A consolidação dos Fiagros: O que muda com regulação definitiva pela CVM?
Em 30 de setembro de 2024, foi editada a Resolução CVM n. 214/24 tratando da regulação definitiva dos Fiagros (Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais).
Entendemos como importante trazer o tema à nossa coluna já que nos últimos dias, o debate foi intenso em torno da nova regulamentação apresentada ao mercado.
É certo que como toda nova norma, implica em ajustes e aprimoramento no tempo, apesar de sua definitividade em relação à regulação anterior que era, no dizer da própria Comissão de Valores Mobiliários (CVM), “experimental” e “transitória”.
Como era o cenário antes da edição da norma?
Importante dizer também que mesmo sendo considerada como “experimental” e “transitória”, a já antiga Resolução CVM n. 39/21, serviu como base legal para importante avanço na indústria dos Fiagros que, segundo dados recentes do Ministério da Agricultura (Mapa), já contavam com patrimônio de cerca de R$ 37 bilhões em mais de 115 fundos operacionais, conforme o Boletim CVM de junho de 2024.
Por outro lado, o mercado ainda carecia de maior base regulamentar que facilitasse a operação da carteira e dos próprios fundos, melhoras dos parâmetros de gestão, cotização e a própria diluição de riscos de mercado entre ativos do agronegócio a serem investidos pelos Fiagros,, já que na regulação inicial somente eram permitidos 3 (três) tipos específicos de fundos:
- Fiagro-Imobiliário
- Fiagro-Direitos Creditórios
- Fiagro-Participações
Isso porque, cada uma dessas modalidades de Fiagros deveria se enquadrar analogamente a uma espécie de fundo de investimento preexistente e, portanto, respectiva regulamentação para operação.
Exemplificativamente, o Fiagro constituído para investir em imóveis rurais deveria assumir a forma de um Fundo de Investimento Imobiliário (FII) e se restringir a esses ativos, excepcionada a possibilidade de incluir na carteira os Certificados de Recebíveis Imobiliários e do Agronegócio (CRI e CRA), inclusive com a aplicação das normas que regem o FII.
Da mesma maneira, o Fiagro que investia em sociedades do agronegócio assumiria a forma do Fundo de Investimento em Participações – FIP e o que investia em direitos creditórios a do Fundo de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC.
Ou seja, essa estrutura anterior, apesar de avançar frente a um cenário no qual sequer havia o veículo, era “engessada” justamente por incluir cada tipo de Fiagro em uma “caixinha” específica moldada para estruturas próprias para investimentos em outros mercados, diferentes do agronegócio, através dos já existentes FII, FIP, FIDC.
Além disso, esse “engessamento” impactava diretamente as estratégias de diversificação de carteira e maximização dos ganhos do cotista pelo gestor dos Fiagro, já que não era possível, por exemplo, ao Fiagro investir paralelamente em imóveis rurais e em sociedades que exploram negócios no âmbito da “Cadeias Produtivas Agroindustriais” ao mesmo tempo.
Principais novidades da Resolução CVM n. 214/24
Diante disso foi feita consulta pública pela CVM que procurou interagir com os principais players do mercado para aferir, discutir e sopesar o que deveria constar na regulação, hoje recém editada, para maior efetividade da norma, possibilitando a edição de sólida base regulatória para a expansão desses fundos em níveis ainda mais robustos do que aqueles que foram atingidos com a regulação anterior.
Dentre as principais inovações trazidas pela nova regulação, destacam-se os seguintes pontos:
- A possibilidade dos Fiagro investirem e participarem dos chamados: “mercados de créditos de carbono”, feitas as ressalvas quanto ao ainda inexistente “mercado regulado” de carbono no Brasil, que se fez constar na normativa:
a. a obrigação do gestor em verificar a existência, integridade e titularidade dos ativos a serem transacionados pelos Fiagros; e
b. a exigência de que o regulamento do Fiagro defina de antemão como o administrador exercerá controle sobre a titularidade dos créditos de carbono ao longo das transações, do funcionamento das classes de cotas do fundo e demais questões de governança e gestão de riscos que envolvem a negociação desses ativos em mercado voluntário, ou seja, “mercado não regulado” ou “não obrigatório”. - A ampliação do conceito de “imóveis rurais” – em que que a normativa adotou o critério finalístico do imóvel, ou seja, ainda que localizado em área de zoneamento urbano se empregado em atividade da cadeia do agronegócio será tido como imóvel rural e desde que possua registro no Registro Geral de Imóveis (RGI) já que integrante das “Cadeias Produtivas Agroindustriais” a serem fomentadas, principalmente nos “cinturões verdes” das grandes cidades do Brasil, onde se encontra e concentra parte significativa da produção de alimentos – inclusive por questões de ordem logística – destinada à grande maioria da população brasileira que é urbana;
- A possibilidade da criação do Fiagro “multimercado” de modo que se possibilite através de investimentos no veículo, não só a diversificação de ativos do agronegócio e riscos para os investidores, como também uma maior efetividade do veículo introduzido pela Lei n°. 14.130/21; e
- Além disso, a norma trouxe definidos nos suplementos do Anexo Normativo VI da Resolução CVM n. 175/22 – que regula atualmente os demais fundos existentes no mercado -, relacionados às informações a serem prestadas aos investidores, ao mercado em geral e demais obrigações a serem cumpridas pela gestão dos Fiagro, tais como: modelos de informes (mensal e anual) e das lâminas de informações dos fundos.
