Opinião

‘A festa é boa, mas a festa é nossa’: para Ilan Goldfajn, estrangeiros não virão

04 dez 2019, 18:52 - atualizado em 04 dez 2019, 18:53
Ilan Goldfajn
Na avaliação de Ilan, a sinalização do mercado internacional é de que os grandes gestores de recursos não estão ávidos por uma tomada de risco maior, mas sim por portos-seguros como títulos de países desenvolvidos (Imagem: Reuters/Adriano Machado)

Por Felipe Areia/Investing.com:

Muito aguardado pelo investidor local, que leva a bolsa a níveis recordes, os gringos vão decepcionar e não vêm participar da festa. Essa é a previsão do presidente do conselho do Credit Suisse e ex-presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn.

Falando para investidores em evento organizado pela Western Asset, Ilan traçou um cenário de incerteza global e previu que dificilmente teremos um grande fluxo de capital para o mercado.

“A festa é muito boa, mas a festa é nossa. O investidor estrangeiro não virá”, disse o ex-presidente do BC.

Na avaliação de Ilan, a sinalização do mercado internacional é de que os grandes gestores de recursos não estão ávidos por uma tomada de risco maior, mas sim por portos-seguros como títulos de países desenvolvidos.

“Há uma mudança global no desejo do investidor (…) que tem menos ímpeto por investimento e crescimento”, disse. “Eles estão buscando ativos mais seguros”.

Segundo ele, o principal sinal disso é a taxa de juros baixa ou negativa que se espalhou pelo mundo, especialmente Japão, Suíça e Europa. Os bancos centrais, classificados por Ilan como “mestres do curto prazo”, apenas reagem a uma dinâmica estrutural. Se os juros estão baixos, é porque não há demanda para maior risco.

A avaliação de Ilan Goldfajn é um balde d’água gelada naqueles que apostam que o investidor estrangeiro entraria maciçamente no Brasil.

As previsões foram sendo adiadas após os gringos não aparecerem com a vitória do presidente Jair Bolsonaro nas eleições de outubro do ano passado e, depois, com a aguardada aprovação da reforma da Previdência, cujo trâmite no Congresso se encerrou no início de novembro.

Os números mostram, efetivamente, que o gringo não veio.

Segundo dados mais atualizados da B3, no ano há uma saída líquida de R$ 11,6 bilhões de capital estrangeiro. Nos números da bolsa, ainda não foram contabilizados os follow-ons e IPOs de outubro e novembro, modalidades que têm atraído o capital externo.

O fluxo cambial publicado pelo BC mostra retiradas de US$ 27,2 bilhões até novembro, número elevado dado a dinâmica de empresas brasileiras que optaram por zerar suas dívidas em dólar e captar no mercado local.

Outros fatores, contudo, ainda explicariam a ausência de estrangeiros.

A falta de estabilidade nos países da América Latina faz com que gestores internacionais optem por desinvestir de outros países semelhantes – como o Brasil – para levar seu dinheiro para uma zona de conforto. Como não possuem equipes tão especializadas como as de grandes bancos e fundos brasileiros, não entendem a fundo a dinâmica da região.

Além disso, a falta de crescimento da economia – ainda não contabilizada a surpresa do PIB do 3º trimestre – tem impacto nos lucros das empresas, fator importante para atratividade do país.

O próprio sucesso do Ibovespa e as demais empresas da bolsa podem ter contribuído para a saída de capitais. Com a valorização dos ativos, gringos sacam recursos para manter a mesma exposição ao país. Superando os 110.000 pontos no intraday de hoje (4) e cravando novo recorde histórico, o Ibovespa acumula valorização de 25% em 2019. Em dólares, o Ibovespa subiu 15,6%.

O patamar mudou (…) Provavelmente não voltaremos mais a dois dígitos”, disse Ilan se referindo aos juros Selic (Imagem: Pixabay)

Câmbio desvalorizado, inflação e juros baixos são o novo normal

O ambiente econômico com juros reais na mínima histórica veio para ficar. A avaliação de Ilan Goldfajn é que os juros baixos foram alcançados por mudanças estruturais, como o controle de gastos públicos via teto de gastos e reforma da Previdência, aliadas a um banco central com independência de fato e o fim do descontrole da inflação.

“O patamar mudou (…) Provavelmente não voltaremos mais a dois dígitos”, disse Ilan se referindo aos juros Selic.

A análise de Goldfajn tem semelhança com a justificativa do ministro da Economia Paulo Guedes sobre a alta do dólar em relação ao real, proferida em entrevista na embaixada brasileira em Washington durante sua viagem aos EUA na semana passada. “Quando você tem um fiscal mais forte e um juro mais baixo, o câmbio de equilíbrio também ele é mais alto”, afirmou Guedes, despreocupado com a desvalorização do real.

Foi no BC comandado por Ilan Goldfajn que o novo patamar de juros começou a ser construído. Ele assumiu o BC em junho, logo depois de Michel Temer ser confirmado no cargo de presidente e chamar Ilan para retomar a credibilidade do banco, abalada após anos de Alexandre Tombini no cargo durante o mandato da petista Dilma Rousseff.

Até deixar o cargo em fevereiro de 2019, o BC havia levado os juros de 14,25% para 6,5% ao ano, com inflação saindo de mais de 9% ao ano para abaixo dos 4%.

Mas o caminho positivo não é uma certeza. “Não podemos mudar a direção”, defendeu Ilan, que completou afirmando que no Brasil é habitual mudar a política em pouco tempo. “É preciso reconhecer que estamos avançando”.

Se isso é positivo para a queda nos juros reais, a avaliação é no cenário inverso para quem espera a queda do dólar.

“Arrisco dizer que se olhar para daqui a 10 anos, o câmbio estará mais depreciado”, previu. Para ele, as incertezas globais e o menor diferencial de juros entre os países desenvolvidos e o Brasil não atrairá capitais.