Thinking outside the box

A dura realidade matemática: Ou o Brasil acerta a trajetória fiscal ou o país explode

13 dez 2024, 18:38 - atualizado em 13 dez 2024, 18:44
Tesouro Direto, Renda Fixa, Investimentos, Brasil
Da mesma forma, o aumento dos juros por aqui é insuficiente sem um compromisso firme do governo com a responsabilidade fiscal (Imagem: REUTERS/Amanda Perobelli)

Enquanto a Europa avança em direção a taxas de juros mais baixas para estimular o crescimento econômico, o Brasil segue na direção oposta, intensificando sua política monetária.

Na noite de quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu elevar a taxa Selic em 100 pontos-base, de 11,25% para 12,25% ao ano, acompanhando a decisão com um comunicado firme e conservador, que deixou clara a intenção de continuar com um ciclo agressivo de aperto monetário.

Essa decisão reflete as particularidades do cenário doméstico brasileiro, onde as expectativas inflacionárias estão desancoradas devido à ausência de uma âncora fiscal confiável.

O contraste entre as prioridades é evidente: enquanto a Europa busca reviver sua economia estagnada, enfrentando até mesmo riscos de estagflação, o Brasil concentra esforços em evitar uma espiral inflacionária, agravada pela falta de previsibilidade nas contas públicas.

A elevação da Selic veio acompanhada da sinalização de mais duas altas consecutivas de 100 pontos-base nas reuniões previstas para o início de 2025, já sob a liderança de Gabriel Galípolo no Banco Central.

Com essas medidas, a taxa básica de juros deverá alcançar pelo menos 14,25% ao ano.

Essa postura não apenas atende às expectativas do mercado, já refletidas na curva de juros, como também reafirma o compromisso do Banco Central em reancorar as expectativas inflacionárias.

O movimento surpreendeu pela intensidade e mostrou que a autoridade monetária está disposta a adotar medidas enérgicas para recuperar a credibilidade dos fundamentos macroeconômicos. Minha avaliação é de que foi uma decisão acertada.

O tom hawkish adotado pelo Banco Central surge em um momento crucial, em meio a um ambiente doméstico carregado de pessimismo, amplificado pela apresentação desastrosa do pacote fiscal de contenção de gastos.

Essa postura firme busca não apenas conter a inflação, mas também sinalizar ao mercado que a instituição permanece independente e comprometida com a estabilidade econômica, mesmo diante de adversidades.

Fatores como a aprovação do pacote fiscal, possíveis medidas complementares, novos dados econômicos e os movimentos de outras autoridades monetárias globais terão um papel crucial em moldar o cenário até a conclusão desse ciclo.

Entretanto, mesmo com a adoção de uma política monetária rigorosa, o real voltou a se desvalorizar e a curva de juros sofreu uma nova disparada. Essa reação reflete principalmente dois fatores centrais.

O primeiro é a incerteza em torno da aprovação das medidas fiscais no Congresso, intensificada pelos temores de que o pacote de contenção do crescimento dos gastos públicos possa ficar paralisado, especialmente no contexto da recuperação do presidente Lula após dois procedimentos cirúrgicos delicados.

O segundo é o aumento das discussões sobre o risco de dominância fiscal, uma preocupação que vem ganhando destaque entre economistas e investidores.

Dominância fiscal refere-se a um cenário em que a política fiscal se sobrepõe ou limita a política monetária, retirando do Banco Central a autonomia necessária para controlar a inflação ou a taxa de juros.

Nesse contexto, as decisões da autoridade monetária passam a ser condicionadas pela necessidade de financiar déficits fiscais elevados ou administrar uma dívida pública insustentável. Isso cria um círculo vicioso: uma política fiscal desequilibrada exige juros mais altos, que, por sua vez, agravam ainda mais o quadro fiscal.

Nesse tipo de dinâmica, o ajuste macroeconômico que deveria recair sobre os juros acaba se refletindo na inflação, especialmente em um cenário de desvalorização cambial, conduzindo o país a uma trajetória que lembra os desastres econômicos da Turquia e da Argentina.

Mesmo com a decisão acertada do Copom de elevar os juros, o impacto pode se mostrar insuficiente, ou até mesmo contraproducente, se não for acompanhado de um ajuste fiscal robusto.

O aumento da Selic eleva o custo da dívida pública, ampliando o déficit nominal e agravando a trajetória de endividamento, o que alimenta ainda mais a desconfiança do mercado em relação à sustentabilidade fiscal do país.

Embora o Brasil ainda não tenha atingido um ponto crítico de dominância fiscal, os sinais de alerta emitidos com os eventos recentes reforçam a urgência de implementar ajustes mais profundos.