Cenário dos Fiagros após a edição da nova norma
A nova norma possibilitou então não só a criação de novas modalidades de Fiagros, como o “Fiagro-Multimercado”, que permite o investimento em todos os ativos autorizados pela Lei n°. 14.130/2021, concomitantemente, através de um único Fiagro.
A nova norma exige para isso que sejam segmentados em classes de cotas distintas, todo ele submetido a normas especificamente pensadas e editadas ao veículo em questão, o que não só facilita a vida dos gestores de fundos, mas, principalmente, dilui riscos e custos de constituição e gestão de Fiagros, maximizando a ferramenta para todos os agentes do mercado.
Essa alteração era uma demanda latente do mercado, sustentada por nós no processo de consulta pública, e desde logo tendente a surtir efeitos benéficos ao ecossistema, materializados sobretudo no aumento do volume de capital sob custódia dos Fiagro.
A principal inovação ao nosso ver, é a possibilidade de investimento paralelo em classes de ativos da Lei n°. 14.130/2021 (ex. imóveis rurais) e em cotas de outros Fundos, inclusive FIDC, que invistam em Cédula de Produto Rural (“CPR”), além de outros ativos listados no artigo 14 da nova norma.
Além disso, os Fiagro poderão investir em CBIOs, créditos de descarbonização emitidos no âmbito do setor sucroenergético, e em “créditos de carbono do agronegócio”, nesse caso, ao agregar o “agronegócio” ao termo “crédito de carbono”, a norma faz menção indireta, porém lógica – e assim tratada no processo de consulta pública – ao título que o corporifica e o torna apto a ser investido pelo novos “Fiagro – Verdes”, a CPR-Verde.
Vejam abaixo o quadro resumo dessas principais alterações que preparamos para o nosso leitor:
Ativos | Antes | Depois |
---|---|---|
Imóveis Rurais ou Direitos Reais sobre Imóveis Rurais | “Fiagro-Imobiliário” ou “Fiagro FII”. | Fiagro- Imobiliário; Fiagro-FII ou Fiagro-Multimercado. |
Participação em sociedades ou cotas de fundos de investimento que explorem atividades integrantes da cadeia produtiva agroindustrial | “Fiagro-Investimentos” ou “Fiagro-FIP”. | “Fiagro-Investimentos”; “Fiagro-FIP” ou Fiagro-Multimercado |
Ativos e direitos creditórios do agronegócio, títulos de securitização emitidos com lastro em direitos creditórios do agronegócio; créditos de carbono do agronegócio e CBIOs | “Fiagro – Direitos Creditórios” ou “Fiagro-FIDC” | “Fiagro – Direitos Creditórios”, “Fiagro-FIDC” ou Fiagro-Multimercado |
Conclusões
Importante dizer ainda que vários dos temas levantados, debatidos e até mesmo propostos por nós e outros players do mercado no âmbito do processo de consulta pública não foram objeto de regulação e, outras vezes, foram até objeto de vedação expressa da norma.
É o caso da possibilidade de se criar uma espécie de “Fiagro-NP” (Fiagro-Não-Padronizado) que poderia ser muito útil como instrumento para securitização de ativos não padronizados, “estressados” (dívidas vencidas e não pagas, por exemplo), além de créditos e/ou direitos judicializados que no agronegócio poderiam ser negociados a mercado, com mais transparência e profissionalismo, para atender adequadamente demandas conjunturais específicas e mais direcionadas, contribuindo com sanidade do sistema privado de financiamento do agronegócio, além de serem utilizados como “ferramenta” para a institucionalização e fiscalização de algumas operações de cessão de crédito que feitas à “balcão” transferem indevidamente para o Poder Judiciário, o ônus de avaliar sem especialização e isoladamente a legitimidade de operações dessa natureza no âmbito das Cadeias produtivas Agroindustriais.
Além disso, a norma determinou que os Fiagros existentes se adaptem às disposições da nova norma até 30 de setembro de 2025, o que nos pareceu adequado, levando-se em considerações “ano-safra” e as questões a serem dirimidas a mercado com a introdução do novo regramento.
Esperamos que a nova norma acabe por desempenhar o papel regulatório que as autoridades e o próprio mercado buscaram lhe emprestar, sendo certo que nenhuma regulação funciona sozinha e sem uma adesão dos players de mercado ao quanto disposto na norma, razão pela qual, mais do que esperar, todos que operam e vivem o dia-a-dia do agronegócio brasileiro, devem se comprometer a praticar o quanto estabelecido e fixado na nova normativa para fazer cumprir com a finalidade esperada de aumento da disponibilidade de recursos privados para o financiamento do agronegócio brasileiro, com a respetiva divisão de tarefas, riscos e ganhos que todos que trabalham no setor estão habituados a observar.
*Texto produzido em parceria com Pedro Branquinho do Carmo, Breno Arruda Macchetti e André Morais Bachur Silva.