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A eficiência irracional dos mercados de criptomoedas

24 jan 2021, 11:00 - atualizado em 08 mar 2021, 15:28
Confira, neste artigo ao The Block por Tarun Chitra, fundador e CEO da Gauntlet Network, por que até mesmo as coisas ineficazes em cripto fazem a indústria dar certo (Imagem: Crypto Times)

Embora 2020 tenha sido um ano desafiador para grande parte da economia mundial, cripto, de certa forma, seguiu um caminho diferente.

No ano passado, houve um grande crescimento, uma mudança geracional conforme players institucionais e mais velhos entraram para cripto.

Houve “halvings” — reduções pela metade na recompensa por bloco recebida por mineradores —, uma minifebre de ofertas iniciais de moedas (ICOs), um dilúvio de fundos institucionais e o mais importante: uma sensação de que o dinheiro digital resistente à censura é necessário devido à hiperinflação das políticas monetárias.

Em meio às trivialidades e autobajulação dos titãs da indústria, ainda existe a impressão de que criptomoedas e suas tecnologias ainda são nascentes e, de certa forma, “precoces”.

Algo que profissionais e investidores sempre irão te dizer é que os mercados cripto ainda são muito ineficientes em relação às contrapartes centralizadas. Apesar de todo o hype sobre cripto em 2020, algo realmente mudou em sua eficiência?

Neste artigo, falaremos sobre quais melhorias foram feitas na rede no último ano e especular sobre o futuro. Mesmo conforme mercados cripto amadurecem, argumenta-se que a presença de ineficiências faz as finanças cripto prosperarem.

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Voltando para 2019

Para pensar no futuro, é preciso entender onde estávamos antes. Muitas previsões, pensadas para o período entre 2020 e 2030, são sobre melhorias na eficiência de corretoras centralizadas e no crescente uso das finanças descentralizadas (DeFi).

A enorme volatilidade de 2020 e a degradação do dólar americano fez com que muitas dessas melhorias (em tecnologias de negociação cripto) começassem a ser produzidas em alta velocidade.

Uma das maiores inovações do mercado em 2019 foi o “exchange token” (ou “token de corretora”) — como o FTT da FTX e o BNB da Binance.

A FTX argumentou que esses tokens forneciam uma melhor eficiência de capital a formadores de mercado porque permitiam que continuassem a gerenciar seu risco por taxas de estorno.

Essas inovações permitiram que o crescimento de mercado em corretoras centralizadas evitasse certos obstáculos da febre de 2017, garantindo que o bitcoin fosse capaz de se recuperar das baixas de 12 de março (a famosa “quinta-feira sombria”).

Esses obstáculos, como a liquidez fragmentada e preços não sincronizados em corretoras, foram superados por uma combinação de tecnologia melhorada e formadores de mercado mais sofisticados.

Previa-se que, no fim de 2019, a BitMEX não seria capaz de competir com corretoras mais jovens por conta de sua aversão filosófica a tokens.

2020 foi ano do yield farming, processo em que fornecedores de liquidez ganham recompensas com um token específico (Imagem: Pixabay/BiljaST)

Retrospectiva de 2020

Ano passado, vimos muitas dessas previsões se tornarem realidade, apesar de isso ter acontecido de formas inesperadas. Surpreendentemente, o principal sinal de eficiência de mercado foram os “governance tokens” (ou “tokens de governança”) do setor DeFi.

Tokens de governança permitem que detentores votem em mudanças a um protocolo DeFi. Para instrumentos financeiros, essas mudanças incluem atualizações, como taxas de juros ou requisitos de margem.

Novas emissões desses tokens ajudaram a impulsionar um novo truque de crescimento chamado “yield farming”.

Diferente de uma ICO, em que um participante apresenta um token para adquirir outro, “yield farming” envolve a aquisição de um token de governança DeFi pelo fornecimento de liquidez ou utilização de um protocolo.

