A dura realidade matemática: Ou o Brasil acerta a trajetória fiscal ou o país explode
Enquanto a Europa avança em direção a taxas de juros mais baixas para estimular o crescimento econômico, o Brasil segue na direção oposta, intensificando sua política monetária.
Na noite de quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu elevar a taxa Selic em 100 pontos-base, de 11,25% para 12,25% ao ano, acompanhando a decisão com um comunicado firme e conservador, que deixou clara a intenção de continuar com um ciclo agressivo de aperto monetário.
Essa decisão reflete as particularidades do cenário doméstico brasileiro, onde as expectativas inflacionárias estão desancoradas devido à ausência de uma âncora fiscal confiável.
O contraste entre as prioridades é evidente: enquanto a Europa busca reviver sua economia estagnada, enfrentando até mesmo riscos de estagflação, o Brasil concentra esforços em evitar uma espiral inflacionária, agravada pela falta de previsibilidade nas contas públicas.
A elevação da Selic veio acompanhada da sinalização de mais duas altas consecutivas de 100 pontos-base nas reuniões previstas para o início de 2025, já sob a liderança de Gabriel Galípolo no Banco Central.
Com essas medidas, a taxa básica de juros deverá alcançar pelo menos 14,25% ao ano.
Essa postura não apenas atende às expectativas do mercado, já refletidas na curva de juros, como também reafirma o compromisso do Banco Central em reancorar as expectativas inflacionárias.
O movimento surpreendeu pela intensidade e mostrou que a autoridade monetária está disposta a adotar medidas enérgicas para recuperar a credibilidade dos fundamentos macroeconômicos. Minha avaliação é de que foi uma decisão acertada.
O tom hawkish adotado pelo Banco Central surge em um momento crucial, em meio a um ambiente doméstico carregado de pessimismo, amplificado pela apresentação desastrosa do pacote fiscal de contenção de gastos.
Essa postura firme busca não apenas conter a inflação, mas também sinalizar ao mercado que a instituição permanece independente e comprometida com a estabilidade econômica, mesmo diante de adversidades.
Fatores como a aprovação do pacote fiscal, possíveis medidas complementares, novos dados econômicos e os movimentos de outras autoridades monetárias globais terão um papel crucial em moldar o cenário até a conclusão desse ciclo.
Entretanto, mesmo com a adoção de uma política monetária rigorosa, o real voltou a se desvalorizar e a curva de juros sofreu uma nova disparada. Essa reação reflete principalmente dois fatores centrais.
O primeiro é a incerteza em torno da aprovação das medidas fiscais no Congresso, intensificada pelos temores de que o pacote de contenção do crescimento dos gastos públicos possa ficar paralisado, especialmente no contexto da recuperação do presidente Lula após dois procedimentos cirúrgicos delicados.
O segundo é o aumento das discussões sobre o risco de dominância fiscal, uma preocupação que vem ganhando destaque entre economistas e investidores.
Dominância fiscal refere-se a um cenário em que a política fiscal se sobrepõe ou limita a política monetária, retirando do Banco Central a autonomia necessária para controlar a inflação ou a taxa de juros.
Nesse contexto, as decisões da autoridade monetária passam a ser condicionadas pela necessidade de financiar déficits fiscais elevados ou administrar uma dívida pública insustentável. Isso cria um círculo vicioso: uma política fiscal desequilibrada exige juros mais altos, que, por sua vez, agravam ainda mais o quadro fiscal.
Nesse tipo de dinâmica, o ajuste macroeconômico que deveria recair sobre os juros acaba se refletindo na inflação, especialmente em um cenário de desvalorização cambial, conduzindo o país a uma trajetória que lembra os desastres econômicos da Turquia e da Argentina.
Mesmo com a decisão acertada do Copom de elevar os juros, o impacto pode se mostrar insuficiente, ou até mesmo contraproducente, se não for acompanhado de um ajuste fiscal robusto.
O aumento da Selic eleva o custo da dívida pública, ampliando o déficit nominal e agravando a trajetória de endividamento, o que alimenta ainda mais a desconfiança do mercado em relação à sustentabilidade fiscal do país.
