A desindustrialização setorial no Brasil
Nicholas Kaldor, um dos grandes entusiastas do setor industrial no séc XX, dizia que: “Talvez não seja suficientemente compreendido que o tipo de crescimento econômico que envolve o uso da tecnologia moderna e que resulta em alto nível de renda per capita é inconcebível sem o desenvolvimento de uma moderna indústria manufatureira.” [1]. Partindo deste pressuposto, pergunta-se: a desindustrialização (ou seja, perda de participação do setor industrial na composição do PIB) é um fenômeno natural para todas as economias mundiais? O desenvolvimento sustentado de um país subdesenvolvido é prejudicado com este fenômeno?
O setor industrial de uma economia é o que mais gera externalidades devido a sua elevada dinâmica e capacidade de estabelecer encadeamentos, para frente e para trás. Logo, quando se estabelece uma indústria de transformação em alguma região, outros dois setores da economia são beneficiados. O setor primário, devido ao fornecimento de insumos para o setor industrial, é um deles. O setor terciário, a partir da demanda de serviços, é o outro.
Apesar disso, verifica-se nos países desenvolvidos que o fenômeno da desindustrialização é um processo natural do desenvolvimento econômico. A imagem abaixo mostra o declínio da participação industrial na composição do PIB de alguns países desenvolvidos selecionados pela Organização das Nações Unidas.
Para países subdesenvolvidos, em especial o Brasil, a desindustrialização tem um efeito danoso ao desenvolvimento sustentado da economia. O Brasil começou a se desindustrializar quando a renda per capita da população não havia chegado no ponto de inflexão (turning-point). Em média, o setor industrial começa a perder sua participação no PIB quando a renda per capita atinge US$ 20 mil em Paridade do Poder de Compra (PPC) de 2016 – conforme atualização monetária feita pelo economista turco Dani Rodrik. Na década de 1980, quando o Brasil começou a se desindustrializar, sua renda per capita era de US$ 10,8 mil em PPC de 2016.
Um agravante a essa situação é que as indústrias de média-alta e alta intensidade tecnológica no Brasil estão se desindustrializando mais acentuadamente que as outras. O que se espera é que o setor manufatureiro individualmente atinja seu pico no PIB em diferentes níveis de renda da população devido ao efeito renda. Este princípio é alicerçado pela ideia da mudança na composição da demanda conforme a renda altera-se.
Uma família, por exemplo, com baixos níveis de renda per capita tem seu orçamento destinado a bens essenciais como: moradia, alimentos, roupas, etc. Conforme altera-se a renda para níveis elevados, essa composição muda para itens elásticos à renda como produtos de alta tecnologia, carros, viagens, entre outros. O resultado disso, é que setores que produzem esses últimos bens acabam registrando seus picos de níveis de renda per capita em patamares superiores aos que fabricam itens essenciais.
O gráfico 3, alicerçado nos estudos de Morceiro, mostra a evolução dos setores de maior (linha vermelha) e menor (linha azul) intensidade tecnológica em porcentagem a preços de 2006. Nota-se que, a indústria de alta e média-alta intensidade tecnológica (eletrônica, informática, máquinas, equipamentos, química, automobilística e farmacêutica) apresentam bastante instabilidade. Em contrapartida, os setores de menor intensidade tecnológica vêm diminuindo sua participação.
O desenvolvimento sustentado da economia dos países subdesenvolvidos é afetado de forma negativa por este fenômeno devido a perda de mão de obra do setor industrial que não é absorvida pelo setor de serviços, o oposto do processo que ocorre nos países desenvolvidos. O alto nível de informalidade no Brasil é um reflexo disso. Outro agravante é a própria instrução precária do trabalhador brasileiro. Como se isso já não bastasse, o Estado ainda cria formas de obstaculizar, a partir da carga tributária, o caminho para aqueles indivíduos que querem empreender.
As políticas industriais devem considerar que a desindustrialização no Brasil ocorre de maneira heterogênea entre os setores de manufatura. Os setores de maior intensidade tecnológica, por exemplo, não chegaram ao seu auge e estão se desindustrializando. Esse fato é muito grave para o futuro do setor industrial, tendo em vista a expansão da indústria 4.0.
O desafio que o Brasil tem que enfrentar é se ele será capaz de adotar uma política industrial que seja diferente das anteriores. Nessa nova política, a concessão de créditos subsidiados para grandes empresas, as quais poderiam se financiar no mercado de ações (ao invés do BNDES), tarifas protecionistas que beneficiem determinados setores sem uma contrapartida verificável, devem ser deixadas de lado. A formulação de uma política industrial moderna é o começo para que possamos sair da “armadilha da renda média” rumo a um país desenvolvido.
Fonte
[1] Further Essays on Applied Economics, p. 125, por Nicholas Kaldor.
Por Maxwell Marcos, estudante de graduação do curso de Economia pela Universidade de Taubaté.