A evolução do mercado de capitais está ameaçada; entenda
Não é preciso ir muito longe para encontrar inúmeros casos de poupadores levados a tomarem decisões equivocadas. Quantas vezes, em churrascos ou eventos, não escutamos as pessoas falando que perderam dinheiro por uma ou outra recomendação que viu nas redes sociais ou que seu próprio assessor de investimentos disse ser a melhor opção? Nesse segundo caso, trata-se de algo bem mais grave, pois se acredita no profissional que foi contratado.
Por longos anos, o mercado de capitais brasileiro se manteve aquém do seu potencial como financiador da economia produtiva. Aliás, ainda é muito incipiente quando comparamos com outras nações desenvolvidas. Nos Estados Unidos, por exemplo, o mercado de capitais representa 80% do crédito privado circulante na economia. Já no Brasil, menos de 15%.
Podemos atribuir grande parte dessa diferença às questões culturais. A poupança sempre foi o destino preferido das economias dos brasileiros, pois a aplicação é tida como um porto seguro para a maioria da população. A visão é de que, mesmo que a rentabilidade seja baixa, é melhor do que arriscar a perder. Para se ter uma ideia, o Brasil possui mais de 26,5 mil contas poupança com mais de R$ 1 milhão depositados, segundo dados do Fundo Garantidor de Créditos (FGC).
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Mas temos visto uma mudança de postura nos últimos anos. Segundo a última pesquisa Raio-x do Investidor Brasileiro, realizada pela Anbima, a caderneta de poupança continua sendo referência no quesito investimento pessoal, com índice de 22% (2023). Em 2017, o percentual de pessoas que colocavam seus recursos na poupança era de 89%. Outro dado recente da Anbima mostra que os investimentos das pessoas físicas somaram R$ 7,22 trilhões até o fim de setembro deste ano. O montante representa um aumento de 11,5% em relação ao volume investido até o término de 2023.
O que deveria ser somente uma excelente notícia, dada a maior maturidade do investidor brasileiro, torna-se um risco, pois à medida que estamos mais propensos a diversificar nossos investimentos, os erros no assessoramento nos tornam vítimas fáceis. Imagine tirar o seu R$ 1 milhão da poupança – que, sim, rende pouco, mas está garantido – para fazer uma aplicação mais arriscada com a possibilidade de obter um retorno maior e, ao final, perder grande parte do valor? O pior de tudo é não ter tomado tal decisão sozinho, mas ter tido o cuidado de contratar um especialista em investimentos para saber qual caminho tomar.
A deturpação do papel do assessor de investimento põe em risco toda a evolução do mercado. Impulsionados por incentivos de mercado mal direcionados, esses profissionais têm frequentemente se desviado de sua função de orientadores para se tornarem meros vendedores de produtos financeiros. Esta transformação cria condições para conflitos de interesse, onde a prioridade se desloca do bem-estar do cliente para o cumprimento de metas de vendas institucionais.
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O resultado? A oferta de produtos inadequados ao perfil do investidor, práticas eticamente questionáveis e potencialmente devastadoras para a estabilidade financeira das pessoas.
Ora, quando contratamos um especialista, fazemos isso justamente por não ter conhecimento específico naquela área e, por esse motivo, confiamos cegamente em suas orientações. Não é assim em uma consulta médica ou quando um eletricista vai montar a elétrica da sua casa? Por que no mundo dos investimentos seria diferente?
A necessidade de transparência e clareza na comunicação das informações é primordial e deve ser uma responsabilidade das empresas de investimento. Os investidores precisam de acesso a informações claras e compreensíveis para tomar decisões prudentes de acordo com seus objetivos financeiros e tolerância ao risco.
Não é possível permitir que assessores de investimento explorem a vulnerabilidade e a falta de conhecimento dos consumidores sem punição. Este cenário tem desafiado o Poder Judiciário, que tem recebido um número crescente de casos envolvendo relações de investimento em que os consumidores acabam sendo prejudicados. Em muitos desses casos, os investidores sofrem perdas exponenciais e podem chegar à insolvência, perdendo o patrimônio acumulado ao longo da vida, devido a investimentos prejudiciais que não correspondem ao seu perfil e que não foram devidamente esclarecidos.
O desafio enfrentado pelo Judiciário é garantir que estas práticas não sejam apenas questionadas, mas que se estabeleçam medidas rigorosas para prevenir tais abusos, protegendo efetivamente o consumidor-investidor. A atuação dos tribunais é crucial para equalizar essas relações, garantindo que as instituições financeiras cumpram suas obrigações legais e éticas, e para que a dignidade e a estabilidade financeira dos investidores sejam preservadas. Caso contrário, a evolução do mercado de capitais estará ameaçada.