Dessa forma, um usuário só recebe recompensas de token por usar o protocolo. Por exemplo, um participante contribuiu 10% de liquidez em um protocolo de empréstimos de “pool” a ponto, como Aave e Compound.

Esse usuário receberia uma fração do token de governança do protocolo por seu papel de utilização — esse usuário receberia 10% das recompensas de incentivo emitidas por bloco.

De inúmeras maneiras, essa é uma evolução dos truques de crescimento na Web 2.0, que pagava usuários em dinheiro para que estes usassem seus produtos, pois esses protocolos realmente pagam pelo uso por meio de um instrumento parecido com participações em empresas tradicionais.

Ao dar tokens de governança aos usuários, protocolos DeFi foram capazes de financiar a utilização do protocolo enquanto aumentavam a distribuição do token.

Diferente de participantes em ICOs e airdrops, “yield farmers” tinham de correr um risco com seu capital fornecido a protocolos para obter tokens de governança.

Por exemplo, se um protocolo de yield farming tivesse um recurso de perda impermanente (como a Uniswap), esse usuário poderia perder mais (em valor total) do que ganharia com os tokens de governança emitidos.

Além disso, usuários não recebem seus incentivos imediatamente e de uma só vez — em vez disso, devem bloquear seu capital por um período extenso para maximizar sua recompensa.

Esses princípios de “farming” garantem que usuários recebam mais incentivo para deterem o ativo a longo prazo e tenham mais comprometimento em gerenciar e manter esses protocolos.

Segundo uma pesquisa recente do The Block, o token de governança do protocolo Compound Finance — que deu início à febre do yield farming — é ativamente utilizado para melhorar o protocolo.

Assim como seus antecessores, tokens de corretora e de governança fornecem um aprimoramento de capital eficiente sobre mecanismos de incentivo “tradicionais”.

Em primeiro lugar, usuários do protocolo recebem recompensas de forma contínua e fluida por sua participação no protocolo. Isso permite que reinvistam suas recompensas e as utilizem na governança do protocolo.

Além disso, esses tokens são extremamente úteis para impulsionar a governança e encorajar usuários a testarem todas as funcionalidades do protocolo.

Mesmo aqueles que participaram da febre dos tokens em 2017 consideram essas inovações como uma forma mais eficiente e justa de usar tokens na criação de uma verdadeira comunidade.

Fornecedores de liquidez ativos na Uniswap.

Governança “vampírica”

Mas por que esses ativos contribuem para as ineficiências? Um dos fatos mais interessantes sobre criptomoedas e contratos autônomos é que sua natureza de código aberto permite que haja clones e cópias.

O incidente da SushiSwap em 2020 mostra que a clonagem de um protocolo existente com um produto adequado de mercado e o acréscimo de um novo incentivo de tokens pode, de forma competitiva, retirar a liquidez do protocolo original (Uniswap).

Essa fragmentação resulta em uma abundância de oportunidades de arbitragem, o que integra novos participantes e capital ao mercado. Embora seja um “epifenômeno”, esse looping positivo de contribuições foi impulsionado pelas ineficiências.

Ineficiência

Neste momento, você pode estar se perguntando se a tese dessa “ineficiência atrai novos participantes de mercado, trazendo ainda mais ineficiência” só se aplica às DeFi.

Graças ao crescente número de stablecoins — criptomoedas de valor estável — e à dependência de corretoras centralizadas nesses ativos, isso está longe de ser verdade. As ineficiências no mercado de stablecoins ajudaram a intensificar grande parte das oscilações de preço em março de 2020.

Nesse momento, quando participantes de mercado rebalanceavam demais seus portfólios cripto com stablecoins, corretoras e mesas de mercado de balcão (OTC) não tinham suprimento suficiente.

Contrapartes, como Circle e Bitfinex, também estavam tendo problemas em atender à demanda de emissão de suas stablecoins (USDC e USDT, respectivamente), resultando em um nível absurdo de instabilidade.

