difere do modelo de negócio da Cisco, são as margens operacionais elevadíssimas (beirando os 60%) e o retorno sobre o patrimônio líquido (120%), o que lhe confere um poder de fogo tremendo para continuar investindo e aproveitar o que Brad Gerstner, CIO da Altimeter, definiu como “increased advantages of scale”.
A definição de Gerstner retrata bem o momento atual pelo qual a Nvidia está passando. O tamanho e o “bolso profundo” fazem a diferença neste momento. Estar alguns passos à frente, no limiar prático da fronteira tecnológica, também permitirá a ela se aproveitar das suas vantagens comparativas e cavar um poço (moat) cada vez maior. As margens de segurança continuam aumentando e uma nova disrupção ainda parece distante, ou melhor, cada vez mais dependente da infraestrutura baseada nos seus produtos e serviços.
Dada a forte arrancada das bolsas americanas nos últimos meses, não seria nada anormal algum tipo de acomodação ou de realização de lucros, especialmente para as ações da Nvidia. O movimento atual, descolado dos discursos sobre política monetária abre espaço para o incremento do grau de incerteza sobre os rumos de curto prazo dos fluxos de capital. Entretanto, os fundamentos parecem suficientemente claros para a continuidade do bull market. Se os ânimos aflorarem e as ações caírem, as chances de multiplicação de capital se tornarão ainda maiores. É nisso que estou de olho.
Como os mercados têm andado em fevereiro e os ajustes nas carteiras
Diante do feriado do carnaval e do Memorial Day nas Bolsas americanas, os ajustes nos Fundos foram mínimos. Até o fechamento de segunda (19), o índice S&P 500 avançava 2,7%, enquanto o Nasdaq-100 subia 2,15%. Por aqui, a temporada de resultados ganhará tração com os números da Gerdau, Weg, Vale, B3, Caixa Seguridade, Nubank, Mercado Livre, entre outras. Os números devem dar um pouco mais de cor para o Ibovespa, que ainda não decolou de vez no ano — no mês, sobe cerca de 1%.
Em relação aos resultados, as atenções estarão voltadas para as ações da Vale, que devem mexer o ponteiro, dado o mau humor recente proveniente da economia chinesa. A China, aliás, continua sendo uma pedra no sapato nos mercados emergentes. A dificuldade do país asiático em encontrar uma estratégia razoável para voltar a crescer tem abalado substancialmente os mercados acionários por lá. Nem mesmo o segmento de veículos elétricos tem sido poupado, apesar dos avanços inegáveis do lado produtivo e de distribuição ao redor do globo. Esse mau humor tem reduzido o fluxo de recursos dos fundos ligados ao país, e impactado marginalmente o direcionamento de recursos para os pares.
Do lado da política monetária, o gato subiu no telhado após os dados da inflação americana. Tanto a inflação ao consumidor (CPI) quanto a inflação ao produtor (PPI) referentes ao mês de janeiro vieram acima das expectativas e enterraram de vez a possibilidade da queda dos juros americanos agora na reunião de março. A “antecipação” da redução das taxas feita por Powell em dezembro, envelheceu rapidamente com a deterioração dos núcleos inflacionários. Minha leitura sobre o ambiente ainda não mudou: mesmo que em um passo mais lento, a inflação vai continuar a cair e abrir os espaços para os Goldilocks. A economia americana continuará forte o suficiente para empurrar as ações para cima até o final. Nesse processo, o dólar também continuará a se destacar frente às demais moedas dos países desenvolvidos, corroborando a ideia de atração de recursos para os ativos em Bolsa. Sem nenhum choque, o vento de cauda deve continuar favorável.
Por fim, vale mencionar a surpresa com o desempenho positivo do IBC-Br no mês de dezembro. O indicador, considerado uma prévia do PIB, mostrou avanço de 0,82% na comparação mensal, a despeito da fraqueza dos demais dados microeconômicos divulgados anteriormente. No final das contas, o que vai guiar o impulso dos investidores locais será a temporada de resultados, dada a dinâmica atual da queda da Selic. Que os jogos comecem.
Forte abraço,
João Piccioni
PS1. Na semana passada, gravei uma entrevista com a Paula Comassetto, do Seu Dinheiro, na qual abordei o racional e algumas teses de investimento do fundo Empiricus Tech Select FIA BDR Nível I. Veja nesse link.
PS2. Também divulgamos a segunda carta trimestral do fundo Empiricus Tech Select FIA. Nela, abordamos um pouco da história da tecnologia, questões envolvendo a Inteligência Artificial, as decisões de gestão e breves comentários sobre as teses de investimentos presentes na Carteira. Não deixe de ler! Link aqui.