A Bula do Mercado: Ajuste sob risco
Olivia Bulla é jornalista e escreve diariamente sobre os mercados financeiros no blog A Bula do Mercado.
A tentativa do governo Temer de criar uma agenda positiva, esquivando-se das vozes nas ruas e dando continuidade ao ajuste fiscal, sofreu um duro revés na tarde de ontem. Praticamente minutos após tornar público os detalhes da Reforma da Previdência, que será enviada ao Congresso hoje e que inclui os políticos nas regras gerais, o STF decidiu afastar Renan Calheiros da presidência do Senado. E, sem Renan, o ajuste fiscal fica sob risco.
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Isso porque com o afastamento de Renan, quem assume o cargo é o petista Jorge Viana e o PT é contra a proposta que fixa um teto para os gastos públicos por até 20 anos. O segundo turno da PEC está previsto para daqui a uma semana, no dia 13, mas o novo presidente do Senado sofrerá uma pressão fortíssima para adiar a conclusão da votação, ameaçando barrar a principal proposta do governo Temer para 2016.
Viana disse que irá esperar a confirmação, em plenário, da decisão do ministro do STF Marco Aurélio Mello. A liminar expedida por ele para afastar Renan deve ser analisada amanhã pela Corte e a tendência é de que a maioria dos ministros confirme a decisão do relator. No próprio despacho, Marco Aurélio lembra que já havia uma maioria do Supremo a favor do veto à presença de réus na linha sucessória da Presidência da República.
Por sua vez, a Reforma da Previdência nem bem foi lançada e já sofre oposição de todas as centrais sindicais e até mesmo da base aliada. Afinal, a proposta do governo é de que a reforma valerá para todos: desde políticos e servidores públicos a trabalhadores da iniciativa privada. Os militares, porém, ficarão de fora e a aposentadoria dessa classe só deve mudar após a aprovação da reforma, com regras mais rígidas.
A medida, portanto, não agrada a ninguém, mas o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já fala em aprovar a Reforma da Previdência “logo no início do ano que vem”. A discussão do tema deve se estender para 2017 e, se não abranger todos os setores da sociedade, a população não deve pensar duas vezes em cobrar o Executivo.
Afinal, o fato de as manifestações de domingo terem poupado o Palácio do Planalto e mirado no Legislativo trouxe alívio, mas não significa que o Executivo está livre de pressão, já que os protestos tiveram como alvo a maior força política de Temer: o Congresso. Se recuar e optar por ficar ao lado do povo, Temer perde o apoio dos parlamentares.
Com o presidente de mãos atadas, a Reforma da Previdência deve mobilizar outros movimentos sociais – menos pacíficos – mantendo o clima de tensão em Brasília em meio à proximidade da delação da Odebrecht. A expectativa é de que os depoimentos de executivos da empreiteira implique ao menos sete ministros do governo, além de o próprio presidente, Michel Temer.
Cientes desse cenário, os investidores devem redobrar a uma postura defensiva hoje, sem saber se a promessa de contornar a trajetória da dívida pública será, de fato, colocada em prática. Mais que isso, os mercados domésticos temem uma piora na crise política, com os ruídos nos bastidores de um terceiro presidente do Brasil em menos de quatro anos tornando-se ensurdecedores.
Hoje, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, profere uma palestra na sede da União Geral dos Trabalhadores (UGT) para explicar aos sindicalistas o projeto de Reforma da Previdência. À noite, ele participa da cerimônia que premia os “Brasileiros do Ano”, tendo a companhia de Temer no evento.
Entre os indicadores econômicos, o destaque desta terça-feira é a ata da reunião da semana passada do Comitê de Política Monetária (Copom), às 8h30. Indicadores antecedentes da Anfavea sobre a indústria automotiva no mês passado (11h20) também estão na agenda doméstica.
O documento do Banco Central deve reforçar a leitura do comunicado, o qual sinalizou que, salvo maiores surpresas externas e internas, a tendência é de aceleração do ritmo de cortes na taxa básica de juros (Selic), a partir de janeiro de 2017. Mais que isso, a expectativa é de que o BC possa esclarecer os motivos para não ter havido um corte mais intenso na Selic em novembro.
No exterior, dados de atividade voltam a ser destaque. Logo cedo (8h), a zona do euro informa a terceira e última leitura do Produto Interno Bruto (PIB) no terceiro trimestre deste ano. As principais bolsas europeias não exibem uma direção única, antes do dado, ao passo que o euro ainda tenta se desvencilhar da turbulência política criada na Itália.
Já nos Estados Unidos, saem o saldo da balança comercial em outubro e os custos trabalhistas e a produtividade no trimestre passado, ambos às 11h30, além das encomendas às fábricas em outubro (13h). À espera desses números, os índices futuros das bolsas de Nova York estão na linha d’água, com um ligeiro viés negativo, penalizados pela queda das commodities.