Essa instabilidade se propagou bastante por todo o ecossistema, principalmente quando o bitcoin despencou abaixo dos US$ 4 mil. Caso houvesse muita liquidez para stablecoins, é bem menos provável que a queda súbita de 12 de março de 2020 teria acontecido.

Houve uma considerável diferença de preço, entre 15 e 20%, entre as corretoras denominadas em bitcoin (como BitMEX) e em corretoras denominadas em stablecoins.

Uma combinação dessas ineficiências centralizadas e descentralizadas ajudaram cripto a lançar sua própria “Operação Velocidade Máxima” (tradução livre de “Operation Warp Speed”, ou OWS, a fim de acelerar o desenvolvimento de vacinas contra a COVID-19).

Tivemos a verdadeira vitória para o bitcoin: bancos centrais acrescentaram bilhões de dólares a seus balanços, monetizaram títulos soberanos a níveis recordes e zeraram as taxas de rendimento a níveis recordes de dívida (Imagem: Unsplash/@denarium_bitcoin)

Foi nessa época que veteranos do mercado tradicional, desanimados com tudo — desde a promoção de títulos pelo Federal Reserve à incapacidade do governo americano em parar de emitir dólares —, passaram a olhar para cripto.

Paul Tudor Jones até declarou publicamente que ele estava optando por criptomoedas como proteção à inflação e porque os mercados cripto ainda estão repletos de ineficiências.

Essa percepção de famosos gestores resultou em uma enxurrada de interesse de instituições, na expectativa de captar valor de algumas dessas ineficiências.

É o conjunto de ineficiências em constante evolução que conquista o coração e a mente dos negociadores e usuários de cripto de amanhã.

Sem dúvidas, a ironia de fazer parte de uma indústria que cresce com a combinação da inovação tecnológica e o aumento de sua ineficiência não está perdida por grande parte dos participantes de mercado.

Ter a capacidade de bifurcar facilmente e copiar ideias resulta, naturalmente, em fragmentação e desperdício, mas sempre existe um fluxo de novas ideias nesse setor.

Após esse panorama de como ineficiências influenciam o crescimento do setor cripto, é normal tentar prever o que está reservado para 2021.

O mercado de bitcoin, o mais eficiente das criptomoedas, não precisa nem é capaz de criar jogos de arbitragem ou liquidez fragmentada.

A melhor tentativa, a Lightning Network, teve certo sucesso, apesar do fato de que o meme de “hodl” ser algo antiético aos pagamentos na rede Bitcoin.

Por outro lado, wrapped BTC (e, com sorte, o BTC com necessidade mínima de confiança entre blockchains) naturalmente cria jogos de arbitragem e fragmentação que, combinados com “yield farming”, impulsionou seu incrível crescimento de utilização na Ethereum.

DeFi:

stablecoins algorítmicas terão um ótimo ano conforme a emissão de dólares ultrapassa US$ 5 bilhões;

– DeFi entre blockchains, seja por meio do blockchain Compound ou por uma ponte entre blockchains, terá suporte conforme validadores aprendem a otimizar seus riscos financeiros;

– o volume de empréstimos-relâmpago irá ultrapassar o de acordos de recompra (“repo”) de cripto fornecido por mesas de mercado de balcão (OTC).

Confira as principais tendências sobre DeFi para 2021

Bitcoin:

– derivativos “wrapped” e com necessidade mínima de confiança do bitcoin irão, infelizmente, continuar a dominar a Lightning Network em uso, volumes, experiência de usuários e distribuição.

Ethereum:

– pré-compilações para reduzir custos de gás para a união de assinaturas entre blockchains finalmente serão aceitas, implementadas e enviadas em uma proposta de melhoria à Ethereum (EIP);

– haverá um novo cliente Rust que será melhor que Geth e OpenEthereum.

Bitcoin, ether e stablecoins: confira tendências
do mercado cripto para 2021