O atraso na apresentação do pacote fiscal e a entrega de uma proposta que ficou aquém das expectativas criaram um cenário significativamente mais desafiador para o governo.

Essa escolha aumentou a complexidade do caminho até 2026, ano de eleições presidenciais, exigindo um esforço ainda maior para restaurar a confiança e estabilizar a economia.

Qualquer pessoa com o mínimo de compreensão e habilidade de interpretar dados consegue reconhecer que o Brasil enfrenta desafios significativos. Os números são eloquentes.

Em outubro, o setor público registrou um déficit nominal de R$ 74,7 bilhões, elevando o acumulado dos últimos 12 meses para R$ 1,093 trilhão, o que corresponde a 9,5% do PIB.

Paralelamente, a dívida bruta do governo alcançou 78,6% do PIB, reforçando a gravidade da situação fiscal. Nesse período, os pagamentos de juros totalizaram impressionantes R$ 869 bilhões, representando 7,6% do PIB. Esses dados ilustram um cenário preocupante, que exige atenção e ação imediata.

Para mitigar essa pressão, será indispensável que o Congresso Nacional aprofunde o pacote de contenção de gastos, como sinalizado pelos presidentes das casas legislativas na última semana.

O momento exige medidas firmes, e deixar a proposta de isenção do Imposto de Renda em segundo plano não seria apenas sensato, mas absolutamente crucial para alinhar as expectativas e evitar mais tensões nos mercados.

No entanto, a execução desse plano enfrenta desafios, uma vez que a apresentação de medidas adicionais pelo governo, inicialmente prevista para ocorrer nos próximos 30 a 60 dias, já levanta dúvidas quanto a prazos, considerando o histórico de atrasos.

É razoável supor que essa janela se estenda para 90 ou até 180 dias, o que apenas agrava a percepção de insegurança fiscal.

A falta de decisões claras e de uma comunicação eficaz tem sido um ponto fraco em momentos críticos como este, intensificando a urgência de uma mudança de postura.

Em minha avaliação, o pacote de contenção deveria ter sido concebido como uma ponte, uma medida capaz de garantir estabilidade suficiente para atravessar 2025, criando espaço para uma discussão mais ampla e estratégica sobre a política fiscal no ano eleitoral de 2026.

Infelizmente, os atrasos e as falhas na comunicação comprometeram a eficácia dessa abordagem, deixando o governo em uma posição de maior vulnerabilidade diante das pressões internas e externas.

Na ausência de um plano fiscal robusto, a política monetária terá de assumir um papel ainda mais central e intenso na tentativa de controlar os desequilíbrios econômicos.

Contudo, como já mencionei, essa solução tem limites. A escolha de adiar reformas estruturais de maior impacto apenas aumentou a complexidade do cenário.

De acordo com a lógica da teoria da reflexividade de George Soros, em que a percepção molda a realidade e é, por sua vez, moldada por ela, o Brasil se encontra em um ciclo vicioso: a percepção negativa sobre a sustentabilidade fiscal agrava os desequilíbrios macroeconômicos, que, por sua vez, intensificam ainda mais a desconfiança.

Nesse contexto, os ajustes fiscal e monetário necessários tornam-se mais amplos, difíceis e dolorosos, contratando uma desaceleração econômica expressiva nos próximos anos.

Apesar desses contratempos, ainda acredito na possibilidade de uma mudança política significativa em 2026, que pode reorientar o país para uma trajetória mais sustentável.

No entanto, o caminho até lá será árduo, exigindo esforço e comprometimento consideráveis. É imperativo que o governo reconheça os erros cometidos até aqui e implemente uma correção de rota efetiva.

Além disso, é essencial estabelecer bases sólidas para o futuro, tanto em termos de credibilidade fiscal quanto de previsibilidade econômica. Apenas com uma postura resoluta será possível mitigar os danos acumulados e restaurar a confiança necessária para enfrentar os desafios iminentes de forma eficaz e sustentável.

Economista e especialista em investimentos da Empiricus
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.
matheus.spiess@moneytimes.com.br
Estudou finanças na University of Regina, no Canadá, tendo concluído lá parte de sua graduação em economia pela PUC. Pós-graduado no Programa Avançado em Finanças do Insper, trabalhou em duas das maiores casas de análise de investimentos da América Latina, além de ter feito parte de uma boutique voltada para fusões e aquisições, na área de modelagem financeira e pesquisa. Hoje faz parte no time de analistas da Empiricus, participando de séries como Palavra do Estrategista e Double Income, além do programa Empiricus Private junto do Felipe Miranda, estrategista-chefe e um dos fundadores da casa. É analista CNPI e especialista em investimentos CEA.