Embora o Brasil ainda não tenha atingido um ponto crítico de dominância fiscal, os sinais de alerta emitidos com os eventos recentes reforçam a urgência de implementar ajustes mais profundos.
O atraso na apresentação do pacote fiscal e a entrega de uma proposta que ficou aquém das expectativas criaram um cenário significativamente mais desafiador para o governo.
Essa escolha aumentou a complexidade do caminho até 2026, ano de eleições presidenciais, exigindo um esforço ainda maior para restaurar a confiança e estabilizar a economia.
Qualquer pessoa com o mínimo de compreensão e habilidade de interpretar dados consegue reconhecer que o Brasil enfrenta desafios significativos. Os números são eloquentes.
Em outubro, o setor público registrou um déficit nominal de R$ 74,7 bilhões, elevando o acumulado dos últimos 12 meses para R$ 1,093 trilhão, o que corresponde a 9,5% do PIB.
Paralelamente, a dívida bruta do governo alcançou 78,6% do PIB, reforçando a gravidade da situação fiscal. Nesse período, os pagamentos de juros totalizaram impressionantes R$ 869 bilhões, representando 7,6% do PIB. Esses dados ilustram um cenário preocupante, que exige atenção e ação imediata.
Para mitigar essa pressão, será indispensável que o Congresso Nacional aprofunde o pacote de contenção de gastos, como sinalizado pelos presidentes das casas legislativas na última semana.
O momento exige medidas firmes, e deixar a proposta de isenção do Imposto de Renda em segundo plano não seria apenas sensato, mas absolutamente crucial para alinhar as expectativas e evitar mais tensões nos mercados.
No entanto, a execução desse plano enfrenta desafios, uma vez que a apresentação de medidas adicionais pelo governo, inicialmente prevista para ocorrer nos próximos 30 a 60 dias, já levanta dúvidas quanto a prazos, considerando o histórico de atrasos.
É razoável supor que essa janela se estenda para 90 ou até 180 dias, o que apenas agrava a percepção de insegurança fiscal.
A falta de decisões claras e de uma comunicação eficaz tem sido um ponto fraco em momentos críticos como este, intensificando a urgência de uma mudança de postura.
Em minha avaliação, o pacote de contenção deveria ter sido concebido como uma ponte, uma medida capaz de garantir estabilidade suficiente para atravessar 2025, criando espaço para uma discussão mais ampla e estratégica sobre a política fiscal no ano eleitoral de 2026.
Infelizmente, os atrasos e as falhas na comunicação comprometeram a eficácia dessa abordagem, deixando o governo em uma posição de maior vulnerabilidade diante das pressões internas e externas.
Na ausência de um plano fiscal robusto, a política monetária terá de assumir um papel ainda mais central e intenso na tentativa de controlar os desequilíbrios econômicos.
Contudo, como já mencionei, essa solução tem limites. A escolha de adiar reformas estruturais de maior impacto apenas aumentou a complexidade do cenário.
De acordo com a lógica da teoria da reflexividade de George Soros, em que a percepção molda a realidade e é, por sua vez, moldada por ela, o Brasil se encontra em um ciclo vicioso: a percepção negativa sobre a sustentabilidade fiscal agrava os desequilíbrios macroeconômicos, que, por sua vez, intensificam ainda mais a desconfiança.
Nesse contexto, os ajustes fiscal e monetário necessários tornam-se mais amplos, difíceis e dolorosos, contratando uma desaceleração econômica expressiva nos próximos anos.
Apesar desses contratempos, ainda acredito na possibilidade de uma mudança política significativa em 2026, que pode reorientar o país para uma trajetória mais sustentável.
No entanto, o caminho até lá será árduo, exigindo esforço e comprometimento consideráveis. É imperativo que o governo reconheça os erros cometidos até aqui e implemente uma correção de rota efetiva.
Além disso, é essencial estabelecer bases sólidas para o futuro, tanto em termos de credibilidade fiscal quanto de previsibilidade econômica. Apenas com uma postura resoluta será possível mitigar os danos acumulados e restaurar a confiança necessária para enfrentar os desafios iminentes de forma eficaz e sustentável.