Thinking outside the box

A disputa por Essequibo: Venezuela vai invadir a Guiana?

23 dez 2023, 9:29 - atualizado em 23 dez 2023, 9:29
Venezuela, Nicolás Maduro
“A tentativa de Maduro de ressuscitar essa questão centenária é vista como um ato desesperado para desviar a atenção pública”, explica o colunista (Imagem: REUTERS/Manaure Quintero)

No início deste mês, os venezuelanos participaram de um plebiscito que, supostamente com mais de 95% dos votos favoráveis, aprovou a proposta do presidente Maduro de anexar a região de Essequibo (ou Guiana Essequiba, em castelhano), conhecida por sua riqueza em petróleo e outras commodities. Mais de 10,4 milhões dos 20,7 milhões de eleitores elegíveis exerceram seu direito de voto.

A possível anexação dessa região representaria um absurdo geopolítico na América do Sul. A área disputada, abrangendo aproximadamente 160 mil quilômetros quadrados (dois terços do território do país ao qual pertence), tem tamanho semelhante ao da Flórida e está sob controle da Guiana desde sua independência, apesar das reivindicações históricas da Venezuela, inclusive antes da independência da Guiana.

A origem da palavra “guiana” remonta ao idioma indígena aruaque, significando “terra de muitas águas”, representando os rios e bacias ao norte do rio Amazonas e a leste do rio Orinoco, denominado “Planalto das Guianas” (“Escudo das Guianas”).

Historicamente, essa região inclui o Amapá (anteriormente chamado de Guiana Portuguesa), Guiana Francesa (parte da República Francesa), Suriname (antiga Guiana Holandesa ou Neerlandesa), Guiana (antiga Guiana Britânica) e Guiana Espanhola (território da Venezuela).

A tentativa de Maduro de ressuscitar essa questão centenária é vista como um ato desesperado para desviar a atenção pública da crise econômica e estimular o nacionalismo. É amplamente reconhecido que o regime venezuelano demonstrou total incapacidade de governar o país.

Apesar da retórica inflamada, o risco de um conflito armado parece remoto, sem evidências de uma real intenção de invasão por parte do presidente venezuelano. Isso se deve às consequências significativas que incluiriam novas rodadas de sanções abrangentes pelos EUA e aliados, além de condenação diplomática quase universal, incluindo de parceiros regionais históricos da Venezuela.

Na verdade, o plebiscito parece ser uma manobra clássica para avivar o nacionalismo antes das supostas eleições em 2024, caso ocorram.

Atualmente, Essequibo é o lar de 125 mil dos aproximadamente 800 mil cidadãos da Guiana. No final do século XIX, na década de 1890, um tribunal arbitral internacional concedeu a área ao Reino Unido, que na época controlava a Guiana Inglesa.

No entanto, a Venezuela nunca reconheceu essa decisão. A disputa remonta a 1814, quando os holandeses cederam o território aos britânicos, mas os espanhóis não aceitaram a posse britânica além do rio Essequibo, embora não pudessem evitar o domínio inglês na região.

A dificuldade em estabelecer fronteiras na região das Guianas é, na maioria, devido à geografia, com a presença da densa floresta amazônica e às áreas pouco povoadas.

Essa questão não se limita apenas à Venezuela e Guiana, mas envolve outros países da região, como o Brasil e o Suriname, que também enfrentaram problemas fronteiriços devido a divergências.

Caracas reivindica Essequibo como seu, argumentando que a região estava dentro de seus limites durante a época colonial espanhola e nos primeiros anos após sua independência.

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O governo da Guiana, por sua vez, insiste em manter a fronteira estabelecida na década de 1890 por um painel de arbitragem, enquanto alega que a Venezuela concordou com a decisão até mudar de ideia na década de 1960.

Duas décadas atrás, o ex-presidente Hugo Chávez, buscando apoio internacional, havia arquivado a reivindicação territorial.

A mudança recente ocorreu devido às descobertas de petróleo offshore em Essequibo pela ExxonMobil, levando Maduro a resgatar uma narrativa nacionalista ao sugerir que a nação foi despojada de sua riqueza.
Essequibo, com dimensões superiores às da Grécia e abundantemente dotado de recursos naturais, emerge como a economia de crescimento mais vigoroso do mundo na atualidade.

Trata-se de um território não apenas pouco acessível e escassamente povoado, mas também exuberantemente rico em recursos.

No mapa fornecido pela Bloomberg, a região em destaque é marcada em verde, com as delimitações para exploração nas águas do Oceano Atlântico claramente demarcadas, e o poço de petróleo destacado em amarelo.

Este cenário geográfico, apesar de sua inacessibilidade, desempenha um papel crucial no dinâmico panorama econômico global.

Com a descoberta de reservas petrolíferas, a Guiana ostenta as maiores reservas per capita, enquanto a Venezuela detém as maiores reservas absolutas.

No entanto, a produção venezuelana tem estado muito aquém do seu potencial, em decorrência da difícil situação econômica do país.

Diante dos desafios enfrentados durante os anos de governo de Maduro, a administração parece disposta a provocar uma crise internacional, possivelmente para desviar a atenção de possíveis constrangimentos nas eleições do próximo ano.

Nesse contexto, o plebiscito de Maduro pode ter implicações mais amplas do que inicialmente aparenta. Ele não apenas desafia a posição do governo brasileiro, mas também representa um desrespeito aos outros líderes sul-americanos.

Para o Brasil, essa situação é particularmente delicada, uma vez que o território de Essequibo é praticamente inacessível, e os venezuelanos precisariam atravessar o território brasileiro para chegar lá. Por essa razão, o envio de tropas para a fronteira se torna uma medida necessária.

Assim, a crise em questão possui o potencial de afetar a imagem internacional da região em um aspecto de extrema relevância: a estabilidade geopolítica relativa, uma das grandes vantagens em comparação com praticamente todas as outras regiões do mundo.

O momento é inoportuno. No mês de novembro, presenciamos o ápice dos investimentos estrangeiros nas ações brasileiras, marcando o melhor desempenho do ano, com uma entrada líquida superior a R$ 18 bilhões.

O mês de dezembro trouxe um aprofundamento desse movimento.

Justamente neste momento, quando os investidores estrangeiros começam a reinvestir, encontramo-nos à beira de um potencial conflito regional que poderia desencadear uma aversão por parte dos investidores internacionais. Isso seria verdadeiramente lamentável.

As ameaças de anexação já induziram o governo da Guiana a buscar uma ampliação da cooperação de segurança com os EUA, inclusive considerando a possibilidade de convidar o governo americano para estabelecer uma base militar.

Outra contingência é que, diante da crise fabricada artificialmente, Maduro possa anunciar um estado de emergência para justificar o adiamento das eleições. Este padrão é típico e previsível.

Atualmente, vejo como altamente improvável a criação de uma nova província venezuelana em Essequibo por meio de uma anexação.

Apesar da aprovação do referendo, tenho sérias dúvidas de que a região esteja à beira da guerra, especialmente considerando que a China, uma aliada próxima da Venezuela, detém uma parte significativa das enormes reservas de petróleo que Maduro reivindica.

De qualquer maneira, a situação como um todo é embaraçosa e gera um ruído desnecessário em um momento em que a última coisa que precisamos é de mais um problema, dada a acumulação de tantos desafios.