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A criptomoeda do Facebook vai desbancar o Bitcoin?

19 jun 2019, 20:45 - atualizado em 28 fev 2020, 20:29
“A questão é que tudo isso parece pequeno com o anúncio da Libra, a criptomoeda do Facebook”, diz Civitarese (Imagem: Pixabay)

Por Jamil Civitarese, da Investing.com

Esta semana pode ser percebida, ao menos com as informações que temos agora, uma das melhores para a indústria de criptomoedas na história. A Ripple conseguiu uma parceria de grande escala com a MoneyGram, o número de endereços ativos no Bitcoin passou de um milhão e seu preço ficou sustentável acima de 9.000 dólares.

A Binance também anunciou uma exchange voltada apenas para os EUA, mostrando força e provável compliance com as regulações americanas.

A questão é que tudo isso parece pequeno com o anúncio da Libra, a “criptomoeda do Facebook”. Esse projeto — uma stablecoin com blockchain própria baseada em uma cesta de reservas internacionais, títulos e ativos de baixa volatilidade — tem como objetivo ser a criptomoeda que a rede social e empresas parceiras usarão para transferências.

O lançamento a princípio dividiu a comunidade. Um lado viu positivamente a notícia e afirma que não há uma competição real entre as criptomoedas descentralizadas e free-float e essa stablecoin do Facebook. O outro, contudo, acredita que se trata de um cavalo de Troia na comunidade: se apropria de conceitos típicos de criptomoedas (blockchain e token) para criar uma solução ainda centralizada em certo nível.

Antes de tudo, vamos falar sobre o projeto. O projeto do Facebook, de acordo com o whitepaper, procura ser uma moeda voltada para pagamentos ao redor do mundo. Há, também, de acordo com o whitepaper, o objetivo de permitir que “as pessoas sejam proprietárias dos seus próprios recursos” e que uma moeda global “seja gerida como um bem público” (p. 2).

O produto seria gerido por uma coalizão de empresas, não somente o Facebook. O que mais me surpreendeu foi o fato de, no whitepaper, haver preocupações com privacidade (p. 6). Parece um projeto sério, apesar de ser difícil de confiar que o Facebook e demais empresas do consórcio não pedirão documentos que associarão usuários a wallets ou algo similar.

A tecnologia em si parece similar a diversos outros projetos, com todas suas dificuldades inerentes (ver a interessante thread de Jill Carlson). Em outras palavras, a tecnologia em si possui incertezas que deverão ser resolvidas com o tempo.

Essas promessas iniciais do projeto, contudo, são problemáticas na medida que não se anuncia como elas serão realizadas. Por exemplo, como a rede se tornará descentralizada? Por se tratar de uma stablecoin, a associação que financia a rede não terá maior poder?

Em última instância, quem tem a conta manda. Como conciliar isso com descentralização e como determinar a emissão das moedas? Essas perguntas, feitas na thread de Jerry Brito da CoinCenter, mostram que mesmo os aspectos positivos podem ser questionados.

Contudo, esses questionamentos inspiram nesse analista e em outros (entre eles Saifedean Ammous, autor do livro Bitcoin Standard) uma crença de que após conhecer esse projeto, haverá incentivos para procurar o Bitcoin. O Bitcoin é robusto a censura e é uma espécie de ouro digital, ao passo que a Libra ainda pode ser censurada e depende de sua base monetária.

Não sei até onde essas variáveis são relevantes. Sendo bem sincero, da comunidade brasileira de criptomoedas não conheço muita gente que entrou por motivos cypherpunk na onda. A grande maioria vê o Bitcoin como uma tecnologia que permite retornos extraordinários no médio prazo.

Digo mais: o Bitcoin nem mesmo é válido como meio de pagamento atualmente devido a seus problemas de escalabilidade. Não temos uma tecnologia pronta para uso em larga escala ainda. Acredito que seria difícil migrar para ele justamente por ele não cumprir esse papel básico de uma moeda. Por que então valeria essa diferenciação?

Uma resposta, com foco no Brasil, vem de Lucas Nuzzi da Digital Asset Research. Se uma grande maioria das pessoas aprender como usar a tecnologia, mas subitamente perder o acesso a ela por vontade do governo, provavelmente migrarão para uma alternativa que não pode ser censurada.

Lucas aposta que o Brasil pode ser uma das primeiras grandes economias a proibir a Libra por ser um país propenso a problemas monetários. Acho essa aposta um pouco ousada. O real, apesar de tudo, se mostrou uma moeda estável e as instituições econômicas do Brasil, apesar de suas falhas, têm se mostrado resistentes a governos péssimos.

O país seria ameaçado apenas por uma crise monetária que demora a se desenrolar justamente por essa resiliência. Por pior que as conduções econômicas do PT e de Jair Bolsonaro sejam, para haver uma troca de padrão monetário a Libra precisa vencer fortes barreiras (ver, por exemplo, o artigo de Luther, 2016).

Em resumo, não estou pessimista para o Bitcoin e demais criptomoedas a longo prazo, mas não vejo motivos para otimismo. Por um lado, há benefícios que a Libra traz para a comunidade como um todo, como legitimidade e maior incentivos para todos aprenderem sobre criptomoedas.

Por outro, se a criptomoeda do Facebook for realmente efetiva e aceita por governos, não haverá incentivos para migrar para Bitcoin e demais criptomoedas.

Entretanto, a coordenação entre Libra e bancos centrais reais realmente será difícil. Atualmente, vejo que possivelmente isso trará margem para uma ou outra criptomoeda se estabelecerem em países cuja economia fica frágil se essas tecnologias resolverem seus atuais desafios de escalabilidade e privacidade (nisso recomendo meu texto em Bitcoin e dolarizações).

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